Força Espacial Militar dos EUA

símbolo da spaceforce

Texto para Discussão:

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra

Resumo

O Presidente Trump criou, em dezembro de 2019, uma força e um comando espacial que passaram a fazer parte do Estado Maior das Forças Armadas. Desde 1947, a estrutura do órgão de Comando das Forças Armadas não era modificada.

Em uma jogada de marketing político, a imagem da nova força foi associada às aventuras espaciais na ficção. Seus combatentes receberam o nome Guardiões, seu recrutamento busca “mentes brilhantes” para participar de uma atividade na qual, no futuro, “a história será feita”.

A militarização do espaço sideral foi contida, na época de Guerra Fria, por acordos entre as partes.

É a primeira vez em que uma Força Militar Espacial foi oficialmente constituída em um país e coloca o restante da Humanidade sob o jugo de uns poucos governos. Evidentemente, a militarização do espaço também tem participação, um pouco menos explícita, da Rússia e China. Esses e outros países podem aderir à militarização do Espaço.
Não é uma boa notícia para a paz no Mundo.

Palavras Chave: Espaço, força militar, desarmamento, USSF, paz, guerra. forças armadas, EUA.
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A Realidade imita a Ficção?

Depois de quase três quartos de século, os Estados Unidos acrescentaram à estrutura de suas Forças Armadas um novo Comando Independente, o Comando Espacial.

O Presidente Trump, em seu brevíssimo discurso (7 min) de despedida na Base Conjunta de Andrews, citou a criação da Força Espacial Americana (USSF – United States Space Force) como uma das grandes realizações de seu governo.

“Nós reconstruímos os Estados Unidos militarmente, nós criamos uma nova força, a Força Espacial, isto seria, por si só, uma grande conquista”.[1]

Foi a primeira modificação na estrutura do sistema das Forças Armadas americanas desde 1947. Elas são agora compostas por seis comandos militares independentes: Exército, Marinha, Fuzileiros Navais, Força Aérea e Força Espacial, mais a Guarda Costeira.

A Guarda Costeira também é um Comando, sendo alocada no Departamento de Segurança Interna e não no de Departamento de Defesa, como as outras. Seu comandante não integra o Estado Maior das Forças Armadas (Joint Chiefs of Staff).

A criação dessa Força foi propositalmente associada a obras de ficção científica que, há décadas, vêm criando heróis espaciais em histórias em quadrinhos, filmes, séries para TV e jogos eletrônicos. Foi Mike Pence, Vice Presidente de Trump, que anunciou, no primeiro aniversário da Força Espacial, em 20 de dezembro de 2020, que seus integrantes seriam chamados de “Guardiões”.

O nome faz lembrar os Guardiões da Galáxia, serie em quadrinhos do final dos anos sessenta, transformada em filmes a partir de 2014. Seus logotipos guardam, aliás, similaridades (Figura 1).

símbolo da spaceforce

Figura 1: Semelhanças entre os símbolos da Força Espacial e dos Guardiões da Galáxia

Também existem similaridades entre os símbolos da USSF (United States Spacial Force), provisoriamente alocada no Departamento da Força Aérea e o do Starfleet Command, organização pertencente ao universo fictício da franquia Star Trek. Essa série, também dos anos sessenta, no Brasil recebeu o nome de “Jornada nas Estrelas: Enterprise”. Dela resultaram novos episódios, livros, jogos eletrônicos e filmes que prolongaram seu sucesso. Agora a realidade imita a arte ou apenas renova o recurso usado, também nos anos sessenta, para disfarçar as intenções guerreiras da corrida espacial.

Figura 3 de comparacao simboloes USSF e starfleet

Figura 2: Semelhanças entre os distintivos da USS Force e do Starfleet Command do Enterprise

No portal da Força Espacial o vídeo para estimular o recrutamento de pessoal procura usar o interesse dos jovens em participar da exploração espacial com a mesma intenção dos anos sessenta, como mostrado na Figura 3.

figura recrutamento USSF

Figura 3: “Talvez seu objetivo neste planeta não esteja neste planeta”; é o apelo à imaginação dos jovens para que se juntem aos Guardiões. “O Ato de Autorização FY20 da Defesa Nacional aprovou uma nova e independente Força Espacial, dentro do Departamento da Força Aérea. Enquanto esse novo ramo militar toma forma em 2020, estamos recrutando as mentes mais brilhantes na ciência, na tecnologia aeroespacial e na engenharia para atender suas necessidades. Junte-se a nós. O futuro está onde faremos história.”

Ainda para reforçar essa impressão, o astronauta americano Mike Hopkins, na Estação Espacial Internacional[2], transferiu-se voluntariamente da Força Aérea para a USSF o que reforça a ideia de associação dos “Guardiões” da USSF com os astronautas. A mudança é sutil porque ele já era um militar em uma missão civil em nome da NASA, agora ele integra uma organização militar na área espacial, um guardião do espaço em uma missão espacial internacional.

De uma maneira ou outra, isto pode solapar o desarmamento de espíritos que gerou, logo após o desmantelamento da União Soviética, a Estação Internacional Espacial ISS (International Space Station). Um Memorando de Entendimentos entre NASA e a correspondente russa Roscosmus, em 1993, foi a origem da Estação Espacial Internacional, inaugurada no ano 2000. Coincidência ou não, no filme ” 2001, uma Odisseia no Espaço” soviéticos e americanos se encontram em uma base espacial em uma antecipação de uma cooperação que, à época do filme (1968) parecia improvável. Muitas operações bilaterais na antiga União Soviética foram, em parte, patrocinadas pelos EUA para evitar a dispersão pelo mundo de conhecimentos cruciais em tecnologias sensíveis como o espacial e nuclear.

Este notável exemplo de cooperação da qual participam  mais de uma dezena de governos é um grande exemplo de cooperação científica internacional que inspirou esperanças de que haveria lugar para a cooperação científica internacional inclusiva que se deu ainda nas áreas da pesquisa de partículas nucleares em Genebra (LHC Large Hadron Collider), Suíça, e da fusão Nuclear em Cadarache, França (ITER – Reator Internacional Termonuclear Experimental).

A Missão e Doutrina da USSF

Se o portal oficial da Força Espacial busca associar os seus “guardiões” aos heróis das obras de ficção científica, ele também esclarece, por outro lado, o caráter militar da Força e seu objetivo de defender as instalações espaciais dos EUA e seus aliados, slém de estar apta para eliminar equipamentos espaciais de ataque do inimigo.

A Doutrina que embasa a criação da nova força é apresentada no documento Doctrine for Space Forces. Uma boa abordagem inicial sobre o assunto está no artigo Força Espacial dos EUA divulga sua primeira doutrina militar, publicada no portal Defesa.

No documento que formula a doutrina oficial da USSF, ela é identificada como a organização que cuidará dos aspectos militares da área onde atua hoje a NASA, em assuntos civis[1]

Embora não constem nominalmente na Doutrina, os inimigos que, no entender dos EUA, justificam a constituição dessa Força Espacial são principalmente Rússia e China que estariam capacitados para a destruição de satélites, ou para lançar foguetes ultra supersônicos de ataque (Rússia) que dificilmente seriam atingidos pelos meios tradicionais de proteção. Também deve ser lembrado que a Coreia do Norte tem se empenhado em demonstrar sua capacidade em lançamentos de foguetes capazes de inclui-la no clube dos que são capazes de ultrapassar a camada atmosférica. Um lançamento desse tipo foi feito sobre o espaço aéreo japonês e serviu de advertência para a incapacidade atual de defesa contra este tipo de ataque.

A Doutrina para a Força Espacial ainda está em discussão nos EUA. Ela tem aspectos que enriquecem a discussão em qualquer país cuja dimensão o credencie a influenciar o quadro mundial. No nosso país, a Doutrina é de especial interesse para a Escola Superior de Guerra – ESG que tem uma abordagem doutrinária semelhante sobre a organização do Poder Nacional.

Na doutrina da USSF, o Estado usa o Poder Nacional para exercer influência e controle do sistema internacional. Esse Poder Nacional utiliza quatro instrumentos primários que são os poderes diplomático, da informação, militar e econômico.

O poder militar, por sua vez, divide sua ação por ambientes físicos distintos: ar, terra e água (principalmente o mar). A estes três elementos acrescenta-se agora o espaço, principalmente o espaço próximo. O novo “terreno” de guerra dessa nova Força seria o dos voos orbitais, seja os que alcançam a trajetória de órbita estável (satélites), seja os que percorrem uma órbita de ataque saindo e entrando na atmosfera (foguetes balísticos).

A Doutrina da Força Espacial busca explicitar as razões que justificam a nova Força e o novo Comando Independente. Afirma que as armas espaciais têm sido, até agora, consideradas como simples auxiliares das forças terrestres, marítimas e aéreas. A doutrina corrente não teria conseguido captar o impacto direto e independente do Espacial “na prosperidade e segurança dos EUA”. A doutrina considera o espacial como um poder distinto dos poderes terrestre, marítimo e aéreo[3]. A porção espacial considerada como “terreno” de guerra é a porção logo acima da atmosfera, onde o “ar” já não existe. É a nova fronteira   ocupada pelo homem, onde a gravidade é ainda cerca de 80 % da observada na face da Terra onde a impressão de falta de gravidade é gerada pela sensação de constante “queda livre” que representa a trajetória balística de um satélite. Por outro lado, mesmo com o atrito atmosférico quase nulo, o ambiente onde são instaladas as bases espaciais e a maioria dos satélites é hostil ao homem devido à presença do chamado “vento solar” de partículas de alta energia que, na atmosfera, são blindadas, pela camada magnética ou magnetosfera.

A nova administração Biden enfrenta pressões de pacifistas contra a USSF, criada pelo Governo Trump. Vários artigos no mesmo Space News, no entanto, consideram que a Força Espacial têm apoio multipartidário e multicameral no Congresso e, embora possa perder prioridade, consideram que a Administração Biden não é considerada um obstáculo para a USSF. 

Os EUA, por sua vez, que ainda usavam as naves russas para acessar a Estação Internacional Espacial, agora já dispõem de um novo veículo o Orion que realizou seu primeiro lançamento de teste em 2014 e já fez, em 2020, uma primeira viagem para levar astronautas para a base internacional e que, em breve, pode estar em órbita lunar. Durante quase dez anos os EUA dependeram da Soyuz o que foi superado agora, possibilitando iniciativas militares independentes.

Aparentemente, já estamos diante de uma nova Guerra Fria ou, para ser atual, com uma “segunda onda” dessa guerra que esteve latente por algumas dezenas de anos. No caso das estações espaciais, a China já anunciou a construção da sua base espacial, teoricamente aberta à cooperação externa, e tem planos de ir a Lua.

Conclusões

Estamos nos afastando da visão de cooperação técnico-científica que tornou possível os grandes laboratórios internacionais em áreas como fusão, partículas nucleares e espacial. A corrida militar espacial nos anos da Guerra Fria fora em parte limitada pelo Acordo Antimísseis Balísticos de 1972 (AMB Treaty). Ele foi denunciado pelo Governo W. Bush em 2001, dando início ao Programa apelidado de “Guerra nas Estrelas” que, de certa forma, alimentou a ideia da Força Espacial, obra da administração Trump.

Paira a ameaça do uso militar de uma base na Lua, como objeto dessa nova corrida espacial, que foi evitada, no auge da Guerra Fria. Isso romperia definitivamente qualquer credibilidade na ideia, sustentada por décadas pelas potências dominantes, que a corrida espacial significava “um grande passo para a Humanidade” e não uma conquista nacional dos EUA ou da União Soviética. Mesmo sabendo que havia interesses militares em paralelo, pudemos experimentar alguns benefícios reais dessas conquistas e, alimentar a esperança de que haveria ainda benefícios adicionais para o Planeta. Era mais confortável isso do que aceitar que existe agora uma disputa militar pelo espaço na qual estaríamos alijados.

A Força Espacial militar dos EUA ainda não está definitivamente institucionalizada. Embora pareça improvável, seria um gesto de boa vontade do novo Governo Biden renunciar a esta nova Força criada pelo governo anterior.

Pode ser que os EUA queiram chegar a eventuais negociações com uma posição de força. O que parece insensato é admitir que alguns países se reservem o direito de dominar o espaço que não lhes pertence,  ameaçando de forma não controlável o conjunto da Humanidade.

O caminho anterior reconduziu aos EUA à supremacia na área espacial. Evitar a militarização do Espaço certamente, ajudaria desanuviar tensões internacionais e inibiria a inconveniente proliferação de novas forças espaciais em países rivais.

Notas:

[1] “We rebuilt the United States Military, we created a new force, called Space Force, and that itself will be a major achievement…”

[2] NASA Astronaut Mike Hopkins Transfers to US Space Force While Aboard International Space Station

[3] The doctrine presented in the following chapters elevates spacepower as a distinct formulation of military power on par with landpower, seapower, airpower, and cyberpower. Notar que o “air” que define a espaço aéreo é, etimologicamente a região do espação onde existe o ar, ou seja, a atmosfera, não incluindo, pois, a estratosfera. Notar ainda a inclusão do poder cibernético como uma área de poder militar que tem, aliás,  forte relação com o poder espacial.  

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A propósito:

O tema da  Força Espacial, em particular a questão sobre a possível revisão da decisão da instalação da Força, foi objeto de  manifestações da Secretaria de Imprensa do Governo Biden nestes primeiros dias de fevereiro.

Quando solicitada a dar as opiniões do presidente Joe Biden sobre a Força Espacial, a Secretaria de Imprensa da casa Branca Jen Psaki respondeu “Uau. Força espacial. “É o avião de hoje”, para acrescentar em seguida “Verificarei com nosso ponto de contato com a Força Espacial. Não tenho certeza de quem é “

Para conter os protestos que a brincadeira da porta-voz provocou, ela voltou ao assunto, propiciado mais tarde por outra questão de jornalista, para manifestar o completo apoio do Governo Biden aos trâmites de consolidação da nova força militar que se fizerem necessários. 

O Tratado de Proibição de Armas Nucleares e a Posição do Brasil na Área Nuclear


Economia e Energia – E&E   
Nº 97, outubro a dezembro  2017
ISSN 1518-2932

O TRATADO DE PROIBIÇÃO DE ARMAS NUCLEARES E A POSIÇÃO DO BRASIL NA ÁREA NUCLEAR

Carlos Feu Alvim
Olga Y. Mafra
Leonardo Paredes e
Leonam Guimarães

Resumo

O Brasil assinou, através de ato do seu Presidente da República, em 20/09/2017 o “Tratado de Proibição de Armas Nucleares” TPAN (1) aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 07 de Julho de 2017. A assinatura do Tratado provocou alguma inquietude sobre as possíveis ligações entre sua assinatura e a Adesão ao Protocolo Adicional (2) ao Acordo de Salvaguardas que o Brasil e Argentina mantêm com a ABACC e AIEA (3). As possíveis implicações desse Tratado sobre a posição brasileira a respeito da energia nuclear são aqui analisadas. Este artigo visa colaborar com a necessária discussão pública que deve ser feita, patrocinada pelo Congresso Nacional, antes do Brasil ratificar o Tratado. Busca-se também saber se o Tratado contraria a determinação da Estratégia Nacional de Defesa (4), pela qual o Brasil renunciou a adotar qualquer medida adicional na área de não proliferação até que os países armados dessem um sinal efetivo de cumprirem suas declaradas intenções de caminhar no sentido do desarmamento.

Palavras Chave

Armas Nucleares, Protocolo Adicional, AIEA, Política Nacional de Defesa, desarmamento, TPAN, ONU.

  1. Aprovação e Assinatura do Tratado

O “Tratado de Proibição de Armas Nucleares” foi aprovado por 122 países (5) com a abstenção de Singapura e um único voto contra da Holanda, que foi também o único país da OTAN a comparecer e votar. A Organização do Tratado do Atlântico Norte se opôs explicitamente ao Tratado, recusando-se a participar da votação e até das discussões preliminares. Vale lembrar que a Holanda armazena em seu território armas nucleares dos EUA sob o comando direto da OTAN.

Os outros países nuclearmente armados ou que compartilham armas nucleares optaram também por registrar sua oposição, não participando da discussão nem da votação. Assim fizeram, Estados Unidos, Rússia, China e todos os dotados de armas nucleares, inclusive a Coreia do Norte. Bélgica, Itália, Alemanha e Turquia, que, além da já citada Holanda, armazenam armas nucleares em seus territórios. Também não se juntaram às negociações, Japão e Coréia do Sul, fortemente dependentes do “guarda-chuva” nuclear americano. Entre os países da Europa Ocidental que votaram a favor, a Áustria destacou-se por participar da liderança do processo; também votaram sim a Suíça, a Irlanda e a Suécia, além da Santa Sé.

Vários aspectos sobre o Tratado e seu conteúdo estão descritos no artigo publicado no site Defesanet.com.br “A ONU aprova o Tratado de Proibição de Armas Nucleares” de Leonam Guimarães (6).

Em uma declaração conjunta (7) divulgada no mesmo dia da aprovação do TPAN, as delegações dos Estados Unidos, Reino Unido e França na ONU afirmaram que: “não participaram da negociação do tratado e não pretendem assinar, ratificar ou tornar-se parte disso”. Diz ainda essa declaração que: “esta iniciativa ignora claramente as realidades do ambiente de segurança internacional” e que “a adesão ao tratado de proibição é incompatível com a política de dissuasão nuclear, que tem sido essencial para manter a paz no mundo há mais de 70 anos”.

Em resposta a perguntas sobre esta declaração conjunta, a Embaixadora Whyte Gómez, Presidente da Conferencia, lembrou que, quando o TNP foi aprovado, há duas décadas, não houve também, a princípio, um grande número de adesões. Em 1995, aquele Tratado foi prorrogado indefinidamente e um total de 191 Estados aderiram ao TNP. Note-se que a Coréia do Norte foi o único país que aderiu àquele Tratado, mas que posteriormente o abandonou.

O TPAN contou com a adesão de 122 entre os 193 países membros da ONU obtendo assim 63% dos votos. Esses países representam 38% do total da população mundial e ocupam 43% da superfície terrestre do Globo. Já do ponto de vista de riqueza, esses países representam só 27% do PIB mundial, medido em Paridade de Poder de Compra (GDP/PPP na sigla em inglês). Os dados para avaliar estas participações são os de 2015 (8).

Fundamentalmente foram os países mais pobres que aderiram ao Tratado. O PIB PPP/per capita dos países que aprovaram o Tratado é de 11.100 US$/hab enquanto que o PIB per capita dos países que não o aprovaram é de 18.500 US$/hab.

Desse grupo de países, o Brasil é o que apresenta o maior PIB e a maior área e só é superado quanto à população pela Indonésia, que ocupa o segundo lugar nos outros quesitos.

Cinquenta e três países (9), incluindo o Brasil, aderiram ao Tratado em 20/09/2017, ocasião em que foi colocado à disposição para assinatura, durante a Assembleia Geral da ONU. Assinaram o documento vários países da América Latina entre os quais devem ser destacados Brasil e México, que utilizam comercialmente a energia elétrica nuclear. Destaque entre os países signatários é a África do Sul, que já construiu armas nucleares e as desmontou, além da Indonésia e Tailândia. Três países desses cinquenta e três já depositaram simultaneamente a ratificação (Guiana, Santa Sé e Tailândia).

O Tratado segue aberto à assinatura de todos os Estados Membros na sede da ONU em Nova York e entrará em vigor 90 dias depois de ter sido ratificado por pelo menos 50 países.

  1. Conteúdo do Tratado

Para responder as questões sobre a repercussão da adesão ao Tratado e a posição brasileira na área nuclear, é necessário examinar atentamente o conteúdo dos compromissos assumidos no Tratado e suas implicações para a posição brasileira.

O Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares surgiu, pelo menos em principio, devido à profunda preocupação das Nações Unidas com as consequências humanitárias catastróficas que poderiam advir do uso de armar nucleares e do reconhecimento de que só a eliminação completa dessas armas seria a garantia de que elas nunca mais seriam usadas.

O Brasil, aderindo ao Tratado, assume os compromissos constantes do Artigo 1 que proíbe amplamente atividades relacionadas com o desenvolvimento, teste, produção, fabricação, aquisição, posse ou armazenamento de armas ou explosivos nucleares.

Artigo 1: Proibições Assumidas pelos Países

“Cada Estado Parte, compromete-se a nunca sob nenhuma circunstância:

  • Desenvolver, testar, produzir, fabricar, adquirir, possuir ou armazenar armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares;
  • Transferir para qualquer destinatário qualquer tipo de arma nuclear ou outros dispositivos nucleares explosivos ou controlar tais armas ou dispositivos explosivos direta ou indiretamente;
  • Receber a transferência ou o controle sobre armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos, direta ou indiretamente;
  • Usar ou ameaçar usar armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares;
  • Ajudar, encorajar ou induzir, de qualquer forma, qualquer pessoa a exercer qualquer atividade proibida a um Estado Parte nos termos do presente Tratado;
  • Procurar ou receber qualquer tipo de assistência de qualquer pessoa para exercer qualquer atividade proibida a um Estado Parte nos termos do presente Tratado;
  • Permitir a armazenagem, instalação e/ou implantação de quaisquer armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares em seu território, ou em qualquer lugar sob sua jurisdição ou controle”.

As proibições assumidas no âmbito desse Tratado superam as assumidas por um país signatário do TNP, que não proíbe, de forma suficientemente explícita, a adesão dos países a um esquema de proteção externo onde os seus territórios são utilizados por potências nucleares para atividades de defesa ou de resposta rápida e dissuasão que envolvem armas nucleares. Também o compartilhamento de armas nucleares, ainda sujeito a interpretações no TNP, é claramente proibido no novo TPAN.

No caso do Brasil, no entanto, as proibições assumidas no âmbito do Tratado de Tlatelolco (10) (Artigo 1) já impedem o armazenamento, instalação ou implementação de armas nucleares. O Tratado de Tlatelolco não proíbe os dispositivos nucleares explosivos para fins pacíficos. A renúncia às chamadas “explosões pacíficas” só foram claramente assumidas pelo País no Acordo Bilateral Brasil – Argentina (11). Mesmo assim, para manter coerência com as posições históricas dos dois países, consta no texto do Acordo Bilateral que “tendo em vista que não existe atualmente distinção técnica possível entre dispositivos nucleares para fins pacíficos e os destinados a fins bélicos, as Partes se comprometem, ademais a proibir e a impedir em seus respectivos territórios, bem como a abster-se de realizar, fomentar ou autorizar, direta ou indiretamente ou de participar de qualquer maneira no teste, uso, fabricação, produção ou aquisição por qualquer meio, de qualquer dispositivo nuclear explosivo, enquanto persistir a referida limitação técnica”. Ficava ainda aberta um possível retorno à posição anterior se houvesse progresso técnico que eliminasse essa restrição, o que parece muito pouco provável de vir a acontecer.

Isto faz com que as proibições do Tratado de Tlatelolco somadas às do Acordo Bilateral, não sejam equivalentes às do TPAN porque ainda existia uma remota possibilidade de serem admitidos os dispositivos nucleares explosivos para uso pacífico. Foi somente com a posterior assinatura do TNP (12) que foi abandonada esta possibilidade.

Enfim, as obrigações dos membros do TPAN  com o desarmamento e a não proliferação são superiores às do TNP que não veta eficazmente o uso do território dos países não nucleares para armazenar e/ou compartir armas nucleares. O Brasil só não está assumindo novos compromissos porque já os tinha em outros tratados.

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Nota sobre o compartilhamento de armas nucleares em países não nucleares, signatários do TNP.

Abrindo um parêntese na presente análise, deve-ser lembrado que o compartilhamento tampouco é admitido pelo TNP cujo Artigo 1 já estabelece:

“Each nuclear-weapon State Party to the Treaty undertakes not to transfer to any recipient whatsoever nuclear weapons or other nuclear explosive devices or control over such weapons or explosive devices directly, or indirectly; and not in any way to assist, encourage, or induce any non-nuclear-weapon State to manufacture or otherwise acquire nuclear weapons or other nuclear explosive devices, or control over such weapons or explosive devices”.

Em tradução livre:

“Cada Estado Parte do Tratado possuidor de armas nucleares compromete-se a não transferir para qualquer beneficiário qualquer arma nuclear ou outro dispositivo explosivo nuclear ou o controle direto ou indireto dessas armas ou dispositivos explosivos; e, de modo algum, ajudar, encorajar ou induzir qualquer Estado não possuidor de armas nucleares a fabricar ou, de qualquer forma, adquirir armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares ou controlar tais armas ou dispositivos explosivos”.

Este princípio parece estar sendo claramente violado ao se admitir que países como a Alemanha tenham artefatos nucleares instalados em suas próprias aeronaves e que as regras de compartilhamento dessas armas permitam que aquele país as utilize em suas ações bélicas. O parecer dos países que compartilham armas nucleares não é, naturalmente, este.

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Voltando à análise do presente Tratado, o Artigo 2 refere-se às declarações que os Estados Parte que assinarem o TPAN devem apresentar à Secretaria Geral das Nações Unidas, no máximo em até 30 dias, a sua entrada em vigor naquele Estado Parte. Essas declarações serão por sua vez transmitidas pela Secretaria Geral para todos os outros Estados Parte.

Artigo 2: Declarações a serem feitas pelos países

 

  • “Declarar se mantinha a propriedade, possuía ou controlava armas nucleares ou dispositivos nucleares explosivos, e se eliminou o seu programa de armas nucleares, incluindo a eliminação ou a conversão irreversível de todas as instalações relacionadas com armas nucleares, antes da entrada em vigor do presente Tratado para esse Estado Parte;
  • Não obstante o disposto no Artigo 1 (a), declarar se mantém a propriedade, possui ou controla qualquer arma nuclear ou outros dispositivos nucleares; explosivos;
  • Não obstante o disposto no Artigo 1 (g), declarar se existem armas nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos no seu território ou em qualquer local sob sua jurisdição ou controle que sejam de propriedade, possuídos ou controlados por outro Estado.”

Do ponto de vista dessas declarações, o Brasil não terá dificuldades de firmá-las, tendo em vista que nunca participou de esquemas de proteção nuclear com outros países nem tem instalações próprias clandestinas.

As maiores inquietudes sobre o Tratado surgiram do ponto de vista de Salvaguardas Nucleares, em particular, foi colocada a questão de como ficaria o Brasil relativamente à assinatura do Protocolo Adicional (13).

Com efeito, o “lado B” da história seria a possibilidade das obrigações que o Tratado impõe aos seus signatários os obrigarem a avançar em direção a maiores concessões, que o País tem por política evitar, antes que surjam medidas efetivas por parte dos países nuclearmente armados no sentido de atender aos compromissos assumidos no TNP com o desarmamento.

A preocupação é pertinente porque a assinatura do Protocolo pode prejudicar as atividades do programa do submarino nuclear, que não é considerada uma arma nuclear, mas que encerra uma aplicação militar (a da propulsão nuclear que não é proscrita). Com efeito, o submarino nuclear não é uma arma de destruição em massa e, no caso brasileiro, não seria provido de explosivos nucleares aos quais, o Brasil renunciou pela sua própria Constituição Federal.

Note-se que o presente acordo de salvaguardas existente para Brasil, Argentina, ABACC e AIEA, o Acordo Quadripartite (3), não exclui o submarino e seu combustível nuclear da aplicação de salvaguardas, mas oferece procedimentos especiais em sua aplicação.

Deve-se, enfim, examinar também neste aspecto as determinações da Estratégia de Defesa Nacional, que renunciou a abordar qualquer medida adicional na área de não proliferação até que os países armados dessem um sinal efetivo de cumprirem suas declaradas intenções de caminhar no sentido do desarmamento.

Entre as obrigações no âmbito das salvaguardas estão as indicadas no Artigo 3.

Artigo 3: Disposições sobre Salvaguadas

  1. “Cada Estado Parte para o qual o Artigo 4, parágrafos 1 e 2 não se aplica, deve, no mínimo, manter as suas obrigações de salvaguarda com a Agência Internacional de Energia Atômica em vigor no momento da entrada em vigor do presente Tratado, sem prejuízo de quaisquer instrumentos relevantes que possam vir a ser adotados no futuro.
  2. Cada Estado Parte ao qual o Artigo 4, parágrafos 1 ou 2, não se aplica, e que ainda não o tenha feito, deve concluir com a Agência Internacional de Energia Atômica e colocar em vigor um acordo abrangente de salvaguardas (INFCIRC/153 (Corrigido)) [9]. A negociação desse acordo terá início no prazo de 180 dias contados da entrada em vigor do presente Tratado para esse Estado Parte. O acordo entrará em vigor o mais tardar 18 meses após a entrada em vigor do presente Tratado para esse Estado Parte. Cada Estado Parte manterá subsequentemente tais obrigações, sem prejuízo de quaisquer instrumentos relevantes adicionais que possam vir a ser adotados no futuro”.

O Artigo 4 trata de casos especiais de países que tiveram armas nucleares e os que ainda as possuem. O Brasil e a Argentina não se enquadram neste Artigo 4, mas no Artigo 2. Além disto, ambos já têm um Acordo de Salvaguardas do tipo abrangente com a AIEA que inclui, além dos dois países, a ABACC. Este Acordo submete todas as instalações e materiais dos dois países a inspeções da AIEA e da ABACC, que é a Agência Bilateral entre os dois países. Esse acordo Quadripartite (INFCIRC/435) é inspirado no INFCIRC/153 aplicando o mesmo sistema de salvaguardas, no qual as medidas do Protocolo Adicional não estão incluídas. O Modelo do Protocolo Adicional corresponde ao INFCIRC/540. A menção ao INFCIRC/153 visa justamente esclarecer que as salvaguardas exigidas dos países enquadrados no Artigo 2 são as anteriores ao Protocolo Adicional.

Já os países que se enquadram no Artigo 4, ou sejam os que tiveram armas nucleares e os que as possuem devem atender as exigências nele mencionadas como é descrito a seguir.

Artigo 4: Rumo à eliminação total das armas nucleares

  1. “Cada Estado Parte que, após 7 de julho de 2017, mantinha a propriedade, possuía ou controlava armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares e eliminou seu programa de armas nucleares, incluindo a eliminação ou a conversão irreversível de todas as instalações relacionadas com armas nucleares, antes da entrada em vigor deste Tratado deve cooperar com a autoridade internacional competente designada nos termos do parágrafo 6 deste artigo com o propósito de verificar a eliminação irreversível de seu programa de armas nucleares. A autoridade internacional competente deve dar essa informação aos demais Estados Parte. Tal Estado Parte deve concluir um acordo de salvaguardas com a Agência Internacional da Energia Atômica que seja suficiente para garantir de forma convincente que não há desvio de materiais nucleares declarados provenientes de atividades nucleares pacíficas e a ausência de material ou atividades nucleares não declaradas nesse Estado Parte como um todo. A negociação desse acordo terá início no prazo de 180 dias contados da entrada em vigor do presente Tratado para esse Estado Parte. O acordo entrará em vigor o mais tardar 18 meses após a entrada em vigor deste Tratado para esse Estado Parte. Esse Estado Parte manterá daqui para frente, no mínimo, essas obrigações de salvaguardas, sem prejuízo de quaisquer instrumentos relevantes adicionais que possam vir a ser adotados no futuro.
  2. Não obstante o disposto no Artigo 1 (a), cada Estado Parte que mantém a propriedade, possui ou controla armas nucleares ou outros dispositivos explosivos nucleares deve removê-los imediatamente do estado operacional e destruí-los o mais rápido possível mas não após, um prazo a ser determinado numa primeira reunião dos Estados Parte, de acordo com um plano limitado no tempo e vinculado legalmente para a verificação e eliminação irreversível do programa de armas nucleares do Estado Parte, incluindo a eliminação ou conversão irreversível de todas as instalações relacionadas a armas nucleares. O Estado Parte deve submeter o plano não mais do que 60 dias após a entrada em vigor deste Tratado aos Estados Parte ou a uma autoridade internacional competente designada pelos Estados Partes. O plano deve então ser negociado com a autoridade internacional competente, a qual deve submetê-lo à subsequente reunião dos Estados Parte ou a conferencia de revisão, a que primeiro ocorrer, para aprovação de acordo com as regras de procedimento.
  3. O Estado Parte ao qual se aplica o parágrafo 2 acima deve concluir um acordo de salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica suficiente para fornecer garantia credível do não desvio de material nuclear declarado de atividades nucleares pacíficas e da ausência de material ou atividades nucleares não declaradas em o Estado como um todo. A negociação desse acordo deve começar o mais tardar na data em que a implementação do plano referido no parágrafo 2 seja concluída. O acordo entrará em vigor o mais tardar 18 meses após a data de início das negociações. O Estado Parte manterá, no mínimo, essas obrigações de salvaguardas, sem prejuízo de quaisquer instrumentos relevantes adicionais que ela possa adotar no futuro. Após a entrada em vigor do acordo a que se refere este parágrafo, o Estado Parte apresentará ao Secretário Geral das Nações Unidas uma declaração final de que cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do presente artigo.”

O Artigo 4, talvez tenha contribuído para motivar a informação, publicada na mídia, de que o Brasil seria induzido a aderir ao Protocolo Adicional como consequência de obrigação por ter aderido ao TPAN, o qual requereria assinar um Acordo de Salvaguardas mais restritivo, mas esse parágrafo não se aplica nem ao Brasil e nem à Argentina.

  1. Consequências para o Brasil e Argentina

Para o Brasil e a Argentina, prevaleceriam o acordo vigentes, decorrentes do Acordo de Salvaguardas que adotaram, que são perfeitamente compatíveis com as exigências da INFCIRC 153 (14), como reconhece a própria AIEA e a comunidade internacional.

A rigor, a única implicação encontrada para nossos acordos de salvaguardas é que tanto os países que desistiram de suas armas nucleares como os países que as possuem e que vierem a aderir ao Tratado devem assinar com a AIEA um Acordo de Salvaguardas satisfazendo as condições expressas no Artigo 4, parágrafos 1 e 2: Tanto Brasil como Argentina se encontram fora desse Artigo, enquadrando-se no Artigo 2.

Já os Estados Parte que assinarem o Tratado e se enquadram no Artigo 4, de acordo com o parágrafo 1 devem concluir um acordo de salvaguardas com a Agencia Internacional de Energia Atômica capaz “de fornecer garantia verossímil do não desvio de material nuclear” e da “ausência de material ou atividades nucleares não declaradas no Estado como um todo”.

Esta é a linguagem usada para acordos que incluem as disposições do Protocolo Adicional (15). Isso poderia induzir a que todos os países deveriam se enquadrar neste modelo. Não parece, entretanto, existir nenhuma vinculação direta com o caso de nossos países que têm, ademais, uma proteção adicional que são as inspeções cruzadas entre Argentina e Brasil que vem sendo consideradas, como o fez, o Nuclear Suppliers Group – NSG como sucedâneo (ao menos provisório) à assinatura do Protocolo Adicional.

Como conclusão, não se pode dizer que o Tratado de Proibição de Armas Nucleares obrigue o País a aderir ao Protocolo Adicional. Ele, no entanto, fortalece a noção que o modelo INFCIRC 153 + 540 seja o padrão de Acordo de Salvaguardas desejado pela AIEA. No caso do presente Tratado, se por algum acontecimento não esperado, os países armados aderissem ao Tratado de Proibição das Armas Nucleares e, por consequência, ao Protocolo Adicional, o Brasil certamente não teria dificuldade de também aderir a ele porque haveria cessado o motivo de negar sua adesão. Entretanto, parece muito pouco provável que os países armados, ou que compartilham armas, praticamente todos os países da Europa e todos os países da OTAN, aprovem esse Tratado e o assinem.

Do ponto de vista moral, o Tratado é altamente positivo já que consagra, por uma grande maioria de países, a adesão ao banimento de armas nucleares.

Do ponto de vista prático ele é, na atual perspectiva, mais uma iniciativa de “desarmar os desarmados” já que nenhum país que possui ou compartilha armas nucleares ou que é protegido pelos chamados “guarda-chuva nucleares”, aprovou, assinou e/ou ratificou o Tratado.

Além disto, como foi dito acima, na lista das maiores economias, só Brasil e Indonésia aderiram ao tratado. Mesmo a Austrália, normalmente incluída nos “anjos brancos” da não proliferação não votou a favor do Tratado.

Não parece haver prejuízo concreto à posição assumida pelo País de não aderir a novas obrigações em não proliferação sem um efetivo movimento de desarmamento dos países possuidores de armas nucleares. A renúncia à possibilidade de associar-se a outros países, no caso de uma ameaça nuclear real, não parece importante no quadro atual da região. Como já foi dito acima, a renúncia à defesa através de terceiros já existe no Tratado de Tlatelolco. A diferença é que naquele tratado há fortes cláusulas de não agressão por parte dos países nuclearmente armados que, se rompidas, justificariam a saída do Tratado de países não nucleares. Não existe nada correspondente no Tratado de Proibição de Armas Nucleares.

Bibliografia

  1. United Nations. Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons. General Assembly. [Online] 2017 йил 07-July.
  2. IAEA – International Atomic Energy Agency . INFICIRC 540. Model Protocol Additional to the Agreement(s) between States and IAEA for the application of Safeguards. [Online] September 1997.
  3. Agency, IAEA – International Atomic Energy. Quadripartite Agreement. Agreemente between Argentina, Brazil, ABACC, IAEA on Safeguards. [Online] dec 13, 1991.
  4. Decreto Presidencial. Planalto. DEC 6.703/2008 (DECRETO DO EXECUTIVO) 18/12/2008. [Online] 12 19, 2008.
  5. United Nations. UN conference adopts treaty banning nuclear weapons. UN News Centre. [Online] july 7, 2017. http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=57139#.WhLEsY9Sxdg.
  6. Guimarães, Leonam. ONU aprova Tratado de Proibição de Armas Nucleares. Defesanet. [Online] julho 08, 2017. http://www.defesanet.com.br/nuclear/noticia/26354/LEONAM.
  7. US Mission to the UN . United State Mission to the Umited Nation. Joint Press Statement from the Permanent Representatives to the United Nations of the United States, United Kingdom, and France Following the Adoption of a Treaty Banning Nuclear Weapons. [Online] July 07, 2017. https://usun.state.gov/remarks/7892.
  8. World Bank. The World Bank Data. World Development Indicators – WDI. [Online] September 15, 2017. https://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators.
  9. Organização das Nações Unidas – ONU. ONUBR. Chefes de Estado assinam tratado sobre armas nucleares na sede da ONU. [Online] setembro 20, 2017. https://nacoesunidas.org/chefes-de-estado-assinam-tratado-sobre-armas-nucleares-na-sede-da-onu/.
  10. OPANAL. Agency for the Prohibition of Nuclear Weapons in Latin America and the Caribean. Treaty for the Prohibition of Nuclear Weapons in Latin America and the Caribbean. [Online] http://www.opanal.org/en/text-of-the-treaty-of-tlatelolco/.
  11. Governos do Brasil e Argentina. Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina para Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear . ABACC = Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares . [Online] dezembro 12, 1991. https://www.abacc.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Acordo-Bilateral-original-portugu%C3%AAs.pdf.
  12. United Nations. Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons (NPT). UN Office for Disarmament Affairs. [Online] July 1, 1968. https://www.un.org/disarmament/wmd/nuclear/npt/text/.
  13. Amorim, Paulo Henrique. Temer entregou na ONU nossa tecnologia nuclear! Conversa Afiada. [Online]
  14. Internacional Atomic Energy Agency. INFCIR53 (CORRECTED). The Structure and Content or Agreements Between the Agency and States Required in Connection with the Treaty on the Non-Prolifertion of Nuclear Weapons. [Online] June 1972. http://www.vertic.org/media/assets/nim_docs/Treaty/nuclear/INFCIRC-153%20(en).pdf.
  15. International Atomic Energy Agency – IAEA. INFCIRC 540. Model Protocol Additional Agreement Between State(s) and IAEA for the Application os Safeguards. [Online] September 1997. https://www.iaea.org/sites/default/files/infcirc540.pdf.

Nota Final da Redação:

 TNP X TPAN

O artigo sobre o Tratado de Proibição de Armas Nucleares – TPAN mostrou que os compromissos nele assumidos pelos Estados Membros é superior aos assumidos pelos países ditos “Não Nucleares” no Tratado de Não Proliferação – TNP. O compromisso de acordo de salvaguardas com a AIEA é equivalente ao do TNP.

A vantagem do TNP sobre o TPAN para os países não nucleares é de que existe no TNP um compromisso com o desarmamento expresso no Artigo VI:

“Each of the Parties to the Treaty undertakes to pursue negotiations in good faith on effective measures relating to cessation of the nuclear arms race at an early date and to nuclear disarmament, and on a treaty on general and complete disarmament under strict and effective international control.”

Na situação atual, anterior à vigência do TPAN, é praticamente o consenso que muito pouco foi feito no sentido do desarmamento e em “um tratado do geral e completo desarmamento sob o estrito e efetivo controle internacional”.

Algo foi feito no sentido de conter a corrida armamentista nuclear, como a proibição ou interrupção de testes pelos países nuclearmente armados do TNP. Tratados do tipo START, entre as duas maiores potências, chegaram a limitar o arsenal.

Nada impediu as explosões “demonstrativas” dos novos candidatos ao clube dos nuclearmente armados. Hoje, a realidade é o Programa de Modernização das Armas Nucleares lançado pelo Presidente Obama, com um custo estimado de 1 trilhão de dólares[1] e que o Presidente Trump “twitou”[2] já ter feito. Bravatas à parte, existe um programa nos EUA de 400 bilhões de dólares para os próximos dez anos e 1,2 trilhão nos próximos 30 anos.

Sem exibir um programa grandioso e explícito como o americano, a Rússia, ao mesmo tempo que denuncia os avanços americanos como violação do tratado bilateral firmados, vem também trabalhando na modernização de seu arsenal[3]. A notícia inquietante, em ambos os países, é que boa parte dos esforços estão concentrados em armas táticas (de pequeno porte) apropriadas justamente a ações “limitadas” e possivelmente dirigidas contra países não nuclearmente armados ou até contra organizações atuando em territórios de outros países.

A evolução desse quadro pode levar a um resultado que talvez seja o temor não explícito do comunicado conjunto liderado pela missão norte-americana na ONU, por ocasião da discussão do TPAN que vê nele uma ameaça à “política de dissuasão nuclear, que tem sido essencial para manter a paz no mundo”:

O suposto resultado seria que, considerando que os compromissos do TPAN são equivalentes ou superiores aos do TNP, os países não nucleares do TNP talvez optem, no futuro, a ficar só no TPAN. O mundo poderia tender para países direta ou indiretamente com amas nucleares, signatários do TNP e os não nuclearmente armados, signatários do TPAN. Ou seja, o TPAN reduziria os obstáculos de abandonar o TNP. Essa possibilidade poderia funcionar, no futuro, como instrumento para forçar os nuclearmente armados a progredirem na realização do Artigo VI do TNP.

[1] https://www.defensenews.com/breaking-news/2017/10/31/americas-nuclear-weapons-will-cost-12-trillion-over-the-next-30-years/

[2] https://www.vox.com/world/2017/8/9/16118242/trump-nuclear-weapons-tweets-modernization

[3] https://thebulletin.org/2017/march/russian-nuclear-forces-201710568

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Comentários do Embaixador Sergio Duarte:

Sobre o Embaixador Sergio de Queiroz Duarte

Caros Carlos e Leonam,

Obrigado por seu interessante e oportuno artigo sobre o Tratado de Proibição de Armas Nucleares e sobre as posições que o Brasil tem assumido no tratamento desses temas. Concordo em que é importante promover o debate público sobre o assunto.

Aqui vão algumas reflexões a respeito:

Como sabemos, o Brasil foi um dos seis países que impulsionaram as resoluções da Assembleia Geral que possibilitaram a negociação do Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPAN), adotado em 7 de julho último por 122 países. Sob a alegação de que esse Tratado ignora a realidade do ambiente de segurança internacional, é incompatível com a política de dissuasão nuclear e além disso  solapa o regime de não proliferação instituído pelo Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), os países possuidores de armamento nuclear condenaram veementemente a negociação e adoção daquele instrumento e passaram a fazer todos os esforços para evitar a adesão de grande número de países. Da mesma forma, continuam a propor e apoiar, em instâncias internacionais, a expansão das medidas restritivas ao desenvolvimento da tecnologia nuclear aplicáveis àqueles que não possuem tais armas.

O texto do TPAN deixa claro, principalmente no Preâmbulo e no Artigo 18, que não existe incompatibilidade entre suas disposições e as de outros instrumentos, inclusive e principalmente o TNP.  A finalidade do novo instrumento é justamente proporcionar aos atuais possuidores um caminho realista para a realização do compromisso assumido no artigo VI do TNP de “entabular, de boa fé, negociações sobre medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o desarmamento nuclear”.  

Desde a entrada em vigor do TNP há 48 anos atrás os possuidores de armas nucleares não têm honrado esse compromisso. Ao contrário, parecem partir do pressuposto de que o TNP é na verdade um instrumento legitimador  do que consideram seu direito de possuir e manter seus próprios e exclusivos arsenais atômicos.  Na verdade, nos dias atuais o mundo assiste a um verdadeiro e assustador recrudescimento da corrida armamentista nuclear, já não em quantidade mas em sofisticação tecnológica, em um esforço eufemisticamente chamado “modernização”, sem falar no desenvolvimento de novas técnicas de guerra cibernética e de aplicações bélicas da nanotecnologia e da inteligência artificial.

O Brasil se tornou Parte do TNP em 1998, após um longo período de hesitação devido em grande parte ao caráter discriminatório do instrumento e à insuficiência dos dispositivos sobre o desarmamento nuclear. Muito antes, em 1967, já havia renunciado à aquisição de armas nucleares em virtude do Tratado de Tlatelolco e posteriormente aceitou compromissos juridicamente vinculantes que o impedem de realizar explosões nucleares com finalidades pacíficas ou de caráter experimental (como o acordo bilateral Brasil-Argentina e os tratados de proibição de ensaios nucleares – respectivamente PTBT, de 1963, e CTBT, de 1996, na sigla em inglês). O TPAN, por sua vez, reafirma e reforça as proibições já aceitas pelo Brasil por força daqueles instrumentos, conforme assinalado na parte final de seu artigo. Não há, portanto, incompatibilidade entre qualquer deles e o Tratado de Proibição de Armas Nucleares. Tampouco existe qualquer incompatibilidade com os demais compromissos bilaterais firmados há mais de 25 anos entre o Brasil e a Argentina no campo nuclear.

A Estratégia Nacional de Defesa sedimentou a posição brasileira de não aceitar medidas restritivas adicionais ao TNP (grifo meu) sem que as potências nucleares tenham avançado, de forma significativa, na direção de seu próprio desarmamento nuclear. Como o TPAN não contém nenhuma medida que amplie as restrições contidas no TNP,  é evidente que não contraria essa determinação da Estratégia Nacional de Defesa.

Até o momento, 56 países assinaram e 6 ratificaram o TPAN. São necessárias 50 ratificações para que o Tratado possa entrar em vigor.  Ainda que a feroz campanha negativa empreendida pelos possuidores de armas nucleares retarde a plena vigência do TPAN, sua simples existência já constitui um poderoso elemento de pressão contra a permanência dessas armas. O TPAN representa o repúdio da maioria da comunidade internacional ao armamento nuclear – última categoria de arma de destruição em massa ainda não proibida por tratados multilaterais.

De uma maneira ou de outra, a comunidade internacional terá de encontrar formas de viabilizar a convergência entre as normas contidas no TPAN e no TNP. O exemplo e liderança brasileira no campo do desarmamento nuclear multilateral são importantes para a consolidação desse novo e essencial instrumento na busca do resultado desejado. Por isso, é  importante que o Brasil acelere a tramitação legislativa de sua ratificação e procure utilizar sua capacidade de influência para convencer outros países a fazê-lo também.    

Abraços cordiais,
Sergio