Academia Brasileira de Ciências condecora Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva

Resumo

O texto destaca a biografia e contribuições de Othon Luiz Pinheiro da Silva, Vice-Almirante da Marinha R1 e engenheiro reconhecido por seu trabalho significativo na ciência, tecnologia e inovação no Brasil, especialmente na área nuclear. Formado em engenharia naval e nuclear, Othon projetou navios e submarinos e liderou o desenvolvimento do ciclo de combustível nuclear brasileiro. Recebeu o título de Master in Science pelo MIT e elaborou relatórios fundamentais que moldaram a política nuclear brasileira. Sua carreira incluiu também a presidência da Eletronuclear, onde melhorou a eficiência da Central de Angra. Em reconhecimento a seu trabalho, a Academia Brasileira de Ciências concedeu-lhe a Medalha Henrique Morize. O texto também menciona desafios políticos e técnicos enfrentados, como resistências internacionais ao repasse de tecnologias nucleares críticas, e suas contribuições para a autossuficiência do Brasil em tecnologia nuclear, culminando na fabricação de centrífugas avançadas e na construção de um reator inteiramente brasileiro.

Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva

Em 22 de Agosto deste ano de 2024 a Diretoria da Academia Brasileira de Ciências – ABC decidiu, por unanimidade conceder ao Vice-Almirante e Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva a Medalha Henrique Morize “em reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados à Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, especialmente no campo da energia nuclear”.

A carta da Presidente Helena Bonciani Nader é dirigida ao Engenheiro Othon, como ele mesmo prefere ser chamado em suas atividades civis. É  esse aspecto de sua profícua atividade que preferimos destacar aqui. 

Nascimento: 1939 em Sumidouro – RJ

Graduação: Escola Naval 1960

Vice-Almirante R 1do Corpo de Engenharia da Marinha

Engenharia Naval: Formado em Engenharia Naval pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em dezembro de 1966,
A partir de 1967 até 1990

  • Coordenou a construção dos dois navios de Patrulha Fluvial Pedro Teixeira e Raposo Tavares e as Fragatas Independência e União;
  • Projetou os 3 navios de Instrução de Manobras da Classe Aspirante Nascimento para a Escola Naval;
  • Liderou, em 1990, o Projeto de Concepção do Estaleiro de Construção de Submarinos da Marinha em Itaguaí Rio de Janeiro.

Engenharia Nuclear :

  • Em dezembro de 1977, recebe o título de Master in Science e Nuclear Engineers Degree no MIT- Massachusetts Institute of Technology tendo apresentado tese classificada naquela instituição no nível de Doutorado
  • Em 1978, elaborou o relatório que serviu como base para o Programa de Desenvolvimento da Propulsão Nuclear para Submarinos e do Ciclo do Combustível Nuclear genuinamente brasileiro usando usinas de enriquecimento com ultracentrífugas projetadas e fabricadas no Brasil por brasileiros sendo autor do Projeto de Concepção e Coordenador do processo de Industrialização
  • A partir de 1979 até 1994 passou a trabalhar no projeto, da Marinha coordenando a Comissão de Projetos Especiais (COPESP) a partir da qual concebeu e coordenou a construção do  Centro de Tecnologia da Marinha em São Paulo (CTMSP) e a construção do Centro Experimental ARAMAR para instalação das Usinas de Demonstração Industrial do Ciclo de Combustível Nuclear e para a Instalação de Protótipo de Terra da Instalação de Propulsão Nuclear para Submarinos
  • Entre 1982 e 1994, acumulou a função de Diretor de Pesquisas de Reatores do Instituto de Pesquisas de Reatores do IPEN – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, em cuja gestão foi projetado e construído o Reator Nuclear de Pesquisas IPEN-MB 01, único reator de pesquisas inteiramente projetado e construído no Brasil; Coordenou a modernização do Reator de Pesquisas IEA-R1 melhorando a segurança e aumentando a potência de 2 para cinco Megawatts para aumentar a produção de radioisótopos no país.

Engenharia Mecânica: Master in Science no MIT – Massachusetts Institute of Technology em 1977.

De 1995 a 2005, em sua empresa  de consultoria ARATEC, na área de engenharia,  Othon dedicou-se a uma série de projetos de consultoria para entidades públicas e privadas a maioria deles não vinculados à energia nuclear. Não se furtou a manifestar, no exercício de cidadania, sua opinião, algumas vezes polêmicas, sobre assuntos energéticos, navais e nucleares. Também desenvolveu e patenteou uma turbina de geração hidroelétrica construiu um protótipo obtendo o apoio de empresários para esse empreendimento.

Sob demanda do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) efetuou uma avaliação do ponto de vista técnico e econômico sobre o reator da KWU alemã, do tipo Angra 2 bastante positiva. Também defendia a necessidade da energia nuclear na Matriz Energética Brasileira o que interessou a empresas de engenharia brasileira, com interesse na retomada da construção de Angra 3.

Por seu prestígio na área nuclear e sua posição favorável a expansão da energia nuclear ele foi escolhido para Diretor Presidente da Eletronuclear e permaneceu à frente da estatal de 2005 a 2015. Em sua gestão houve uma sensível melhora no desempenho da Central de Angra que passou a ter um dos melhores desempenhos no nível mundial, em termos médios, a produção de energia elétrica passou de 68% para 89% da capacidade teórica ao ano. 

Problemas persistentes como o depositório para rejeitos de alta atividade foram equacionados do ponto de vista conceitual. A cooperação com as universidades e outras instituições de pesquisa foram incentivadas em sua gestão que também reativou a construção de Angra 3 infelizmente interrompida por sua saída.

A concessão da Medalha Henrique Morize é muito oportuna pelo reconhecimento da importância  do engenheiro e almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva para a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. É um passo importante no resgate de seu valor como o  grande brasileiro que é.

Relembrando a frase de desejo e esperança atribuída a Tiradentes:
Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação
O engenheira  e almirante Othon quis e fez.

Participação no Programa Autônomo de Energia Nuclear

No projeto, inicialmente secreto, que buscava o domínio do ciclo de combustível e, desta forma, criar bases para a construção de um submarino nuclear, surgiram as maiores conquistas alcançadas no Brasil na área nuclear. Elas são o principal motivo da homenagem que o engenheiro Othon recebe hoje da ABC.

Vale lembrar que, em 1975, o Governo Geisel firmara um ambicioso programa nuclear com a Alemanha cujo objetivo principal era alcançar autonomia na geração de Energia Nuclear, incluindo o domínio do ciclo de combustível e a construção de 8 reatores de potência para a geração de energia elétrica de origem nuclear. Já na época, criticava-se a projeção de demanda elétrica que justificaria a aquisição das centrais previstas como exagerada. Este seria, entretanto o preço que se pagaria pelo domínio completo do ciclo de combustível que incluía enriquecimento e reprocessamento. Nenhum desses avanços foram alcançados já que o primeiro dependia de uma tecnologia não testada, quanto ao segundo, houve muitas objeções externas e internas e praticamente nada foi feito, nem no nível laboratorial.

O principal ganho tecnológico que o Brasil esperava do Acordo Nuclear com a Alemanha era obter o processo de enriquecimento de urânio utilizado nas ultracentrífugas da URENCO, consórcio europeu com a participação da Alemanha, Países Baixos e Reino Unido. Essa transferência de tecnologia das ultracentrífugas foi vetada pelos Países Baixos, tendo sido oferecida ao Brasil a tecnologia alternativa do jetnozzle ainda em desenvolvimento pela Alemanha e implicava grandes gastos de energia.

Mesmo sujeita a salvaguardas inéditas que além de materiais e equipamentos, incluía o uso, em outras atividades, das chamadas  “informações técnicas relevantes” que representavam o próprio conhecimento transmitido, os EUA pressionaram fortemente o governo alemão e o brasileiro contra o Acordo entre os dois países. Chegaram a romper o contrato feito para o reator de Angra 1 de fabricação Westinghouse que incluía a obrigação dos EUA fornecessem o combustível do reator por 30 anos. Essa dupla negativa fez parte da pressão política do Governo Carter que foi contornada com a compra de elementos combustíveis fornecidos pelos alemães. Estes elementos combustíveis apresentaram defeitos graves obrigaram uma redução na energia gerada e sua substituição prematura.

Foi a frustração com o não repasse de tecnologia prometida para o enriquecimento e a recusa prática de fornecimento da tecnologia de reprocessamento que criou um movimento contra as restrições estadunidenses e levou ao Governo Figueiredo a deflagrar o programa “paralelo” com atividades nas três forças militares.

O Brasil lançou-se em iniciativas, coordenadas por Rex Nazaré na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), no sentido de encontrar um caminho autônomo para o desenvolvimento nuclear. O Exército ficou encarregado do reator  moderado a grafite que poderia vir a fornecer plutônio, com combustível de urânio natural metálico e refrigerado a ar, a Aeronáutica  investiu no enriquecimento por laser. A Marinha se propôs a completar o desenvolvimento do ciclo de combustível acrescentando a etapa mais difícil de enriquecer o urânio, também alcançou a construção do primeiro reator inteiramente concebido e fabricado no Brasil e lançou as bases para a construção do submarino nuclear.

Foi nesse cenário, que a partir de um estudo inicial de três meses, encomendado ao jovem oficial Othon, foi lançada a ideia de buscar a construção de um submarino convencionalmente armado com propulsão nuclear e a independência no ciclo de combustível. A Marinha praticamente não se dedicava ainda à energia nuclear, mas a Aeronáutica sim, havendo um esforço coordenado pelo Coronel José Albano Alberto do Amarante para o enriquecimento usando laser. Esse brilhante cientista, prestou ajuda ao programa da Marinha e veio a falecer prematuramente vítima de uma leucemia galopante.

Com a redemocratização do País, e a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 e a adesão a acordos internacionais que reafirmaram os usos unicamente pacíficos da energia nuclear e a renúncia às explosões nucleares ditas pacíficas, foram revistas algumas das iniciativas em curso na área nuclear. Como resultado, o Exército e a Aeronáutica optaram por interromper seus programas

 A abertura política e as inspeções decorrentes dos acordos internacionais demonstraram, no entanto, que o Brasil nunca ultrapassara os  limites definidos pela Constituição e os acordos de uso exclusivamente pacíficos da energia nuclear nem contribuira para a proliferação nuclear em outros países.

O Enriquecimento do Urânio

O Programa Nuclear Brasileiro passou por uma análise profunda tanto no âmbito do Congresso, no do Executivo como da chamada Comissão Vargas, com participação de vários membros da ABC. No programa da Marinha, não  foi necessária nenhuma correção de rumo já que eles sempre estiveram de acordo com os compromissos à época vigentes e aqueles que o Brasil veio a assumir na própria Constituição e em acordos regionais e internacionais.

A aquisição da capacidade de enriquecer o urânio e o domínio de todo o ciclo de combustível provocou uma mudança de  status do Brasil que é hoje considerado um país nuclearmente maduro e com compromisso firme com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear. Ou seja, o Brasil é considerado um país capaz de fabricar seus elementos combustíveis, inclusive os que iriam serão necessários para a construção do reator do submarino nuclear, e com capacidade de construir o próprio reator.  

O Brasil, logo após a Segunda Guerra Mundial, já havia, através do Almirante Álvaro Alberto, tentado adquirir a tecnologia de centrífugas mediante a importação de três unidades alemãs. A remessa dessas centrífugas foram proibidas pelas autoridades ocidentais de ocupação da Alemanha no Pós-Guerra. Afinal, elas foram remetidas para o Brasil e usadas na separação de argônio e até  escaparam da destruição requeridas por agentes externos  ao serem emparedadas no IPT, até que o próprio Othon as resgatou para treinamento e estudo  de sua equipe. Na verdade, elas não eram adequadas para enriquecer urânio em quantidades significativas, mas acabaram sendo úteis para fins didáticos.

A conquista do enriquecimento isotópico do urânio foi resultado de um dos projetos mais bem sucedidos e resultou na verdadeira independência do País na área nuclear. Tudo isto foi realizado em um quadro econômico difícil do início do Governo Figueiredo, na crise de 1979.  Mesmo em um processo de restrição orçamentária que impedia novas contratações, um novo Centro de Pesquisas foi constituído sendo que os recursos vieram de verba secreta.  Um processo de contratação de jovens promissores pelo Governo de São Paulo para trabalhar no projeto necessitou contar com uma improvável aliança que reuniu o Governador Montoro de São Paulo, do partido de oposição (MDB), e o último presidente do regime militar, o general Figueiredo.

Naquela época, o IPEN tinha uma tripla dependência que envolvia o Estado de São Paulo, o Governo Federal via CNEN e a Universidade de São Paulo. O IPEN era o mais importante dos instituto vinculados à CNEN e o único a não ser absorvido pela toda poderosa, à época, Nuclebras justamente por essa tripla dependência.

As peripécias que envolveram esta improvável aliança mostraram uma habilidade na condução do projeto que demonstram a grande capacidade de captar simpatizantes e colaboradores do engenheiro Othon. A esta jovem safra de colaboradores foi oferecida um grau de liberdade muito difícil de ser alcançada em uma instituição militar. Também é extensa a lista de colaboradores mais experientes, principalmente do IPEN, mas que incluiu pessoal de vários departamentos de universidades que adotaram com entusiasmo a possibilidade de concretizar projetos desafiadores que foram abraçados com grande entusiasmo e sem nenhum vazamento de informações por parte dos pesquisadores.

O caso do professor Alcídio Abraão é emblemático porque ele já trazia uma extensa bagagem tendo se dedicado ao estudo para obtenção e purificação de tório, urânio e terras raras. Ele mesmo relatou ao jornal Órbita Ipen, em 2003 sobre o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear.

“Tudo começou pequeno e depois foi crescendo. Projetamos e construímos unidades para a produção de diversos compostos de urânio, necessários para o processo de enriquecimento isotópico. Fomos pioneiros no Brasil a desenvolver a complexa tecnologia do flúor, uma condição necessária para conseguirmos a tecnologia de fabricação do hexafluoreto de urânio. Repassamos todo esse conhecimento, essencial para o enriquecimento do urânio, para a Marinha. Geramos várias patentes. Pode-se escrever um belo livro sobre a história do desenvolvimento científico e tecnológico feito no Ipen. Uma verdadeira epopeia.”

No Brasil houve, na parte do enriquecimento, um confronto vital entre duas visões na abordagem de um problema em um país ainda em desenvolvimento. A tradicional, de recorrer ao conhecimento externo considerado superior. Uma outra abordagem é a da “engenharia reversa” para reproduzir um processo  já tradicional como seria o caso do  dispendioso processo de difusão gasosa (como tentava a Argentina naquele momento).

A outra abordagem, adotada pelo engenheiro Othon, foi a de reunir as melhores capacidades existentes no país para tentar uma solução de ponta. Nesse caso, se trata de tentar competir com a tecnologia mais avançada existente na época que era a ultracentrifugação com suspensão magnética e, se possível, aperfeiçoá-la.

O engenheiro Othon conta de onde retirou o conceito das centrífugas que foram construídas no Brasil.

“As nossas ultracentrífugas foram resultado de uma palestra de segunda feira à tarde no MIT feita por um Engenheiro da Empresa Martin Marietta e eu achei que era espetacular demais e se simplificada daria certa . Na palestra um estudante inteligente perguntou como eles iriam fabricar os mancais com pivô ele respondeu que o assunto era muito classificado e que eles usariam mancais especiais que haviam sido desenvolvidos no Drapper Lab para a NASA . Um mês depois na revista do Drapper Lab ( que pertencia ao MIT) li que eles haviam desenvolvido mancais magnéticos ativos para a NASA . Essa foi a pista que eu resolvi percorrer e deu certo. Vale dizer que a URENCO usa mancais magnéticos passivos na parte superior e o pivô na parte inferior usando óleo fomblim saturado com flúor para resistir aos resíduos de flúor no hexafluoreto de urânio!”

Em outro relato ele se refere a produção das primeiras centrífugas que usavam como material o aço maraging. O material inicial foi repassado para ele pelo Coronel Amarante da Aeronáutica que trabalhava com o enriquecimento a laser . Othon também conta os obstáculos para poder usinar esse material e as dificuldades de obter a máquina para usiná-lo. Sempre que possível, ele buscava no mercado local alguma empresa capaz de fornecer o material requerido e quem poderia repassar para a empresa a tecnologia necessária:

“Posteriormente a Eletro Etal, em Campinas, passou a produzir Maraging (liga ferro titânio) com ajuda do Grupo de Engenharia de Materiais formado pelo saudoso Professor Sérgio Mascarenhas na Federal de Engenharia de São Carlos.”

Em continuação, ele revela outro importante avanço tecnológico para as centrífugas;

“Mesmo evoluindo para cilindros de fibra de carbono usando resina resistente a flúor, as ultracentrífugas usam algumas peças de Maraging, liga muito sofisticada!!”

A adoção das fibras de carbono na fabricação de centrífugas foi outra conquista extraordinária nesse processo. Isto fez que as centrífugas usadas na unidade de enriquecimento que agora funcionam na Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) sejam comercialmente competitivas com as mais avançadas do mundo.

A saída do engenheiro Othon do se deu por ocasião de sua aposentadoria, ele chegou a ser aprovado em concurso no IPEN, mas  o projeto do submarino nuclear havia perdido prioridade dentro e fora da Marinha. Felizmente essa prioridade foi recuperada mais adiante. Honra seja feita, o projeto foi salvo por sua qualidade e pela saudável inércia institucional que impede atitudes extremas nas organizações e que propiciou ao CTMSP sobreviver.

Isto não impediu uma lamentável quebra de continuidade. Quantos avanços poderiam ter sido alcançados nos dez anos que passou como consultor, nos dez anos que passou na presidência da Eletronuclear. É certo que isto possibilitou a outros setores desfrutarem de sua competência. Nada, porém, poderá compensar  os lamentáveis últimos dez anos que amargou entre acusações inconsistentes, prisão sem condenação, penas arbitrárias e desprezo de parcela da sociedade. Temos que agradecer a Academia Brasileira de Ciências por demonstrar a ele o reconhecimento de seu mérito.

Carlos Feu Alvim 12/12/24

Ver ainda: Número especial da E&E 112 sobre o almirante Othon

Aplicando a “Metodologia Marchetti”

ajuste logístico da curva integral das publicações

Artigo:

Aplicando a “Metodologia Marchetti” a publicações de Cesare Marchetti

Carlos Feu Alvim

Resumo:

A metodologia de Cesare Marchetti de ajuste de dados históricos, envolvendo uma variada gama de variáveis, por uma curva logística para projetar seu comportamento é descrita aqui tomando como dados os artigos publicados por ele ao longo de sua vida.

O tratamento dos dados é descrito de uma forma didática com objetivo de ajudar a difundir a metodologia. Um cuidado especial é dedicado para a definição do valor máximo a ser alcançado pela variável estudada comumente denominado “nicho”, sendo apresentada uma técnica simples de determinar esta variável crucial dentro da metodologia adotada.

Palavras chave:

Cesare Marchetti, C. Marchetti, logística, ajuste de dados, publicações, análise de sistemas, determinação do nicho

A Metodologia

Buscando prestar uma homenagem a C. Marchetti e difundir sua metodologia, expomos aqui, de uma forma didática, como tratamos a evolução numérica de suas próprias publicações. Ele já havia feito isto com publicações de outros autores e obras de artistas famosos. A lista de publicações do físico italiano, está disponível no portal Cesare Marchetti [1].

Na Figura 1, está representado o número anual de publicações de C. Marchetti de 1952 a 2007. Ele publicou alguns artigos logo após sua graduação em Pisa (1948), enquanto era pesquisador no Centro Informazioni Studi Esperienze – CISE, em Milão 1950-1955.

Nos anos seguintes, ele esteve trabalhando em laboratórios de empresas industriais ou em áreas como a nuclear onde a divulgação pública de informações é restrita. Certamente era o caso de seus estudos sobre a produção de água pesada, considerada como tecnologia sensível.

O número de publicações por ano, (Figura 1), está também representado, na forma cumulativa, na Figura 2. O gráfico dessa figura tem  a forma conhecida da curva logística.

Gráfico das publicações anuais de C. Marchetti
Figura 1: Publicações anuais de Cesare Marchetti
Figura das publicações de C. Marchetti na forma cumulativa
Figura 2: Publicações de Cesare Marchetti, acumuladas até o ano

Nossa análise se concentra no período a partir de 1969 que marca o mais importante ciclo de publicação do autor. Foi a partir de sua vinculação ao International Institute for Applied Systems Analysis – IIASA, em Viena, Áustria, em 1974, que sua produção de artigos se tornou mais intensa.

Equações usadas

O tipo de curva logística, mostrado na Figura 1, toma por base a equação diferencial.

dN/dt = c.N.(N*-N)      [1]

No caso, dN representa o acréscimo de publicações no espaço de tempo dt tomado aqui como um ano ( dt =1 ano). No exemplo, c é uma constante, N o número acumulado de publicações e N* é o número total das publicações do autor.

Ou seja, o número de publicações, ao longo do tempo, é proporcional ao número das já publicadas (N) e ao número das publicações que falta publicar (N*-N). Assim, a equação tem um termo crescente e outro decrescente.

Isto significa que um autor que já publicou N artigos tem probabilidade maior de publicar novas obras que um que, na mesma fase da vida, publicou um número menor. Este fator crescente é compensado por um fator decrescente que é o número das que faltam publicar. Isso resulta, na prática, em uma função que cresce nos primeiros anos e decresce nos últimos anos, passando por um máximo que coincide com o ano em que completa a metade do total N*.

Se quisermos usar a metodologia para fazer previsões temos uma aparente incoerência já que um dado futuro (N*) é utilizado nessa previsão. A resposta vem da regularidade das curvas que descrevem a trajetória de publicações tanto para casos similares ao que estamos abordando como para outros fenômenos que apresentam uma dinâmica semelhante. No presente caso, com o autor já falecido, a precisão do método já pode ser testada praticamente para todas, ou quase todas, as publicações.

Em todo o caso, como a última publicação registrada foi de 2007, ainda consideramos como se o número total não estivesse fechado e fazemos projeções para o total que não são muito diferentes entre si e tampouco diferem muito do número registrado na lista usada, de 208 publicações.

A equação que representa uma logística decorre da equação diferencial (1) expressa por

N(t) = N* / [1+ Exp (- (a.t +b))]   [2]

onde a e b são constantes do ajuste.

O ajuste dos dados de publicações ao longo dos anos é feito usando a representação de Fisher-Pry que lineariza a equação

Log [F / (1-F)] = at + b           [3] onde F = N/N*.

Observação: Para facilidade da representação gráfica utilizamos Log10 (logaritmo na base 10) ao invés do LN (logaritmo natural). Isto facilita a correspondência com a escala linear. Naturalmente, na equação [2] deve-se usar, ao invés de exponencial, a potência com base 10.

Ferramentas para a projeção

A principal ferramenta utilizada é a representação dos dados usando a transformada Fisher-Pry para obter as constantes da reta. Esta representação é feita na Figura 3 onde pode-se observar que são mostrados, no eixo vertical, a dupla escala em Log10 (F/(1-F) e o valor de F expresso em percentual.

Ajuste com a escala de Fisher-Pray dos dados cumulativos
Figura 3: Ajuste de curva logística na notação Fisher-Pray que lineariza a curva, são mostrados os parâmetros da curva, o valor esperado para o total das publicações e o tempo Δt de passar de 10% para 90% das publicações de 24 anos.

Como pode ser visto na Figura 3 e nos parâmetros relativos ao ajuste, a concordância é muito boa com índice de desvios quadrados R2 = 0,995.

gráfico da curva logística diferencial e seu ajuste logístico

ajuste logístico da curva integral das publicações
Figura 4: Valores reais e ajuste por equações logísticas do número de publicações de C. Marchetti, anual (acima) e acumulado (abaixo)

O intervalo de tempo em que o autor levou para passar de 10% de suas publicações para 90% foi de 24 anos, o número total de publicações estimado no ajuste por mínimos quadrados foi de 212, as registradas até o ano de 2007 eram de 208 publicações.

A Figura 4 mostra, em escala linear, a comparação da curva logística em “esse” com o valor acumulado do número de publicações. Também mostramos a curva diferencial, na forma de “sino”, comparada com os valores anuais. Ambas as curvas ajustadas apresentam boa aderência aos dados reais.

As figuras anteriores foram expressas ao longo do tempo (em anos). Na equação diferencial [1] temos o valor das publicações anuais (dN/dt) apenas dependente de N e de duas constantes N* e c.

Podemos apresentar os dados em um gráfico cujo eixo horizontal representa o número N de publicações acumuladas e o eixo vertical representa os valores anuais de publicação (dN/dt). Esta representação fornece informações úteis para a determinação do valor total de publicações ao longo da vida do pesquisador.

A Figura 5 mostra os valores do número de publicações a cada ano. Para eludir as variações anuais muito rápidas os valores de N são representados por uma média móvel 3, centradas para cada ponto[2].

O uso dessa aproximação para determinar N* foi sugerido por Omar Campos Ferreira na E&E n° 46 e aplicado em vários dos artigos publicados nessa revista.

Gráfico das publicações por ano em função de N
Figura 5: Ajuste de uma curva de segundo grau para obtenção do valor total de publicações N* = 216

A equação representada é dN/dt = c.N.(N*-N)

que também pode ser expressa como

ΔN =dN/dt = c.N^2 – c.N*.N ou

ΔN = a.N^2 – b.N

onde ΔN é a variação anual onde dt foi tomado como 1 (ano), a e b são as constantes. A fórmula nos permite identificar uma equação de segundo grau que representa uma parábola que passa pelo ponto zero. O ajuste de uma curva de segundo grau nos conduz ao resultado mostrado na Figura 5. Determina-se centro da parábola corresponde N*/2 = 106 que corresponde a N* = 212.

Uma alternativa a esta técnica é representar os dados de ΔN/N, em função de N e obter os parâmetros a e b pelo ajuste de uma reta. O resultado dessa abordagem é mostrado na Figura 6.

Mostra o gráfico da variação de N anual dividida por N, em função de N e ajuste de reta
Figura 6: [Valor anual/valor acumulado de publicações[ em função do valor acumulado, a estimativa do total de publicações é N*= 210.

O valor do número de publicações de Cesare Marchetti avaliados por essa metodologia seria de 210 artigos.

Os valores estimados obtidos para o número de publicações total de Cesare Marchetti, recentemente falecido, baseado nos dados disponíveis até 2007 são mostrados na Tabela 1. Observa-se uma boa coincidência nos valores o que é normal por se dispor praticamente do número total ou de um valor muito próximo a ele até aquele ano.

Também mostramos na Tabela 1 o resultado da aplicação das diferentes técnicas aos valores até 1990, quando sabemos que o número de publicações acumuladas atingiu quase 2/3 das publicações totais, os resultados são bastante aceitáveis. As apurações usando as três técnicas para 1990 são mostrados no Anexo. Já os resultados para 1987, que corresponde a cerca da metade do total, estão naturalmente, sujeitos a maiores incertezas e são também mostrados na Tabela 1.

Tabela 1: Valores encontrados para o total de publicações de Cesare Marchetti usando as diversas técnicas

Técnicas

Dados até 2007

Dados até 1990

Dados até 1987

Interativo Fisher-Pry

212

175

142

Omar

216

237

432

Este trabalho

210

183

164

Publicações até o ano

208

139

112

Percentual das publicações até 2007

100%

54%

67%

Observação: Em alguns casos, pode-se obter melhores resultados combinando uma das duas últimas técnicas para introduzir o valor inicial de N* no processo iterativo que usa a transformada de Fisher Pry.

Conclusão

A aplicação da Metodologia Marchetti às obras do próprio autor funcionou perfeitamente como mostram as Figuras 3 e 4.

A abordagem de Marchetti tem por finalidade fazer previsões do comportamento de uma variável examinando seu histórico ao longo do tempo.

A aplicação da metodologia a muitos casos, mostra que é necessário chegar ou ultrapassar à metade dos eventos observáveis para que a previsão seja confiável.

Este trabalho propõe uma abordagem, que nos parece inédita, para estimar o parâmetro N* que representa o valor total a ser alcançado em um processo que segue a equação logística. No único conjunto de dados aqui analisados a previsão do total foi melhor que nos outros dois. Além disso, trata-se de uma metodologia mais simples já que envolve apenas o ajuste de uma reta.

Cesare Marchetti que era físico de profissão, nos deixou uma metodologia aplicável a vários sistemas complexos em várias áreas. Sua maior lição é que o futuro é fortemente dependente do passado e que não existem mudanças realmente bruscas em variáveis socioeconômicas e existe um padrão de comportamento que rege a maioria delas.

Anexo: Uso dos dados até 1990 (pouco mais da metade dos pontos) para previsões do total de publicações

Rapidamente, podemos utilizar as ´diferentes técnicas com os dados até o ano de 1990 para testar a capacidade de previsão com o uso das diferentes técnicas apresentadas.

A Figura A1 mostra a aplicação do transformada de Fisher-Pry aos dados até 1990. Os resultados, em termos de previsão, para os anos seguintes foram mostrados na Tabela 1.

Técnica de melhor ajuste da logística aplicada a publicações de Marchetti na escala Fisher-PraY
Figura A1: Ajuste de dados 1969 -1990, resultando N* = 142 publicações e tempo para passar de 10% para 90%, 21 anos

Figura A1: Ajuste de dados 1969 -1990, resultando N* = 142 publicações e tempo para passar de 10% para 90%, 21 anos

A segunda técnica é a utilização da técnica sugerida por Omar Campos Ferreira que consiste em representar os dados anuais em função do número de artigos acumulados até o ano N. A técnica consiste em ajustar uma parábola aos dados disponíveis até 1990, como mostrado na Figura A2.

Os valores ajustados estão mostrados Figura A2 e os dados usados são os da média móvel, assim como foi feito na Figura 5.

Figura mostrando ajuste de uma parábola aos dados anuais em função dos dados acumulados
Figura A2: Aplicação da técnica de ajuste de uma parábola que indica N* = 237

Figura A2: Aplicação da técnica de ajuste de uma parábola que indica N* = 237

O ajuste usando a parábola é muito sensível aos últimos valores da série, o obtido até 1990 (237) está dentro do esperado. Como foi indicado na Tabela 1, o resultado, quando se usa dados até 1987 (432), é muito maior que o obtido com as outras técnicas. Isto pode ser atribuído à grande variação das projeções nos últimos anos quando consideramos o caso “até 1987”.

Enfim, na Figura A3, mostramos os resultados com a técnica de representar o valor de ΔN/N (valor anual / valor acumulado) em função de N e ajustar por eles uma reta.

A intersecção da reta com o eixo horizontal permite estimar o valor de N* ou para y = 0 x = -b/a

Ajuste linear para dados variação de dN / N
Figura A3: Técnica para estimar o valor de publicações total, o resultado encontrado é N* = 183

Como pode ser visto na Tabela 1 os valores das diferentes técnicas se aproximam muito, já a de 3 anos antes (1987) apresenta valores bem dispersos. De modo geral, no conjunto de casos que tratamos, observa-se que é necessário ultrapassar o ponto de inflexão dos valores acumulados, metade de N*, para que se tenha uma melhor aproximação da trajetória futura.

_______________________

[1]http://cesaremarchetti.altervista.org/?doing_wp_cron=1687219301.6809539794921875000000  

[2] A média móvel centrada é a média do valor do próprio ponto e os dois valores vizinhos.

Cesare Marchetti – Obituário

Foto de Cesare Marchetti

Cesare Marchetti 

  

O físico Cesare Marchetti faleceu em 16 de abril deste ano em Toscana, pouco antes de completar 96 anos tendo nascido em Lucca, Itália em 12 de maio de 1927. Ele ficou conhecido principalmente por seus trabalhos na área de tecnologias energéticas e análise de sistemas com aplicação de equações logísticas.

No ano de 1948, ele formou-se em Física pela Scuola Normale Superiore em Pisa e, em 1949, obteve uma bolsa de estudos no Instituto Niels Bohr em Copenhague.

Desenvolveu a descrição de fenômenos complexos em diversos ramos do conhecimento aplicando, muitas vezes, uma abordagem matemática simples, a partir das equações de Lotka-Volterra. Também se interessou pela análise de ciclos temporais associados a diversos fenômenos socioeconômicos, a maioria relacionados ao hemisfério ocidental.

No Brasil, o também físico José Israel Vargas[1] que manteve com ele profícuo diálogo, aplicou sua metodologia a vários casos, muitos deles envolvendo fenômenos brasileiros como consta em artigo seu no livro Science in Brazil editado pela Academia Brasileira de Ciências – ABC em 2002. A seu convite, Cesare Marchetti esteve no Brasil, no ano de 1986, em programa patrocinado pela IBM que incluiu palestras na Academia Brasileira de Ciências (09/11/1986) e em outras instituições governamentais e de pesquisa.

Muitos dos trabalhos do ex-ministro Vargas, aplicando a metodologia de Marchetti. como “A Prospectiva Tecnológica: Previsão com um Simples Modelo Matemático” (em 2004) foram publicados na Revista Economia Energia – E&E tendo como autores o próprio ex- ministro e outros colaboradores.

A partir de 1974, Marchetti trabalhou como analista de sistemas no IIASA – International Institute for Applied System Analysis, em Laxenburg, Áustria. Nos primeiros 10 anos dedicou particular atenção ao domínio da energia, alargando depois a área de investigação e aplicação da Análise de Sistemas em domínios muito diversificados como: inovação tecnológica, evolução dos sistemas económicos e sociais, dinâmica da população, sistemas de transporte, processos históricos, eventos bélicos, sistemas bancários, bem como os ciclos criativos de músicos, pintores e cientistas, a evolução dos limites do conhecimento e a dinâmica dos impérios e das religiões. Essas análises revelaram o papel fundamental das equações logísticas na descrição e previsão nessas áreas.

Ele ainda manteve seu relacionamento com o IIASA como pesquisador sênior, dividindo seu tempo entre Laxemburg e sua villa entre vinhedos e olivais nas colinas ao norte de Florença.

Antes de dedicar-se a estes temas Cesare Marchetti trabalhou na área energética com destaque para a área nuclear e de uso do hidrogênio.

Entre 1950 e 1955, em Milão, no Instituto CISE (Centro de Estudos de Informação Enel e Montecatini) foi pesquisador no campo da energia nuclear e estudou os métodos de produção de água pesada e colaborou com o Instituto de Bariloche na Argentina.

De 1956 a 1958 no Battelle Institute, em Genebra, trabalhou em química aplicada aos sistemas mecânicos de relógios e em particular em lubrificantes e fricção, tendo concebido um lubrificante gasoso selado no interior de relógios mecânicos.

Em 1958 foi chefe da Divisão de Físico-Química da empresa Agip Nucleare, com pesquisas aplicadas a sistemas de geração nuclear.

De 1959 a 1973, foi Diretor da Divisão de Materiais nos Centros de Pesquisa de Ispra (Itália) e Petten (Holanda), que fazem parte do Joint Research Center (JRC) da EURATOM. No início deste período (1959-60), passou dois anos no Canadá como representante da EURATOM para pesquisas sobre otimização de reatores nucleares.

Nesse ínterim, a partir de 1950, ele prestou vinte anos de consultoria à General Electric em Schenectady e Fairfield (EUA) para previsão e solução de problemas. Um desenvolvimento notável na GE foi a aplicação da tecnologia de turbinas a gás, já utilizadas como motores de aviões, para produzir eletricidade. Na versão aperfeiçoada por Marchetti, o rendimento subiu de 40 para 65%.

As curvas logísticas de Marchetti têm o perfil em esse alongado onde o crescimento de uma variável na natureza acaba encontrando um ponto de máximo. Um dos exemplos pelo qual ele ficou mais conhecido é a chamada Constante de Marchetti, que postula que a quantidade de tempo que o homem dedica, diariamente, para viagens é um pouco acima de uma hora, desde o início de sua existência e em todos os lugares. Assim o raio de crescimento das aglomerações humanas (hoje cidades) é determinado por esse tempo de deslocamento que antes era a distância que o homem percorria a pé e foi aumentando com a velocidade do transporte. Isto estaria antropologicamente enraizado no homo sapiens a partir dos perigos que ele enfrenta quando está fora de um ambiente protegido.

Entre seus achados estatísticos ele comentou com o professor Vargas que, como ele, tinha sempre as mãos frias e que isto estaria associado a uma frequência de batidas do coração abaixo da média. Haveria, como na maioria dos outros casos que estudou, um “nicho” a ser ocupado. No caso, haveria um limite no número total de batidas para o coração humano durante a vida. Ele prognosticava para os dois uma longa vida. Ele tinha razão, o que não se sabe é se isto incluía o item lucidez que ambos conservam ou conservaram.

Este obituário foi publicado pela Academia de Ciências do Brasil em julho de 2023

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Nota: Grande parte das informações aqui incluídas estão disponíveis no “saite” do próprio Marchetti http://cesaremarchetti.altervista.org/

 

[1] J. I. Vargas é químico de formação, mas a maior parte de seus trabalhos acadêmicos foram na área de Física.

O Ciclo do Petróleo

Procução de petróleo no Brasil

Editorial do N° 108 E&E:

A descoberta do Pré-Sal despertou a esperança de que estaríamos iniciando, nesta terceira década do século 21, um novo ciclo de riqueza no Brasil, alavancado pelo petróleo.

Nosso sonho era que o ciclo de petróleo não seria como os demais ciclos econômicos de nossa História. Neles, na fase de ascensão, os excedentes gerados enriqueciam uns poucos e, na decadência, ficávamos expostos a um problema duplo: a queda nos excedentes e os problemas sociais da má distribuição de renda gerada no ciclo. Além disso, em quase todos os ciclos a maior parte da riqueza foi acumulada no exterior.

Um bom exemplo histórico é o do ciclo do ouro que durou todo o século dezoito. O uruguaio Eduardo Galeano sintetizou bem esse ciclo na frase: “O ouro brasileiro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal e fábricas na Inglaterra.”

O nº 108 da Revista E&E pretende reabrir o debate sobre as perspectivas para o Ciclo de Petróleo no qual supostamente estamos ingressando. O modelo, concebido para a exploração do petróleo do Pré-Sal, foi exposto nesta revista em vários artigos.

Uma compilação do que publicamos está reunida no livro “O Pré-Sal e o desenvolvimento do Brasil: Rompendo as Amarras” disponível no site Brasil 2049. Este modelo influenciou o arcabouço legal construído para o Setor que, nesses anos de obscurantismo, vem sendo criminosamente desmontado.

Com o petróleo do Pré-Sal podia e ainda pode ser diferente. Esse petróleo de águas e solos profundos não é uma commoditie qualquer. Exige a montante e a jusante uma sofisticada tecnologia na qual a Petrobrás é internacionalmente reconhecida como pioneira. Na linguagem da indústria do petróleo, a Petrobras dominou as fases upstream, midstream e downstream ou seja, todas as fases da cadeia do petróleo.

Isso quer dizer que a empresa petrolífera brasileira domina o cerne da tecnologia. Com isso, é capaz de especificar suas necessidades a fornecedores aqui e no exterior e, quando necessário, de formar uma rede industrial local de fornecedores e sócios privados para atender suas necessidades. Para isso, conta também com excelente Centro de Pesquisa associado a redes tecnológicas universitárias.

Como exemplo dessa capacidade de mobilização, está a indústria da Construção Naval que teve uma fase de ouro com as encomendas realizadas a partir da exigência de conteúdo local e está hoje quase inteiramente ociosa.

Na exploração do pré-sal estávamos diante de dois modelos: o da Noruega e o da Holanda. No primeiro país, a exploração do petróleo serviu de base para instalar uma indústria petrolífera pujante, sob a liderança da estatal Statoiol (hoje Equinor). Na expansão da extração a preferência foi dada para empresa nacional. A Equinor hoje exerce atividade mundial, inclusive no Brasil. No segundo, o afluxo de divisas tornou não competitiva a produção local e provocou uma crise social. Terminada a entrada de recursos oriundos do petróleo, a Holanda se viu mais pobre que antes. Imaginávamos que o Brasil seria a Noruega dos trópicos. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a Nigéria e outros países, beneficiados com excelentes reservas, tomavam o caminho contrário, radicalizando a “doença holandesa”.

De 2015 para cá, demos passos catastróficos para anular esse sonho que parece estar acabando justamente quando o petróleo do pré-sal já é uma realidade e domina a produção nacional. Esse petróleo, que ainda pode ser nosso, é um definitivo caminho para romper as amarras para o desenvolvimento.

O Petróleo e a Eletricidade foram energias, em torno das quais se uniram todas as forças da brasilidade, civil e militar e os capitais públicos e privados.

Através das empresas mistas Petrobras e Eletrobras, o Brasil alcançou o domínio de toda a cadeia produtiva do Petróleo e Gás e estabeleceu a maior rede mundial integrada de energia elétrica. Na verdade, Petrobras e Eletrobras foram pontes que atravessaram, em trajetória surpreendente e quase inexplicável, a rota que começou com Vargas, se consolidou no Regime Militar, chegando até tempos mais democráticos, consagrada na Constituição de 1988.

Nestes tempos difíceis, a brasilidade ainda resiste à obscuridade e aos que querem entregar por uma ninharia o controle do patrimônio construído com nosso capital a não residentes e até estatais de outros países.

Lá se vão, ardilosamente, pedaços da Petrobras. Já a Eletrobras, está por pouco de ser varrida da história nacional. Em ambos os casos, deixando lugar a monopólios ou oligopólios que tendem a ficar sob controle de não residentes.

Só em torno da brasilidade podemos reunir de novo os brasileiros que, nascidos aqui ou não, escolheram construir aqui sua vida, família e residência.

Carlos Feu Alvim

Nota da revisão deste número da E&E em Abril de 2023:

Esta apresentação teve como ponto de partida palestra sobre o ciclo do petróleo apresentada no “Webinário” do Cembra – Centro de Excelência para o Mar Brasileiro em 18 de março de 2021 como preparação para a 3ª Edição do livro Brasil e o Mar no Século XXI. Nossa intenção é apresentar uma versão completa e ampliada de toda a palestra. Outros pontos deverão ser aprofundados em próximos artigos.

Vídeo Cembra Energia nos oceanos: https://www.youtube.com/watch?v=ce43-jG7FbU&t=10997s

Carlos Feu Alvim

Livro disponível na internet:
O Pré-Sal e o desenvolvimento do Brasil:
Rompendo as Amarras

José Fantine e Carlos Feu Alvim
https://brasil2049.com/o-pre-sal-e-o-desenvolvimento-do-brasil/

 

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Apresentação

Carlos Feu Alvim é físico, mestre em ciências técnicas nucleares, doutor em Física pela Universidade de Grenoble, professor e autor de diversos artigos sobre planejamento estratégico.

Com a participação das eminentes pesquisadoras Olga Mafra, Patricia Sena e Mirian Lepsch, levanta, com detalhes e extrema argúcia, intrigante problema que evoluiu da Economia para a Contabilidade.

Dispositivos fixados principalmente pelo FMI alteraram, de modo substancial, os critérios para a fixação das contas nacionais e do balanço de pagamentos – os dois, de resto, muito danosos para o País.

Evidentes e sutis artifícios contábeis, no sentido de transferir lucros e exportações para o PIB de países de empresas não-residentes, fazem com que o Brasil tenha automática e vertiginosa redução do PIB e do saldo comercial. E, claro, imenso aumento da dívida externa.

Esses nefastos critérios afetam o conceito de Território Econômico e, em decorrência, da Segurança Nacional.

O quadro altamente prejudicial ao Brasil merece cuidadosa, completa e profunda análise pelas autoridades governantes do País, sobretudo nas áreas da Defesa, Economia e Relações Exteriores.

Almirante de Esquadra Marcos Augusto Leal de Azevedo
Almirante de Esquadra (Ref.), Coordenador Executivo do Cembra,
ex Ministro do Superemo Tribunal Militar

Autores:

Patrícia J. Sena Martins

Contadora, Empresária e
Conselheira do Conselho Regional de Contabilidade CRC-RJ

Foto MiriamMiriam Assunção de S. Lepesch

Doutora em Ciências Empresariais, Contadora e
Professora Adjunta da UFF

Olga Mafra

Doutora e Mestre pela EPUSP
Redatora E&E

Foto Carlos Feu

Carlos Feu Alvim (Coordenador)

Doutor em Física e
Diretor da Revista E&E

Currículos dos Autores

Patrícia J. Sena Martins

Patrícia Januário de Sena Lemos Martins  
CRC-RJ: 076125/O-0

Bacharel em Ciências Contábeis pela Moraes Jr., Perita Judicial, Coach,  Empresária, atua há 30 anos na área Fisco-Tributária; Foi Diretora do SESCON-RJ (2012 a 2018), Agente de Desenvolvimento do CGSN (2011-2013); Fundadora da ANALITICA DO BRASIL CONTADORES e IPS BRASIL – INSTITUTO DE EDUCACAO EXECUTIVA; CEO da CEU-UP Consultoria, E-Tech Brasil Inovações Tecnológicas e do GROUP ADB Inc., CO-Founder do GROUP ADB International, LLC., Conselheira do CRC-RJ; Diretora na ADESG-RJ e AED-RJ.           patricia.sena@analiticadobrasil.com.br

Mirian Assunção de S. Lepsch

Miriam Assunção de Souza Lepesch

Doutora em Ciências Empresariais-Universidad del Museo Argentino-UMSA-AR, Especialista-GQT-ênfase Administração Pública-Universidade Federal Fluminense-UFF, graduada em Ciências Contábeis – Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Professora Adjunta da UFF. Foi Vice-Diretora-Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Diretora-Presidente-Fundação Euclides da Cunha de Apoio à UFF, Pró-Reitora de Planejamento e Diretora de Contabilidade e Finanças. maslepsch@id.uff.br

Olga Mafra

Olga Yajgunovitch Mafra Guidicini
Doutora e Mestre pela EPUSP, Bacharel e Licenciada pelo IFUSP, Assistente Doutor concursada do IFUSP, Pesquisadora e Professora do IPEN, IFUSP, IME, CNEN (Programa Autônomo e área de Segurança Nuclear). Oficial de Operações e de Apoio Técnico da ABACC, autora de livros e artigos, na área nuclear, de emissões causadoras de efeito estufa, planejamento energética e desenvolvimento econômico. Atualmente, sócia da ECEN Consultoria, e participante da equipe da revista Economia e Energia – E&E e da Diretoria da ABEN. olga@ecen.com

Carlos Feu Alvim

Carlos Augusto Feu Alvim da Silva
Doutor de Estado em Física pela Universidade de Grenoble França; Mestre e Bacharel pela UFMG. É Diretor da ECEN Consultoria e da Revista Economia e Energia – E&E e membro do CEMBRA e ADESG. Foi Secretário e Adjunto da ABACC, Sub Secretário da STI/MIC, Pesquisador do CDTN, IEN, ICEX, CETEC, consultor da COPPETEC, ocupou posições técnicas e diretivas na Comissão Nacional de Energia e Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, professor dos cursos de Graduação e Mestrado da UFMG e orientador de monografias; autor de livros, trabalhos técnicos nas áreas de planejamento energético, crescimento econômico, produtividade de capital e efeito estufa. carlos.feu@ecen.com

Força Espacial Militar dos EUA

símbolo da spaceforce

Texto para Discussão:

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra

Resumo

O Presidente Trump criou, em dezembro de 2019, uma força e um comando espacial que passaram a fazer parte do Estado Maior das Forças Armadas. Desde 1947, a estrutura do órgão de Comando das Forças Armadas não era modificada.

Em uma jogada de marketing político, a imagem da nova força foi associada às aventuras espaciais na ficção. Seus combatentes receberam o nome Guardiões, seu recrutamento busca “mentes brilhantes” para participar de uma atividade na qual, no futuro, “a história será feita”.

A militarização do espaço sideral foi contida, na época de Guerra Fria, por acordos entre as partes.

É a primeira vez em que uma Força Militar Espacial foi oficialmente constituída em um país e coloca o restante da Humanidade sob o jugo de uns poucos governos. Evidentemente, a militarização do espaço também tem participação, um pouco menos explícita, da Rússia e China. Esses e outros países podem aderir à militarização do Espaço.
Não é uma boa notícia para a paz no Mundo.

Palavras Chave: Espaço, força militar, desarmamento, USSF, paz, guerra. forças armadas, EUA.
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A Realidade imita a Ficção?

Depois de quase três quartos de século, os Estados Unidos acrescentaram à estrutura de suas Forças Armadas um novo Comando Independente, o Comando Espacial.

O Presidente Trump, em seu brevíssimo discurso (7 min) de despedida na Base Conjunta de Andrews, citou a criação da Força Espacial Americana (USSF – United States Space Force) como uma das grandes realizações de seu governo.

“Nós reconstruímos os Estados Unidos militarmente, nós criamos uma nova força, a Força Espacial, isto seria, por si só, uma grande conquista”.[1]

Foi a primeira modificação na estrutura do sistema das Forças Armadas americanas desde 1947. Elas são agora compostas por seis comandos militares independentes: Exército, Marinha, Fuzileiros Navais, Força Aérea e Força Espacial, mais a Guarda Costeira.

A Guarda Costeira também é um Comando, sendo alocada no Departamento de Segurança Interna e não no de Departamento de Defesa, como as outras. Seu comandante não integra o Estado Maior das Forças Armadas (Joint Chiefs of Staff).

A criação dessa Força foi propositalmente associada a obras de ficção científica que, há décadas, vêm criando heróis espaciais em histórias em quadrinhos, filmes, séries para TV e jogos eletrônicos. Foi Mike Pence, Vice Presidente de Trump, que anunciou, no primeiro aniversário da Força Espacial, em 20 de dezembro de 2020, que seus integrantes seriam chamados de “Guardiões”.

O nome faz lembrar os Guardiões da Galáxia, serie em quadrinhos do final dos anos sessenta, transformada em filmes a partir de 2014. Seus logotipos guardam, aliás, similaridades (Figura 1).

símbolo da spaceforce

Figura 1: Semelhanças entre os símbolos da Força Espacial e dos Guardiões da Galáxia

Também existem similaridades entre os símbolos da USSF (United States Spacial Force), provisoriamente alocada no Departamento da Força Aérea e o do Starfleet Command, organização pertencente ao universo fictício da franquia Star Trek. Essa série, também dos anos sessenta, no Brasil recebeu o nome de “Jornada nas Estrelas: Enterprise”. Dela resultaram novos episódios, livros, jogos eletrônicos e filmes que prolongaram seu sucesso. Agora a realidade imita a arte ou apenas renova o recurso usado, também nos anos sessenta, para disfarçar as intenções guerreiras da corrida espacial.

Figura 3 de comparacao simboloes USSF e starfleet

Figura 2: Semelhanças entre os distintivos da USS Force e do Starfleet Command do Enterprise

No portal da Força Espacial o vídeo para estimular o recrutamento de pessoal procura usar o interesse dos jovens em participar da exploração espacial com a mesma intenção dos anos sessenta, como mostrado na Figura 3.

figura recrutamento USSF

Figura 3: “Talvez seu objetivo neste planeta não esteja neste planeta”; é o apelo à imaginação dos jovens para que se juntem aos Guardiões. “O Ato de Autorização FY20 da Defesa Nacional aprovou uma nova e independente Força Espacial, dentro do Departamento da Força Aérea. Enquanto esse novo ramo militar toma forma em 2020, estamos recrutando as mentes mais brilhantes na ciência, na tecnologia aeroespacial e na engenharia para atender suas necessidades. Junte-se a nós. O futuro está onde faremos história.”

Ainda para reforçar essa impressão, o astronauta americano Mike Hopkins, na Estação Espacial Internacional[2], transferiu-se voluntariamente da Força Aérea para a USSF o que reforça a ideia de associação dos “Guardiões” da USSF com os astronautas. A mudança é sutil porque ele já era um militar em uma missão civil em nome da NASA, agora ele integra uma organização militar na área espacial, um guardião do espaço em uma missão espacial internacional.

De uma maneira ou outra, isto pode solapar o desarmamento de espíritos que gerou, logo após o desmantelamento da União Soviética, a Estação Internacional Espacial ISS (International Space Station). Um Memorando de Entendimentos entre NASA e a correspondente russa Roscosmus, em 1993, foi a origem da Estação Espacial Internacional, inaugurada no ano 2000. Coincidência ou não, no filme ” 2001, uma Odisseia no Espaço” soviéticos e americanos se encontram em uma base espacial em uma antecipação de uma cooperação que, à época do filme (1968) parecia improvável. Muitas operações bilaterais na antiga União Soviética foram, em parte, patrocinadas pelos EUA para evitar a dispersão pelo mundo de conhecimentos cruciais em tecnologias sensíveis como o espacial e nuclear.

Este notável exemplo de cooperação da qual participam  mais de uma dezena de governos é um grande exemplo de cooperação científica internacional que inspirou esperanças de que haveria lugar para a cooperação científica internacional inclusiva que se deu ainda nas áreas da pesquisa de partículas nucleares em Genebra (LHC Large Hadron Collider), Suíça, e da fusão Nuclear em Cadarache, França (ITER – Reator Internacional Termonuclear Experimental).

A Missão e Doutrina da USSF

Se o portal oficial da Força Espacial busca associar os seus “guardiões” aos heróis das obras de ficção científica, ele também esclarece, por outro lado, o caráter militar da Força e seu objetivo de defender as instalações espaciais dos EUA e seus aliados, slém de estar apta para eliminar equipamentos espaciais de ataque do inimigo.

A Doutrina que embasa a criação da nova força é apresentada no documento Doctrine for Space Forces. Uma boa abordagem inicial sobre o assunto está no artigo Força Espacial dos EUA divulga sua primeira doutrina militar, publicada no portal Defesa.

No documento que formula a doutrina oficial da USSF, ela é identificada como a organização que cuidará dos aspectos militares da área onde atua hoje a NASA, em assuntos civis[1]

Embora não constem nominalmente na Doutrina, os inimigos que, no entender dos EUA, justificam a constituição dessa Força Espacial são principalmente Rússia e China que estariam capacitados para a destruição de satélites, ou para lançar foguetes ultra supersônicos de ataque (Rússia) que dificilmente seriam atingidos pelos meios tradicionais de proteção. Também deve ser lembrado que a Coreia do Norte tem se empenhado em demonstrar sua capacidade em lançamentos de foguetes capazes de inclui-la no clube dos que são capazes de ultrapassar a camada atmosférica. Um lançamento desse tipo foi feito sobre o espaço aéreo japonês e serviu de advertência para a incapacidade atual de defesa contra este tipo de ataque.

A Doutrina para a Força Espacial ainda está em discussão nos EUA. Ela tem aspectos que enriquecem a discussão em qualquer país cuja dimensão o credencie a influenciar o quadro mundial. No nosso país, a Doutrina é de especial interesse para a Escola Superior de Guerra – ESG que tem uma abordagem doutrinária semelhante sobre a organização do Poder Nacional.

Na doutrina da USSF, o Estado usa o Poder Nacional para exercer influência e controle do sistema internacional. Esse Poder Nacional utiliza quatro instrumentos primários que são os poderes diplomático, da informação, militar e econômico.

O poder militar, por sua vez, divide sua ação por ambientes físicos distintos: ar, terra e água (principalmente o mar). A estes três elementos acrescenta-se agora o espaço, principalmente o espaço próximo. O novo “terreno” de guerra dessa nova Força seria o dos voos orbitais, seja os que alcançam a trajetória de órbita estável (satélites), seja os que percorrem uma órbita de ataque saindo e entrando na atmosfera (foguetes balísticos).

A Doutrina da Força Espacial busca explicitar as razões que justificam a nova Força e o novo Comando Independente. Afirma que as armas espaciais têm sido, até agora, consideradas como simples auxiliares das forças terrestres, marítimas e aéreas. A doutrina corrente não teria conseguido captar o impacto direto e independente do Espacial “na prosperidade e segurança dos EUA”. A doutrina considera o espacial como um poder distinto dos poderes terrestre, marítimo e aéreo[3]. A porção espacial considerada como “terreno” de guerra é a porção logo acima da atmosfera, onde o “ar” já não existe. É a nova fronteira   ocupada pelo homem, onde a gravidade é ainda cerca de 80 % da observada na face da Terra onde a impressão de falta de gravidade é gerada pela sensação de constante “queda livre” que representa a trajetória balística de um satélite. Por outro lado, mesmo com o atrito atmosférico quase nulo, o ambiente onde são instaladas as bases espaciais e a maioria dos satélites é hostil ao homem devido à presença do chamado “vento solar” de partículas de alta energia que, na atmosfera, são blindadas, pela camada magnética ou magnetosfera.

A nova administração Biden enfrenta pressões de pacifistas contra a USSF, criada pelo Governo Trump. Vários artigos no mesmo Space News, no entanto, consideram que a Força Espacial têm apoio multipartidário e multicameral no Congresso e, embora possa perder prioridade, consideram que a Administração Biden não é considerada um obstáculo para a USSF. 

Os EUA, por sua vez, que ainda usavam as naves russas para acessar a Estação Internacional Espacial, agora já dispõem de um novo veículo o Orion que realizou seu primeiro lançamento de teste em 2014 e já fez, em 2020, uma primeira viagem para levar astronautas para a base internacional e que, em breve, pode estar em órbita lunar. Durante quase dez anos os EUA dependeram da Soyuz o que foi superado agora, possibilitando iniciativas militares independentes.

Aparentemente, já estamos diante de uma nova Guerra Fria ou, para ser atual, com uma “segunda onda” dessa guerra que esteve latente por algumas dezenas de anos. No caso das estações espaciais, a China já anunciou a construção da sua base espacial, teoricamente aberta à cooperação externa, e tem planos de ir a Lua.

Conclusões

Estamos nos afastando da visão de cooperação técnico-científica que tornou possível os grandes laboratórios internacionais em áreas como fusão, partículas nucleares e espacial. A corrida militar espacial nos anos da Guerra Fria fora em parte limitada pelo Acordo Antimísseis Balísticos de 1972 (AMB Treaty). Ele foi denunciado pelo Governo W. Bush em 2001, dando início ao Programa apelidado de “Guerra nas Estrelas” que, de certa forma, alimentou a ideia da Força Espacial, obra da administração Trump.

Paira a ameaça do uso militar de uma base na Lua, como objeto dessa nova corrida espacial, que foi evitada, no auge da Guerra Fria. Isso romperia definitivamente qualquer credibilidade na ideia, sustentada por décadas pelas potências dominantes, que a corrida espacial significava “um grande passo para a Humanidade” e não uma conquista nacional dos EUA ou da União Soviética. Mesmo sabendo que havia interesses militares em paralelo, pudemos experimentar alguns benefícios reais dessas conquistas e, alimentar a esperança de que haveria ainda benefícios adicionais para o Planeta. Era mais confortável isso do que aceitar que existe agora uma disputa militar pelo espaço na qual estaríamos alijados.

A Força Espacial militar dos EUA ainda não está definitivamente institucionalizada. Embora pareça improvável, seria um gesto de boa vontade do novo Governo Biden renunciar a esta nova Força criada pelo governo anterior.

Pode ser que os EUA queiram chegar a eventuais negociações com uma posição de força. O que parece insensato é admitir que alguns países se reservem o direito de dominar o espaço que não lhes pertence,  ameaçando de forma não controlável o conjunto da Humanidade.

O caminho anterior reconduziu aos EUA à supremacia na área espacial. Evitar a militarização do Espaço certamente, ajudaria desanuviar tensões internacionais e inibiria a inconveniente proliferação de novas forças espaciais em países rivais.

Notas:

[1] “We rebuilt the United States Military, we created a new force, called Space Force, and that itself will be a major achievement…”

[2] NASA Astronaut Mike Hopkins Transfers to US Space Force While Aboard International Space Station

[3] The doctrine presented in the following chapters elevates spacepower as a distinct formulation of military power on par with landpower, seapower, airpower, and cyberpower. Notar que o “air” que define a espaço aéreo é, etimologicamente a região do espação onde existe o ar, ou seja, a atmosfera, não incluindo, pois, a estratosfera. Notar ainda a inclusão do poder cibernético como uma área de poder militar que tem, aliás,  forte relação com o poder espacial.  

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A propósito:

O tema da  Força Espacial, em particular a questão sobre a possível revisão da decisão da instalação da Força, foi objeto de  manifestações da Secretaria de Imprensa do Governo Biden nestes primeiros dias de fevereiro.

Quando solicitada a dar as opiniões do presidente Joe Biden sobre a Força Espacial, a Secretaria de Imprensa da casa Branca Jen Psaki respondeu “Uau. Força espacial. “É o avião de hoje”, para acrescentar em seguida “Verificarei com nosso ponto de contato com a Força Espacial. Não tenho certeza de quem é “

Para conter os protestos que a brincadeira da porta-voz provocou, ela voltou ao assunto, propiciado mais tarde por outra questão de jornalista, para manifestar o completo apoio do Governo Biden aos trâmites de consolidação da nova força militar que se fizerem necessários. 

Os que Querem Vender o Brasil

Palavras do Editor

O Brasil passa por um período de perigoso descuido com a Soberania Nacional. A venda de ativos nacionais tem sido apregoada cada vez mais como uma saída para a crise econômica, não faltando, inclusive, apologia da cessão da soberania sobre parte do nosso Território.

Proposta de Cessão Direta da Soberania de Parte do Território Nacional

A maioria dos países civilizados não tolera manifestações diretas sob a divisão de seu território. No entanto, a publicação na Folha de São Paulo (21/09/2017) do artigo de seu então colunista (quinzenal) Leandro Narloch sob o título “E se o Brasil vendesse a soberania de partes do seu território?” não provocou maiores reações. Depois de tentar convencer ao leitor de que estava falando sério,ele propôs:

“Com o excesso de liquidez no mundo, a venda da soberania renderia facilmente algumas vezes o valor da Petrobras (hoje em US$ 65 bilhões). Imagine a bolada que empresas e visionários pagariam para terem a chance de se instalar em um território sem governo ou impostos. Seria possível erguer um Hong Kong e duas Cingapuras usando apenas 0,05% do território brasileiro– em terras devolutas de Roraima, do Acre ou na fronteira com o Uruguai.”

Para concluir:

“A concorrência com paraísos fiscais vizinhos é, na verdade, uma vantagem. Obrigaria o governo brasileiro a ser mais eficiente se quiser evitar a fuga de dinheiro e de moradores. Talvez um território 1% menor seja o melhor caminho para um Brasil grande.”

Narloch é um jornalista polemizador, recentemente demitido da CNN por comentários considerados homofóbicos. No caso, o jornalista foi defendido, nas redes sociais, pelo Presidente Bolsonaro. Do outro lado do espectro em relação a  Bolsonaro[1], a mesma Folha, publicou recentemente (01/10/2020) o artigo do também polêmico Hélio Schwartisman [2] “Vender a Amazônia – Seria boa ideia os gringos comprarem-na”. Ele diz que a ideia seria difícil de ser aceita pelos colegas de farda do Presidente, mas deveria ser considerada no sentido de ”usar a imaginação e perscrutar o problema e tentar extrair ideias úteis”,  mas avança:

“Vamos supor que alguma nação rica, ou, melhor ainda, um consórcio internacional, ofereça uma enorme bolada pelo território. Vamos supor ainda que a população amazônida teria assegurada uma enxurrada de investimentos em programas de desenvolvimento sustentável, além de direito ao passaporte do país adquirente. Imaginemos, por fim, que o comprador se comprometeria a preservar integralmente a mata e a biodiversidade local. Haveria mecanismos para garantir o cumprimento dessa cláusula. Sob essas condições, por que não vender a Amazônia?”

O Projeto de Lei que Facilita a Compra por Estrangeiros de Terras no Brasil

No dia 15 de dezembro de 2020 o Senado aprovou, em sessão semipresencial, o Projeto de Lei[3] (PL 2.963/2019) [4]. que facilita a compra, a posse e o arrendamento de propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras. O PL do senador Irajá (PSD-TO), teve parecer favorável do relator, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com emendas, e segue agora para votação na Câmara dos Deputados

O Artigo 8º do referido PL estabelece o limite da participação de estrangeiros:

Art. 8º A soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá ultrapassar 1/4 (um quarto) da superfície do Município onde se situem.
§ 1° Pessoas da mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias ou possuidoras, em cada Município, de mais de 40% (quarenta por cento) do limite fixado neste artigo.
§ 2° Ficam excluídas das restrições deste artigo as aquisições de áreas rurais quando o adquirente for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens.

Como se vê, é um limite bastante frouxo, quando se sabe que somente são agricultáveis cerca 17,9 % do território nacional e a área efetivamente utilizada é de somente 7,3% do território. Ou seja, para a grande maioria dos municípios esse limite, estabelecido sobre a superfície total, deve superar a área agricultável. Além disso, o § 2 torna o limite de posse de terras por estrangeiro ainda mais flexível.

Nada impede, portanto, que estrangeiros, na prática, tornem-se proprietários do total da área agriculturável da maioria dos municípios brasileiros. Além disso, fica aberta com o PL a via para que descendentes de brasileiros que estabeleçam residência e nacionalidade externas venham herdar imensas áreas no Brasil. Isso é totalmente independente das restrições ainda estabelecidas pelo PL 2063/2019[5] . O artigo primeiro, § 1º do Projeto, determina que as restrições não se aplicam ao caso de sucessão legítima.

A discussão publicada no portal do Senado foi bastante esclarecedora. O líder do PT, Senador Rogério Carvalho (SE), apresentou pedido de retirada de pauta do projeto alegando que o texto autoriza a compra de até 25% dos territórios dos municípios, o que poria em risco a segurança alimentar e a produção de alimentos, além de causar o aumento no preço de terras no Brasil. Foi também argumentado (senador Jean Paul Prates, PT-RN) que o assunto não estaria maduro. Na avaliação do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o projeto promove a internacionalização das terras brasileiras em larga escala, sobretudo das áreas localizadas na Amazônia.

O autor do Projeto, Senador Irajá (PSD-Tocantins) disse que havia consultado 74 dos 81 senadores e 68 eram favoráveis a votação do texto. O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou que chineses, ingleses e italianos já utilizam terras baianas para plantio de diversas culturas, como soja e café.

O pedido de remoção do projeto de pauta foi rejeitado e o Projeto de Lei aprovado com o voto contrário de apenas 8 senadores[6]. Entre eles, não constam os dos senadores que haviam pedido a retirada de pauta do PL ou assinalado o perigo de internacionalização das terras brasileiras.

Venda de Terras a Estrangeiros ameaça o Território Nacional

No livro Poder Econômico via Contabilidade[7] chamamos a atenção para a nova definição de Comércio Exterior. Na Nova Contabilidade, adotada pelo Balanço de Pagamentos e Contas Nacionais, as fronteiras dos países deixaram de ser determinantes para definir o comércio internacional. Ele passou a ser definido como o comércio feito entre residentes no País e os não residentes.

Esta noção não se aplica somente a pessoas. Ela também se aplica a “unidades de produção”. Se ela é controlada por pessoas que não residem no Brasil ela pode ser considerada “não residente” e o que ela produza dentro das fronteiras do Brasil deixa de ser produto brasileiro. Esta regra já passou a ser aplicada no Brasil, a partir de 2015.

A venda de terras a não residentes facilita que a produção agrícola, delas proveniente, seja também passível de ser considerada “não residente”, para sermos mais explícitos “não brasileira”. Se consumida no Brasil, ela pesará em nossas importações, se exportada não fará parte de nossas exportações. Isto só não acontece atualmente porque as instruções do FMI e do Sistema de Contas Nacionais – SCN, excluem deste conceito o produto agrícola, usando uma interpretação que, eludindo a lógica do sistema, considera que o dono de terras tem automaticamente interesse local e deve ser considerado residente do país hospedeiro do capital.

Para tratar do caso em que a propriedade é efetivamente de estrangeiros ou de “não residentes” as normas do SCN (SNA em inglês) estabelecem:

“Se o proprietário legal é realmente não residente, uma unidade artificial, chamada unidade residente nocional, é criada no Sistema de Contas Nacionais. A unidade residente “nocional” é registrada como proprietária do ativo, recebendo os proprietários aluguéis ou rendas, acumuladas em função do ativo. O proprietário legal possui o patrimônio da unidade residente nocional e, em consequência, recebe rendimentos da unidade residente nocional na forma de renda patrimonial paga no exterior”. SNA 2008 § 4.49

Ou seja, o Sistema cria uma unidade fictícia de produção para não aplicar, por hora, a regra geral de que uma unidade “não residente” tem o produto alocado ao país de seu controlador.

Para resolver este paradoxo ele indica uma solução esdrúxula onde uma empresa ou pessoa com propriedades agrícolas é representada por uma unidade fictícia “residente” para ser registrada como de interesse local. Essa empresa paga, no entanto, aluguel e rendas ao seu verdadeiro dono no exterior. Na nossa interpretação, essa artificialidade visa aplacar reações nacionais no país que o FMI designa como “hospedeiro” do investimento. Quando oportuno, a lógica do Sistema deverá ser restabelecida.

A artificialidade proposta pelo FMI, já tinha sido antecipada, no Brasil, pela emenda constitucional nº 6, que passou a conceder os privilégios de Empresa Brasileira na Constituição a qualquer empresa, mesmo de capital externo, desde que tenha sede registrada no País. O relator do projeto lembrou, inclusive, que o Projeto de Lei, estenderia essa emenda aos empreendimentos agrícolas.

Defesa da Soberania Nacional

Manter a integridade do Território Nacional é a primeira função das Forças Armadas[8] e objeto do juramento constitucional do Presidente da República123F[9]. Talvez considerando isso e, atento as suas origens, o Presidente Bolsonaro prometeu vetar o Projeto de Lei[10]:

“Vai para a Câmara, se a Câmara aprovar tem o veto meu. Aí o Congresso vai derrubar ou não o veto. Falta patriotismo para nós. Não podemos permitir que o Brasil seja comprado”.

A frase do Presidente, embora contenha o que poderia ser interpretado como uma “lavagem de mãos” prévia sobre a decisão do Congresso, deixa os congressistas em uma “saia justa” e joga neles toda a responsabilidade. De fato, devem assumir essa responsabilidade, já que são, pela Constituição (Art. 48, inciso V), responsáveis por legislar sobre os “limites do território nacional”. Se assumirem uma atitude de ignorar a gravidade da medida, isso será seguramente interpretado como defesa de seus interesses particulares, tendo em vista a expressiva participação de ruralistas na composição do Congresso[11]. A aprovação do projeto no Senado, no apagar das luzes de 2020 (em 15/12/2020), sem passar pelas comissões específicas, foi certamente açodada. A data era certamente propícia para que o assunto passasse despercebido. A mensagem do Presidente nas redes sociais, talvez ajude a não “deixar a boiada passar”, aproveitando as circunstâncias atuais. Mesmo reconhecendo que existem falhas na defesa dos interesses nacionais em outras atitudes desse Governo, essa é uma atitude muito positiva que deve ser aplaudida.

O assunto é da maior gravidade e deve ser objeto de análise dos organismos encarregados da Segurança Nacional. Com efeito, cabe ao Conselho de Defesa Nacional em relação ao Território Nacional “opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo” Art. 91, § 1º, III da Constituição Nacional. Seria também útil solicitar a Escola Superior de Guerra – ESG que examinasse o assunto, assim como entidades civis e militares ligadas à Defesa do Território Nacional. Cabe lembrar ainda que, pelas regras já vigentes do Balanço de Pagamentos, esse tipo de “investimento externo” é automaticamente registrado como dívida externa brasileira, comprometendo o futuro do País.

Como mostrado em nosso no livro Poder Econômico via Contabilidade o Brasil, pelos quase unanimemente louvados investimentos externos, remete ao exterior ou acrescenta à sua dívida externa 76 US$ bi anuais[12]. Como vimos, isso é mais de uma Petrobras por ano. São 60 US$ bi de juros e lucros e 16 US$ bi em aluguéis, a maioria de equipamentos estrangeiros aqui estacionados.

Só o que nos faltava é pagar aluguel sobre nosso território nacional!

Carlos Feu  Alvim

__________________________________________________

[1] Autor do artigo “Por que torço para que Bolsonaro Morra” e, por isso, ameaçado pelo Governo com a Lei de Segurança Nacional (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/07/por-que-torco-para-que-bolsonaro-morra.shtml). A Lei de Segurança Nacional é a mesma que pune tanto lesar contra a integridade territorial como expor a perigo de lesão os chefes dos Poderes da União.

[2] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/10/vender-a-amazonia.shtml

[3] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/15/aprovado-projeto-que-regulamenta-a-aquisicao-de-terras-por-estrangeiros

[4] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8916441&ts=1608658798929&disposition=inline

[5] https://legis.senado.leg.br/diarios/ver/100861?sequleg.br/noticias/materias/2020/12/15/aprovado-projeto-que-regulamenta-a-aquisicao-de-terras-por-estrangeirosencia=123

[6] O projeto recebeu o voto contrário dos senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Paulo Paim (PT-RS), Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Styvenson Valentim (Podemos-RN), além das senadoras Zenaide Maia (Pros-RN), Leila Barros (PSB-DF) e Rose de Freitas (Podemos-ES).

[7] https://www.amazon.com.br/dp/B08NY24VLR/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=poder+econ%C3%B4mico+via+contabilidade&qid=1605924876&s=digital-text&sr=1-1

[8] Assegurar a integridade do território nacional; defender os interesses e os recursos naturais, industriais e tecnológicos brasileiros; proteger os cidadãos e os bens do país; garantir a soberania da nação. https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/estado-maior-conjunto-das-forcas-armadas/estado-maior-conjunto-das-forcas-armadas/forcas-armadas.

[9] Sustentar a união, integridade e a independência do Brasil.

[10] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/12/bolsonaro-se-junta-a-pt-em-oposicao-a-projeto-que-facilita-venda-de-terras-a-estrangeiros.shtml

[11] A Frente Parlamentar da Agropecuária reúne 257 deputados e senadores em 2020, os ruralistas têm interesse direto na medida que valoriza seu patrimônio. https://deolhonosruralistas.com.br/2019/03/22/nova-frente-parlamentar-da-agropecuaria-reune-257-deputados-e-senadores-com-25-psl-de-bolsonaro-so-fica-atras-de-pp-e-psd/

[12] Dados do Banco Central do Brasil para 2018

Contaminação Covid 19 no Brasil Depende da Latitude

Dpendência propagação da covid com a latitude

Ensaio:

A Dispersão do Covid 19 Depende da Latitude Geográfica?

 Carlos Feu Alvim, Olga Mafra e José Israel Vargas

Uma curiosidade encontrada ao longo do estudo que está sendo desenvolvido pela E&E sobre a Covid 19 é que as estatísticas por Região, de óbitos pela Covid 19, seguem a ordem geográfica. A região Norte apresenta a maior taxa de mortalidade por habitante e a Região Sul a menor, as regiões intermediárias seguiam também a ordem geográfica.

Ficou também claro que a grande disparidade do comportamento dos óbitos pela Covid 19 não parece poder ser explicada simplesmente por questões do distanciamento social adotado.

Surgiu o interesse em saber se havia alguma correlação com a latitude e os óbitos pela Covid 19. Para isso, elaboramos o Gráfico da Figura 1. Ele representa os óbitos por milhão de habitantes até 18/06 (dados do Ministério da Saúde) em função da latitude média dos Estados, extraída do Google, também mostrada na Tabela.

Já havíamos assinalado o grande interesse que havia na evolução do Codiv no Brasil, pela abrangência de latitudes de nosso território, para ajudar a  melhor compreensão da doença. Aparentemente, o Brasil apresenta a maior amplitude de paralelos do mundo, pelo menos em terras contínuas. É sabido que a propagação de vírus é sensível a condições climáticas e o Brasil propicia a oportunidade estudar a influência, em um mesmo país, com certa homogeneidade política e social e com a doença atuando quase simultaneamente, nessa grande gama de latitudes.

O resultado da verificação da hipótese de que existe uma correlação da taxa de óbitos por habitante com a latitude está na Figura 1. Essa tendência parece existir ,embora se registre um ponto nitidamente fora dela que é o Estado do Rio de Janeiro, destacado na Figura 1.

obitos estados x latitude

Figura 1: Óbitos por milhão de habitantes em função da latitude dos estados da Federação

O Ministério da Saúde divulga também o número de pessoas que testaram positivo para a contaminação pelo Novo Coronavírus. A progressão desse dado, ao longo do tempo, tem interpretação problemática porque depende, obviamente, do ritmo de aplicação de testes. Já o número acumulado de infectados é mais confiável e tem significado testar a dependência com a latitude, também com essa variável. Isso é feito na Figura 2 onde está representado o número de infectados por milhão de habitantes em função da latitude média dos estados.

casos covid x latitude

Figura 2: Casos de Covid 19 por milhão de habitantes em função da latitude dos estados da Federação

O ajuste (R2= 0,50) é bom, considerada a natural dispersão dos dados. Alguma explicação deve existir para as marcantes diferenças entre o comportamento da propagação da doença, também refletida em óbitos, nos diversos estados, que não é diretamente a distância da linha do Equador. Possivelmente, esta dependência está relacionada com condições climáticas, embora também não pode ser, a priori, descartada a influência de outras variáveis sociais, econômicas e até raciais que variem com a latitude.

Uma questão interessante é que a correlação com a latitude é melhor que a encontrada com os óbitos, em particular, desaparece o ponto fora da curva do Rio de Janeiro. Na Tabela 1, estão mostradas as variáveis utilizadas para elaborar os gráficos e representada a letalidade que é a relação óbitos por número de infectados.

Tabela 1: Latitude dos Estados e Dados Estaduais sobre a Covid 

EstadoLatitudeÓbitos/MhabCasos/MhabLetalidade
AC-8,77325120922,7%
AL-9,7124976813,2%
AM-3,07629146544,3%
AP1,42404229231,8%
BA-12,968527953,0%
CE-3,7158995576,2%
DF-15,8312694591,3%
ES-19,1930378813,8%
GO-16,643818962,0%
MA-2,5522793412,4%
MG-18,12711772,3%
MS-20,511415380,9%
MT-12,648121563,7%
PA-5,5351189075,7%
PB-7,0617679042,2%
PE-8,2842550888,3%
PI-8,2812936963,5%
PR-24,893610423,4%
RJ-22,8448750579,6%
RN-5,2218745314,1%
RO-11,2221077672,7%
RR1,89381122513,1%
RS-30,013615662,3%
SC-27,333121741,4%
SE-10,917475432,3%
SP-22,3525841956,1%
TO-10,259749432,0%
Brasil 22746554,9%

A explicação discrepância para o Rio de Janeiro (Figura 1) vem da letalidade observada no Estado (9,6%) que é o dobro da média Brasil (4,9%). Vale lembrar que este coeficiente já é alto para a região Sudeste ( média de 6,3%), sendo que São Paulo,  com 6,1%, disputa com o Ceará o 3º lugar na letalidade no País (Figura 3). Já a possível dependência da letalidade com a latitude pode ser descartada. 

Figura 3: Letalidade nos estados óbitos/casos

Havíamos constatado que o nível de letalidade da Região Sudeste, a mais rica do País, era  surpreendentemente alto,  já o do Rio de Janeiro, o maior do Brasil, é automaticamente associado  ao caos administrativo que assola o Rio, há mais de uma década.

Acompanhamento e Projeção de óbitos pela Covid 19 no Brasil

 

Economia e Energia  

Nº 106, janeiro a junho de 2020
ISSN 1518-2932 Disponível em: http://ecen.com  
(números anteriores) http://ecen.com

ACOMPANHAMENTO E PROJEÇÃO DE ÓBITOS PELA COVID NO BRASIL 
Redação Preliminar em Discussão E&E 106

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Palavra do Editor

Razões para a divulgação desse Acompanhamento

Um conhecimento só é realmente útil quando possibilita uma “previsão” do futuro.

Prever o futuro no curto e médio prazo é uma tarefa ingrata porque os pretensos profetas serão punidos também no curto e médio prazo.

Cientes desse risco, resolvemos, mesmo assim, ir divulgando os resultados parciais de nossas projeções e questões na esperança que eles possam ser úteis.

Na realidade, como não se sabe o comportamento que será adotado por governos e cidadãos quanto ao isolamento social, não podemos ter uma ideia precisa do que acontecerá. O que a metodologia realmente fornece é uma ideia para onde estamos indo. Para onde realmente vamos é uma questão onde todos somos os protagonistas, conscientes ou não disto.

Ou seja, os autores deste trabalho já temos a desculpa padrão para nossas prováveis falhas.

Acreditamos que o exame dos dados por diferentes ângulos, mesmo por pessoas treinadas no uso das estatísticas, mas sem conhecimento específico do problema médicos, pode ser útil aos especialistas e a população interessada para compreender as possibilidades e os riscos envolvidos. 

Estamos apresentando, nessa versão preliminar, os resultados comentados para o Rio de Janeiro e Brasil. Temos os mesmos dados disponíveis para as 5 Macrorregiões e para os estados.  Nosso objetivo é de irmos aprofundando e corrigindo dados e observações ao longo da pandemia. Estamos naturalmente abertos a colaborações externas e ao debate,

Carlos Feu Alvim

Texto e dados em discussão, redação preliminar de 12/06/2020

COVID 19

Abordagem logística da propagação do Novo Coronavirus

Carlos Feu Alvim, Olga Mafra e José Israel Vargas

O tratamento logístico foi aplicado por Cesare Marchetti[1] a inúmeros sistemas sociais e econômicos e tecnológicos. No Brasil, o professor José Israel Vargas o aplicou também a diversos sistemas, com ênfase em casos brasileiros.

Aqui mesmo, já aplicamos esse ajuste para vários casos e o assunto já foi tratado no número zero dessa revista,[2] em artigo de Omar Campos Ferreira, e uma visão completa sobre a metodologia está no exemplar de número 45 da E&E, em artigo de José Israel Vargas “Prospectiva Tecnológica, Previsão com um Simples Modelo Matemático”[3].

A metodologia, que nasceu na análise de Volterra e Lotka de sistemas de competição biológica, pode ser aplicada à Covid 19 que está se colocando como a maior pandemia desde a gripe espanhola, ocorrida há praticamente um século (1918 a 1920).

Fundamentalmente, essa metodologia se baseia em um modelo no qual a taxa de infecção em uma população depende do número de infectados N e do número dos que restam a infectar (N*-N) sendo N* o número final de atingidos, denominado de nicho. Matematicamente isso se traduz na equação na qual, ao longo do tempo o número de contaminados será proporcional ao produto de um termo crescente N e outro decrescente
N*-N.

T = dN/dt = a.N.(N*-N) ou

T = a.N*.N – a.N2       (1)

Onde dN/dt pode ser associado ao número de novos infectados (variação de N) por unidade de tempo (tomada aqui como um dia).  É fácil mostrar que o valor máximo da taxa de contaminações acontecerá quando N = N*/2. Na equação de T reconhecemos a equação de uma curva de segundo grau do tipo  
               [y = a1.x – a2.x2],     
mais precisamente, uma parábola. Um ajuste pelo método de mínimos quadrados nos permite estimar o número final de infectados N*; ao atingir metade desse nicho estaremos no máximo de contaminações por dia.

Supondo que o número de óbitos seja uma fração fixa do número de atingidos, o mesmo tipo de equação pode ser usado nos dois casos, tomando dados parciais disponíveis para estimar a quantidade de infeções ou de óbitos finais. Como o número de óbitos tende a ser mais bem avaliado, procuramos nos concentrar aqui nesses dados.

Um problema prático, no caso, é que as políticas de distanciamento social reduzem o tamanho deste nicho. Se essa política é mudada, o nicho também muda de tamanho. Outro problema, no caso do Brasil que tem dimensões continentais, é que a epidemia vai se difundindo aos poucos pelo País e alcança cada município e até cada bairro em diferentes datas. Outro problema prático é a necessidade de uma população relativamente grande para que o tratamento estatístico faça sentido. Nossa escolha foi tratar os dados em três níveis: país região e estados.

Da resolução da equação diferencial dN/dt = a.N.(N-N*) resulta a equação:

F = N/N* = 1/(1+ e(-at-b))                    (2)

Onde F é a fração do “nicho” ocupado e a função encontrada é da chamada curva em S, denominada de logística.

Tomando-se o logaritmo neperiano da equação encontra-se

Ln(F/(1-F)) = a.t + b              (3)

Essa equação facilita estimar os coeficientes a e b da função logística ajustando uma reta nos valores de Ln(F/(1-F))

Aplicação da metodologia aos números do Estado do Rio de Janeiro

Os dados, fornecidos pelo MS – Ministério da Saúde, para o Rio de Janeiro são aqui apresentados como exemplo de aplicação da metodologia. Eles se referem ao número de pessoas infectadas e no de óbitos registrados, em consequência da Covid 19. Como já mencionamos, preferimos concentrar a análise nos dados de óbitos, não obstante o retardo implícito das ocorrências e seu registro em relação à data de contaminação.

Ver e baixar arquivo E&E 106 parcial

Aplicação da metodologia aos números do Brasil

A aplicação da metodologia tem suas limitações em um país das dimensões do Brasil onde existem, vários sistemas em ambientes diferentes com uma grande variação de latitude, clima e ocupação do espaço físico.

Ver e baixar arquivo E&E 106 parcial

[1] Cesare Marchetti. Society as a learning system. Technological Forecasting and Social Change, 18:267-282, 1980

[2] https://ecen.com/eee0/eeezero.pdf

[3] http://w.ecen.com/eee45/eee45p/prospeccao_tecnologica.htm

[4] Média quadrática dos desvios relativos

[5] Naturalmente, os últimos três dados ainda estariam sujeitos às variações semanais porque média é centrada (o próprio dia e três anteriores e três posteriores); assim os três últimos dados é feita a correção da “semanalidade” .

[6] O Ministério da Saúde – MS tem divulgados os dados por 100 mil habitantes. No caso, preferimos adotar as mortes por milhão de habitantes que favorecem a comparação diária e não dificultam a acumulada.

[7] J.C. Fisher and R.H. Pry. A simple substitution model of technological change; Technological Forecasting and Social Change, 3:75-88, 1971. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0040162571800057

Fake Crisis dos Focos de Incêndio na Amazônia

A Falsa Crise dos Focos de Incêndio na Amazônia

Depois da Crise de Desmatamento que teve origem em uma interpretação equivocada de um indicador mensal, parece que estamos agora assistindo uma falsa crise de focos de incêndio florestal na Amazônia.

Apontamos no “post” anterior que realmente existe uma retomada da área desmatada que, no entanto, não é de agora, começou em 2015. Quase nada a ver com o aumento de quase 100% do alarme de desmatamento em junho.

Já a crise dos focos de incêndio, não há sinal dela até esse 31 de agosto de 2019. Para desmentir essa crise não é necessário recorrer a Angela Merkel e seus satélites europeus. O INPE apresenta em seu site um belo aplicativo sobre queimadas no Brasil e no mundo.

http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/

O site mostra, praticamente em tempo real, dia a dia, o mapa de todos os focos de incêndio, escolhendo o satélite com melhor cobertura para a área. O software usado permite a classificação de cada foco e, com dois dias de atraso, oferece a localização das nuvens. É um mapa interativo que possibilita obter a localização de cada tipo de foco de incêndio.

O INPE  faz parte de uma rede que inclui vários satélites que se revezam na medida dos pontos de incêndio cuja localização automática é logicamente fácil. 

Apresenta tabela com as estatísticas mês a mês desde 1989. Também é possível comparar a situação do Brasil com a de outros países e regiões. Possibilita ainda traçar a curva sazonal dos incêndios e a de máximos e mínimos. A Figura 1, extraída do site do INPE, mostra a situação  para a Amazônia Legal comparando o ano atual com as médias, mínimas e máximas dos anos anteriores.

Figura 1: Focos de Incêndio de 2019 comparado com os valores mensais médios, máximos e mínimos Fonte site INPE

Pode-se observar que os valores até agosto de focos de incêndio estão dentro da normalidade sazonal. Essa comparação é mais fácil nos valores mensais acumulados mostrados na Figura 2.

Figura 2: Focos de incêndio, valores acumulados de 2019 comparados com as médias históricas dos meses

Até 31 de agosto de 2019 o total acumulado era de 63.109 e o médio histórico 56.748, ou seja, o de 2019 está cerca de 11% maior que do ano médio. Isto está dentro da dispersão normal esperada.  

A Figura 3 mostra os valores anuais de focos de incêndio detectados para cada ano. Para 2019 indicou-se também o valor esperado para 2019, se o restante do ano for normal. É um valor 5% acima da média.

Figura 3: Focos de incêndio por ano, com valor extrapolado para final de 2019

Ou seja, definitivamente os incêndios florestais de 2019 estão dentro da normalidade. A crise é falsa. Pelo menos, até agora. Isto é que se pode deduzir dos resultados até o final do mês de agosto, devendo-se prestar a atenção no mês de setembro, usualmente o pico anual em focos de incêndio.

Os que desejam criar um alarme, perderam uma bela oportunidade com um fundo de realidade: o mês de março de 2019 apresentou recorde histórico de focos de incêndio para o mês. Os meses seguintes trouxeram o total acumulado no ano para a média dos 20 anos que se dispõe da medida.

Ainda no assunto de comparações pontuais, se o aumento de focos for tomado em relação ao ano passado (2018) pode-se estar cometendo um engano metodológico. O gráfico mostra que 2018 está muito abaixo da média. Por exemplo, se confirmado valor para 2019 (próximo ao médio histórico), o valor deste ano será 73% maior que o do ano passado que, justamente por estar muito abaixo da média, não deve ser tomado como referência. 

Sem um critério de análise objetivo, a interpretação das estatísticas passa por subjetivismos, muitas vezes apaixonados. Por essa razão, é necessária uma intermediação técnica, como a frequentemente usada na divulgação de notícias econômico-financeiras, para dar a conhecer as notícias ambientais.

Focos de Incêndio X Desmatamento

O desmatamento pode, eventualmente, resultar de uma tragédia ambiental, causada por incêndios acidentais ou não,  facilitada por condições excepcionais para sua propagação. Para estes casos, resta o esforço de debelar os focos perigosos, as vezes sem êxito, conforme acompanhamos na cobertura mundial desses eventos nos países centrais. O desmatamento que mais preocupa é o que resulta da ação deliberada. Esse tipo de ação é a que persiste e se estende nos anos seguintes porque traz retorno econômico para seus autores.

As ações para se contrapor a um tipo ou outro de desmatamento são de diferente natureza, embora ambas se aproveitem dos alertas aos focos de incêndio. A partir de 1998, existem as duas estatísticas, de focos de incêndio e do desmatamento, e a comparação entre elas fornece informações úteis. Na Figura 1 está indicada a evolução dos dois tipos de evento a partir de 1998.

Figura 4: Desmatamento anual e focos de incêndio na Amazônia Legal Fonte: site do INPE; os valores para 2019 são projetados.

A menos do período em torno do pico de desmatamento de 2004, não há uma correlação muito visível entre as duas variáveis. Chama a atenção o ano de 2018 cujo índice de focos de incêndio está 40% abaixo da do ano anterior e da média histórica e que, no entanto, registrou aumento do desmatamento. A maioria das comparações feitas na imprensa é com o ano de 2018, visivelmente um ano atípico que não serve de referência.  

A tentativa de estabelecer alguma correlação entre o número de focos de incêndio durante o ano com o desmatamento estimado para o mesmo ano mostra uma correlação muito fraca (R2 pouco menor que 0,2).

Ou seja, nem o índice de focos incêndio de 2019 está fora do normal histórico, nem ele é um indicativo válido para monitorar o desmatamento. O importante na avaliação de desmatamento são os indicadores específicos de desmatamentos divulgados pelo INPE que já acumulou uma bagagem experimental de testes no terreno que outras fontes não têm para o Brasil e cuja seriedade é a melhor defesa do País contra os mal informados e mal intencionados. 

Carlos Feu Alvim

Desflorestamento da Amazônia

Desmatamento da Amazônia ao longo do tempo

Matéria em discussão:                

NOVA ONDA DE DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA 
O QUE DIZEM OS DADOS OBJETIVOS

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra
(autoria provisória dessa edição preliminar)

Resumo

Em 2012 e 2017, em artigos sob a coordenação de José Israel Vargas, apresentamos a análise e revisão da evolução dos dados de desflorestamento anuais na Amazônia, usando uma modelagem logística de Volterra. A conclusão da primeira análise na revisa E&E 86 é que o desflorestamento caiu, entre 2004 e 2012 , mais que o previsto pela expectativa histórica. Já na revisão  na E&E 95, constatou-se que, quase simultaneamente com a Conferência do Clima de Paris (COP 21 em 2015), iniciava-se uma aparente retomada do desflorestamento da Amazônia, levantando inquietudes sobre o comportamento futuro. Nas duas ocasiões anteriores, foi feita uma projeção da trajetória de desmatamento esperada dentro do modelo adotado. Nesta revisita, a extrapolação anterior é mantida e comparada com os novos dados disponíveis. Foi confirmada a retomada do desflorestamento da Amazônia em um nível que ainda pode ser considerado como uma oscilação na tendência de queda, mas que pode evoluir para um pulso de desmatamento como já aconteceu anteriormente. A intenção deste trabalho é contribuir com a racionalidade dos dados para uma discussão que está tomando rumo considerado destrutivo para as legítimas aspirações e interesses do Brasil e do próprio Planeta.

Palavras Chave:

Amazônia, desmatamento, desflorestamento, modelagem logística, análise quantitativa.

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1       Introdução

O desflorestamento[1]  da Amazônia no Brasil foi objeto de análise nesta revista, sob a coordenação de J. I. Vargas, na E&E 86 (Vargas , et al., 2012)  e revista na E&E 95 (Vargas, et al., 2017). Nelas foi feita a avaliação da evolução desse desflorestamento com auxílio de uma modelagem matemática simples, desenvolvida por Volterra para tratar a ocupação de um nicho ambiental por um organismo vivo.

Essa abordagem tem sido aplicada com êxito por C. Marchetti e J. I. Vargas em diversos fenômenos complexos envolvendo variáveis econômicas e sociais. Os detalhes sobre a metodologia estão amplamente descritos nos dois trabalhos anteriores.

Na primeira avaliação (setembro de 2012), os dados cumulativos representados em um gráfico mostravam uma curva ao longo do tempo em “S”, indicativa de tendência de estacionamento da área desmatada. Na segunda avaliação (junho de 2017), foi confirmada a tendência de contenção do desmatamento e constatada frenagem nesse processo mais rápida que a esperada. Essa queda no desmatamento, entre 2004 e 2012, teria resultado do reconhecimento da importância política do problema. Isso se refletiu nos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, reforçado na Conferência do Clima de Paris.

Na ocasião da segunda avaliação, os resultados dos anos anteriores já indicavam uma retomada do desmatamento e o artigo se encerrava com a questão: Uma nova onda de desflorestamento?

Agora, em 2019, uma grande polêmica sobre o assunto se instalou e nos estimulou a voltar a tratar do tema. A polêmica se estabeleceu baseada na divulgação de dados de alerta mensais que, isoladamente, são inadequados para avaliar tendências de desmatamento. É bom realçar que o gráfico de desmatamento anual já apresentara outros picos e vales no processo que causaram alarme na época, mas não reverteram a tendência de longo prazo que era a redução do desmatamento anual[2].

Para entender a base da polêmica criada, cabe esclarecer que os dados divulgados mensalmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE são de natureza diferente dos dados anuais. O dado mensal é um alerta de desmatamento baseado em imagens por satélite que assinalam áreas com indícios de desmatamento. O dado anual é de acréscimo da área desmatada e reflete dados extraídos de imagens de satélite, verificados estatisticamente no campo para evitar problemas de má interpretação.

 Deve-se realçar que a experiência acumulada no processo de análise e verificação no local vai tornando essa análise preliminar cada vez mais confiável. Existe outro aspecto a ser considerado nos dados mensais, que é a cobertura de nuvens que prejudica a coleta de dados em alguns meses. Isso pode fazer com que os resultados de um mês acumulem variações que não puderam ser computadas no mês ou meses anteriores, onde predominava a escassa visibilidade.

 Ao final do artigo anterior (E&E 95, abril-junho 2017) havia um chamado à atenção para os sinais de retomada do desmatamento amazônico. O destaque a seguir transcreve nossa advertência:

“Este comportamento deve ser monitorado para prevenir eventuais pressões que deslocariam o equilíbrio alcançado e poderiam desencadear um novo ciclo de desmatamento semelhante ao ocorrido nas últimas décadas que teve seu auge em torno da virada do século.

 Esta atenção é necessária já que, os resultados para os dois últimos anos (2015 e 2016) mostram aumentos de áreas desflorestadas nesses anos na Amazônia Brasileira. Recentemente, foram propostas medidas de afrouxamento das restrições ao desmatamento, como a da MP, aprovada pelo Senado em 25 de maio de 2017 e vetada pelo Presidente Temer, que alterava os limites da Floresta Nacional do Jamanxim. Isso pode sinalizar uma tendência de negligenciar restrições ao desmatamento e comprometer as metas voluntárias apresentadas pelo Brasil em Paris, dando início a um novo ciclo de desflorestamento na Amazônia.”

J. I. Vargas, R. Grandsire e C. Feu Alvim em E&E 95

 Esta nota mostra que esta tendência de aumento de desmatamento está confirmada, mas ainda pode ser considerada como uma oscilação dentro da tendência de longo prazo.

2        Os Polêmicos Resultados de 2019

Os últimos resultados apresentados pelo INPE de alertas de desmatamento mostravam um aumento de quase 100% na área atingida, como indicado na Figura 1. Esse aumento surge da comparação dos dados de junho de 2019 com junho de 2018.

Um comentário apressado do Presidente da República a uma pergunta de jornalista desencadeou uma série de discussões que atingiram escala internacional nas quais os dados históricos foram quase esquecidos.

Figura 1: Comparativo do alerta de desmatamento do mês de junho com o mesmo mês de anos anteriores na publicação do site do INPE[3]

Na mesma forma de apresentação da Figura 1, o INPE colocou em seu site gráficos similares, abrangendo mais meses, os quais também indicavam o crescimento do desmatamento, mas em uma intensidade muito menor. No ambiente de “discussão de bar” que tomou o País e o Mundo essas “tecnicalidades” foram também desprezadas.

O INPE fornece ainda “alertas de desmatamento + degradação” que inclui áreas onde há indicações de redução da densidade florestal. Essa área correspondente a “alertas de desmatamento + degradação” atingiu, no mês de junho, 2072 km2. Esse dado também aparece na discussão na mídia, confundido com o de desmatamento.

É um erro relativamente comum confundir áreas para as quais são emitidos alertas de desmatamento com a área de desmatamento propriamente dita. Só a verificação local, realizada com critérios estatísticos adequados, permite avaliar a área de desmatamento. Esse é o dado que interessa do ponto de vista de danos à natureza. Esse procedimento que alia os dados de satélite a verificações no local, com auxílio de outras entidades como Embrapa e Ibama, é que torna os dados brasileiros particularmente confiáveis. Dados como o espectro de luz emitido ajudam a aperfeiçoar o processo.

A razão pela qual são divulgados os alertas é que eles constituem um instrumento muito útil na prevenção, mitigação e repressão do desmatamento. Eles são muitas vezes capazes de indicar áreas onde a ação predadora do homem deva ser reprimida e áreas onde o período de seca favorece o início da combustão e sua propagação.

A inclusão dos alertas de degradação aperfeiçoou a capacidade de detecção da extração prévia de madeira de lei ou de outras ações lesivas à floresta como, por exemplo, seria a aplicação de produtos químicos que facilitam o desmate. Ambos os alertas aparecem na imprensa confundidos com desmatamento. Também ambos estão sujeitos a incertezas, mas os de degradação são mais sutis e, em consequência, mais sujeitos a erros.

No site do INPE, são mostrados os gráficos, para quatro anos, dos alertas de desmatamento não só para o mês de junho (Figura 1), como para o trimestre (abril a junho) e os ocorridos após o início da estação de queimadas (mês de agosto do ano anterior até junho do ano corrente). Os dados estão mostrados na Tabela 1.

Tabela 1: Alertas de Desmatamento do INPE, por Períodos, em km2 , de 2016 até junho de 2019

 

Desmatamento

Alertas de Desmatamento

 

ANUAL

JUNHO[4].

ABR-JUN

AGO-JUN

2016

7393

969

1800

     4639

2017

6947

610

1099

     4182

2018

7536

480

1528

     3976

2019

 

920

1907

     4575

 
       

Fonte: site do INPE visitado em agosto de 2019

O aumento de 2018 para 2019 que foi de 92% (quase 100%) para junho, foi de 25% para o trimestre e apenas 15% para os 11 meses de agosto a junho. Ou seja, se os alertas indicam, para todos os períodos, um aumento de desmatamento em 2019, sua dispersão indica que a magnitude do crescimento da taxa de desmatamento está longe de ser estabelecida. Além disto, ainda resta a outra metade do ano para apurar.

A Tabela 1 mostra ainda que o dado de junho de 2018 foi excepcionalmente baixo para o mês e o valor deste ano apenas o segundo mais alto nos 4 anos. Ou seja, a alta taxa de crescimento de alertas para junho deste ano (relativa a junho do ano passado), parece corresponder muito mais ao baixo valor observado no ano passado (480 km2) que ao valor alto de 2019 (920 kn2), como pode ser visto na Tabela 1[5].  

O uso dos alertas para avaliar o desmatamento parte do princípio de que “onde tem fumaça tem fogo”. Mas, ainda usando essa analogia, só a presença dos bombeiros vai indicar se realmente houve o sinistro ou se o alarme, ou o alerta, era falso. A hipótese de que os alertas possam ser usados para avaliar o efetivo desmatamento pode ser testada usando os valores da Tabela 1 para os outros anos.

Isso foi feito com auxílio da Tabela 2 que usa a taxa de crescimento nos períodos para fazer “previsões” de variação anual de desmatamento. Esses valores podem ser comparados com a variação efetivamente estimada para o ano (primeira coluna). As previsões de desmatamento anual a partir dos dados intermediários de alerta são, nesses dois anos da tentativa, decepcionantes.

Tabela 2: Variação das Taxas de Desmatamento por Período

 

Taxa
Apurada

Taxas Estimadas a partir de dados por período

 

ANUAL

JUNHO

ABR-JUN

AGO-JUN

2017

-6%

-37%

-39%

-10%

2018

8%

-21%

39%

-5%

2019

 

92%

25%

15%

Se tomados os alertas de junho como se fossem a efetiva indicação do desmatamento anual, o valor para junho de 2017 (-37%) nos levaria a comemorar uma queda de 37% no desmatamento enquanto a queda efetiva no ano foi de apenas 6% (primeira coluna). Também em 2018, tomando os dados de junho, estaríamos comemorando uma queda de 21% quando, na verdade, a apuração anual revelaria um aumento de 8% no desmatamento.

A diferença para o ano de 2019, é que todas as projeções indicam uma maior taxa de desmatamento, ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores, onde os sinais para os diferentes períodos eram contraditórios. Isso é um forte indício de que realmente deve haver um aumento de desmatamento no ano em curso, que refletirá no índice anual, a menos que medidas drásticas sejam adotadas no restante do ano.

O valor parcial que melhor reproduz a variação anual parece ser, como é natural, o do maior período. O problema é que ele inclui dados do ano anterior. Levando isto em conta, escolhemos usar, como prévia do desmatamento em 2019, o aumento de 25% da taxa de alertas de desmatamento do trimestre. A faixa de erro estaria em cerca de +/- 30% o que dá ideia da incerteza existente nestes dados.

O ensaio aqui realizado sugere a necessidade de um trabalho sistemático, sobre os dados mensais de alarme, ao longo do ano, para buscar estimar antecipadamente o desmatamento anual. Este indicador serviria para orientar as decisões políticas. Os dados mensais de alarme permitiriam determinar a projeção do valor do ano em curso. Na apresentação dos dados, deveria ser indicada a margem de erro esperada. Isso facilitaria as interpretações e evitaria, ou pelo menos atenuaria, conclusões apressadas.

Para os dados econômicos mais críticos o IBGE adota a política de processar os dados em sigilo e divulgar, com uma antecedência de algumas horas, os resultados para a autoridade econômica correspondente. Como o cronograma é anunciado com antecedência, os técnicos dos organismos econômicos responsáveis pela área têm a capacidade de, em algumas horas, oferecer aos jornalistas a interpretação do que é divulgado. No caso, o sigilo e o curto tempo de avaliação evitam interferências políticas que possam macular os resultados. O exemplo poderia ser adotado para dados ambientais que apresentam sensibilidade semelhante.

Ou seja, pode-se ter armado “uma tempestade em copo d’água” em torno de um resultado intermediário com pouca significação prática. Paradoxalmente, esse destaque exagerado que se deu ao episódio pode servir agora para chamar a atenção para uma retomada do desmatamento, menos espetacular que a suposta no recente episódio, mas que já se mantem por quatro anos. Isso será visto no próximo item.

3       Incorporação dos dados 2017 a 2019

O trabalho anterior (E&E 95) reviu as projeções para os próximos anos. Nesta nova análise, vamos manter essa projeção. Isto é, aliás, útil para testar a confiabilidade das projeções feitas. Naquele trabalho foram considerados os dados até 2016.

Nesta revisão, foi possível atualizar o dado de 2016 e incorporar os de desmatamento de 2017, 2018 e 2019 (valor preliminar para o último ano). Os dados sobre o desmatamento da Amazônia Legal, levantados pelo INPE e pela EMBRAPA[i], são mostrados na Figura 2.

A comunidade científica nacional e internacional, têm uma atenção especial para a evolução do desflorestamento na região amazônica. Nas avaliações feitas pelo Governo, o desmatamento, chegou a ser a principal responsável pela contribuição brasileira aos gases de efeito estufa. Além de sua contribuição para o aquecimento global, estima-se que a destruição da floresta tenha influência marcante no clima do continente como um todo e, particularmente, no regime pluvial de nosso país.

No gráfico da Figura 2, constam os dados a partir de 1988. O tratamento anual do desmatamento na Amazônia vinha sendo predominantemente qualitativo, até 1989, quando se iniciou a fotointerpretação de imagens obtidas pelo satélite Landsat 5, pelo INPE. Esse trabalho contribuiu para a elaboração da Comunicação Nacional para a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima da Comunicação do Brasil, em 1994[ii]. Segundo este relatório, a contribuição do desmatamento, ocorrido até então (470 mil km2), responderia por cerca de 50% das emissões de gases causadores do efeito estufa pelo Brasil no período.

Figura 2: Evolução do desmatamento anual da Amazônia Legal

Com os dados anuais e a estimativa do desmatamento até então, foi possível avaliar, no trabalho anterior, a evolução do desmatamento histórico acumulado na Amazônia Legal.

A Figura 3 mostra a evolução do desmatamento acumulado e o ajuste realizado para a descrição da trajetória provável ao longo do tempo. O desmatamento evoluiria para atingir uma área total de 891 mil km2 da Amazônia Legal. Esse valor máximo (nicho) é um dos parâmetros principais a ser ajustado. O outro parâmetro (delta) relaciona-se com o tempo entre atingir 10% de desmatamento e 90%, estimado em 47 anos. Ambos os fatores são indicados na Figura 3. O eixo da esquerda representa a fração F do nicho ocupado e no eixo à direita está o valor do desmatamento acumulado.

A metodologia de estabelecer a curva de tendência é simplesmente aplicar aos dados disponíveis o melhor ajuste para o tipo de função matemática utilizada (logística).  

Figura 3: Desmatamento acumulado na Amazônia Legal e ajuste baseado em uma curva logística, mostrando a tendência de se limitar a expansão do desmatamento.

Pelo ajuste, o total desmatado da região amazônica até 2018 é de 796 mil km2, correspondentes a 19,4% da área total da Amazônia (estimada em 4,109 milhões de km2) [iii]. A previsão da área final desmatada corresponde a 22% da área da Amazônia.

Dentro dessa perspectiva de médio prazo os dados sobre o desflorestamento mostram uma evolução relativamente positiva já que haveria uma preservação de quase 80% de uma floresta nativa o que é excepcional em termos mundiais. Já a ação predatória sobre a biodiversidade ainda permanece largamente ignorada. Isto se deve não só à enorme variedade e complexidade desse bioma, mas também aos ainda limitados esforços científicos realizados para elucidá-la.

Pode-se observar que os dados reais apresentam uma oscilação em torno do ajuste e estaríamos passando de um período em que a evolução real estava abaixo da tendência para uma onde haveria uma fase um pouco acima da previsão.

O fenômeno dessas oscilações em torno da média já foi muito bem explorado por C. Marchetti e J. I. Vargas conforme comentado no artigo anterior.

Essas oscilações ficam mais visíveis quando comparadas com na representação de Fisher Pry mostrada na Figura 4. No caso, o ajuste foi automaticamente refeito quando foram introduzidos os dados dos últimos anos. O ajuste obtido é, no entanto, muito próximo do anterior. A Figura 4 ilustra também a metodologia usada para o ajuste e projeção.

Figura 4: Representação Fisher-Pry da função logística do desmatamento da Floresta Amazônica (1977 – 2018).

A curva mostrada nas Figuras 3 e 4 corresponde aos dados acumulados de desmatamento, ou seja, à integral dos dados de acréscimos anuais de desmatamento mostrados na Figura 2, acrescida de uma estimativa do valor até a data inicial. A curva das variações, dita diferencial, é mostrada na Figura 5, juntamente com o ajuste usado no artigo anterior (dados até 2016).

A tendência observada na Figura 3 parece coerente com uma estabilização na área coberta pela Floresta Amazônica dentro do prometido pelas autoridades brasileiras na Conferência de Paris. Apenas o tempo de estabilização é um pouco maior. Uma melhor ideia do que significa esse ajuste, em termos de desflorestamento, surge da Figura 5 que representa os valores anuais e o ajuste[6].

Figura 5: Comparação do desflorestamento anual verificado com o ajuste logístico

A Figura 5 mostra o comportamento da taxa de desmatamento, permitindo distinguir as variações ocorridas, muito sujeitas a circunstâncias econômicas e políticas, sobrepostas a uma tendência de longo prazo que passou por um máximo em 1992 e se aproximaria do zero menos drasticamente do que se poderia desejar, mas mais coerente com o processo normal de evolução de fenômenos sociais complexos.

Vale a pena analisar os picos e vales do processo e suas circunstâncias: O ano de 1991 é o segundo do Governo Collor que apresentou forte recessão no primeiro ano e foi precedido por grave crise econômica e financeira. Os dados da Figura 5, não mostram o possível pico no desmatamento. O ano de 1995, pico de desmatamento, foi o primeiro ano do Governo FHC e o ano 2004 o segundo do Governo Lula tendo sido precedido por profunda crise financeira na transição de governos. Estamos assistindo, não há mais dúvida agora, a uma retomada do desmatamento que já vem do governo anterior e estamos ainda imersos em uma profunda crise econômica; o início do desmatamento coincide praticamente com o da crise. Tentativas de associar atividade econômica e desmatamento da Amazônia também foram feitas como parte de nossas análises anteriores, com êxito limitado.

4       Enfrentando a Crise

Mesmo tendo sido provavelmente provocada pelo uso equivocado do indicador, houve uma escalada de declarações internas e externas que já configuram a Crise.

A atual retomada do desmatamento iniciou-se em 2015 e tem aparente seguimento em 2019. Até agora, os dados existentes deixam dúvida se assistimos uma simples retomada da trajetória natural indicada neste trabalho pela curva “de ajuste” ou se tratar de um novo ciclo de desmatamento aproveitando o vácuo de poder que ocorre frequentemente em mudanças de governo ou mesmo a expectativa de afrouxamento da política de contenção do desflorestamento.

O alarme atual em torno do tema não se deve a uma indicação clara fornecida pelos índices, mas a uma interpretação precipitada da comparação de um mês de junho com índice anormalmente baixo de 2018 com um possível índice alto do mesmo mês em 2019. As amostragens de outros períodos não confirmam a possibilidade de ser real um crescimento de quase 100% no desmatamento anual como aventado.

A situação criada tem motivações políticas no Brasil e no exterior, agravadas por erros de comunicação do Governo. Com efeito, existe, do lado do Governo Federal, um discurso que pode ser interpretado como de perda de importância da atitude ambiental considerada “politicamente correta”. Do outro lado, existe a legítima preocupação, interna e externa, com a preservação da natureza e uma somatória de interesses políticos da oposição de contrariar o governo, além de interesses externos de disseminar a incapacidade do Brasil de controlar a proteção da Amazônia.

Os dados ambientais necessários à defesa da posição brasileira existem, mas foram colocados em dúvida pelas discussões dentro do próprio Governo. Esse desentrosamento também dificulta a tomada de medidas efetivas de repressão ao desmatamento, já complexas pela falta de recursos para a verificação nos locais indicados pelo sistema e a própria contenção dos incêndios.

Os dados históricos disponíveis a respeito do desmatamento ao longo de três décadas mostram um comportamento que é típico de situações em que o equilíbrio se estabelece por um jogo de forças e interesses. A tendência de longo prazo ao longo de 30 anos é a de êxito na contenção do desmatamento amazônico como assinala o ajuste mostrado na Figura 5 e anteriores,

Sempre existe o perigo real de que um descuido institucional na defesa das florestas possa vir a causar uma grave perda da cobertura florestal como nos episódios de 1995 e 2004, ambos em início de governo.

Por outro lado, os compromissos brasileiros na Conferência de Paris que prometem, para o final de 2030, zerar a contribuição florestal à emissão de CO2 podem não ser realizáveis.

Pode-se perceber na Figura 5 que a tendência projetada não prevê o desmatamento zero para a Amazônia. Medidas de recomposição de florestas na própria Amazônia e em outros biomas poderiam compensar as emissões e possibilitar o alcance das metas. Isso quase certamente não acontecerá em um quadro de recessão econômica e em uma atividade onde a reposição, mesmo na presença de recursos é lenta. Não interessa também a ninguém que as metas globais de emissão no Brasil se cumpram a custa da recessão prolongada que compense as prováveis emissões florestais.

Na mesma revista em que foi feita a análise do desflorestamento (E&E 95), também foram apontadas as previsíveis dificuldades do cumprimento das metas estabelecidas, sobretudo se forem criadas condições de uma nova expansão da economia que é absolutamente vital para o bem-estar e a paz social da Nação. Vale repetir as conclusões do artigo “As Metas brasileiras de emissões de Gases de Efeito Estufa e a Contribuição Nacionalmente Determinada – CND do Brasil”:

“A intensidade de emissões (relativas ao PIB) no Brasil já se encontra em um patamar muito baixo em razão da presença dos renováveis. Manter os atuais coeficientes já é um desafio para muitos setores. Não parece racional a passividade nos setores produtivos na aceitação da redução de emissões adicionais em alguns destes itens. Talvez muitos acreditam que recursos externos ou do próprio governo resolverão os problemas: isto é certamente uma ilusão.

As metas que se transformaram em compromisso, são ambiciosas como solicitadas aos países (pela ONU). As metas Emissões/PIB setoriais podem se revelar incompatíveis com o crescimento. A recente tentativa de modificação da legislação sobre o uso da terra na Amazônia é talvez a primeira reação organizada de setores econômicos contra medidas associadas às emissões de GEE. Seria melhor para o conceito do País que as metas merecessem uma discussão mais profunda antes de serem assumidas.”

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra na E&E 95

Infelizmente, isso não ocorreu. A atitude das forças produtivas brasileiras foi a “alegre aceitação” sem contestação dos compromissos assumidos. Deve-se reconhecer que as metas foram fixadas sem o necessário diálogo com os setores interessados. Isso aconteceu não obstante as tentativas do Ministério de Meio Ambiente de propiciar os foros de discussão que esbarraram na incapacidade de diálogo fundamentado, devido ao escasso tempo disponível e da falta da preparação técnica que possibilitasse uma discussão fundamentada com os setores produtivos.  

Para atenuar as possíveis preocupações, alegou-se que estavam sendo fixadas apenas intenções de contribuição voluntária e não compromissos. A realidade está demonstrando que mesmo compromissos voluntários assumidos pelo País acabam se tornando obrigações passíveis muitas vezes de justificar retaliações.

Outro fator a considerar é que mesmo sendo mantidos os compromissos, são esperadas oscilações em torno da trajetória para alcançar as metas estabelecidas. Em um sistema de equilíbrio dinâmico de forças socioeconômicas, nem sempre é possível atingir as metas. Isto deve ser encarado de forma natural e a apuração constante dos progressos alcançados e as justificativas do que está acontecendo auxiliam a alcançar este equilíbrio. Outros países deverão rever suas metas e isto pode ser feito em um clima de concertação.

5       Conclusão

A situação presente encerra ameaças ao conceito do País e pode acarretar danos à Soberania Nacional e deverá ser enfrentada com a seriedade implícita na ameaça existente e preferentemente com recursos próprios. A entrada desordenada de equipes de “salvamento” da Amazônia pode produzir danos importantes à visão de nossa capacidade de lidar com o problema. A eventual ajuda externa é bem vinda, desde que sob o controle nacional.

Deve-se reconhecer que o Governo parece ter compreendido a gravidade da situação, embora ela tenha sido ativada com o que nos parece um falso gatilho. Isso motivou um pronunciamento presidencial e reuniões de coordenação no mais alto nível governamental.

É muito importante que seja mantida a credibilidade de nossas instituições encarregadas da apuração e verificação dos compromissos assumidos e dos mecanismos, técnicos ou de força que tem o Estado para corrigir os eventuais desvios. Do contrário, seria propiciar aos críticos externos novos motivos de alimentar suspeições e fortalecer sua cobiça. Nossos órgãos ambientais competentes e independentes fazem parte da primeira linha de nossa defesa. Essa consciência deve existir tanto nesses órgãos como nas demais autoridades do Governo e, sobretudo, na sociedade nacional.

6      Bibliografia

Vargas , J. I. e Gorgozinho, P. M. 2012. Modelagem Matemática Simples do Desmatamento da Amazônia. Economia e Energia E&E. [Online] Setembro de 2012. http://eee.org.br/wp-content/uploads/2017/02/eee86p.pdf.

Vargas, J. I., Grandsire, R. e Alvim, C Feu. 2017. Acompanhamento da evolução do eesflorestamento da Amazônia usando modelagem matemática simples. Economia Energia – E&E 95. [Online] setembro de 2017. http://ecen.com.br/wp-content/uploads/2017/06/eee95p.pdf.

[i] PRODES/IMPE-EMBRAPA Taxas anuais do desmatamento – 1988 até 2016: Taxa de desmatamento anual (km2/ano) em http://www.obt.inpe.br/prodes/prodes_1988_2016n.htm

[ii] Governo Brasileiro: Comunicação Nacional para a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Brasilia, 1994. em

http://sirene.mcti.gov.br/documents/1686653/1706391/205854.pdf/5eadb8ca-f316-49ec-9dd1-7ba80754b20d

[iii] Marta Salomon e Tânia Monteiro, Maior parte de área desmatada da Amazônia virou pasto, Estado de São Paulo, 03/09/2011 citando relatório Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentado ontem ao Palácio do Planalto no dia anterior.

http://www.estadao.com.br/noticias/geral,maior-parte-de-area-desmatada-da-amazonia-virou-pasto-mostra-estudo-imp-,767823

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Notas

[1] O termo desflorestamento é mais apropriado para o que se quer  medir na Amazônia, por força de uso, o termo desmatamento, correntemente usado no mesmo sentido, será muitas vezes usado neste trabalho em substituição ao desflorestamento.

[2] Os dados recentes aqui analisados parecem, no entanto, não se enquadrar inteiramente como oscilações de curta duração, como as anteriormente observadas, e devem ser acompanhados com atenção.

[3] http://www.obt.inpe.br/OBT/noticias/alertas-do-deter-na-amazonia-em-junho-somam-2-072-03-km2

[4] Dados referentes ao mês de junho estimados a partir da Figura 1.

[5] Essa dificuldade reforça o problema de se tomar um mês isolado para avaliar a variação de desmatamento. O INPE costuma advertir em todos os seus boletins de desmatamento para um problema adicional que é a forte influência das condições de visibilidade sobre o valor da avaliação mensal.

[6] Corresponde á Figura 2 com a curva de ajuste.

Relógio de Sol

imagem do relógio de sol construído

Relógio de Sol

Os relógios de sol estão na origem do desejo humano de captar a trajetória do Astro Rei que governava o tempo, o clima e as colheitas. Gregos, romanos, árabes, astecas, maias, chineses, saxões e até nossos índios tinham formas de registrar seus movimentos.

Figura 1: Posição do eixo da Terra relativa à elíptica da Terra (raios de sol perpendiculares à imagem)
Ilustração: BlueRingMedia / Shutterstock.com

A possibilidade de usar o Sol como relógio vem da inclinação do eixo de rotação da Terra relativo ao plano de nossa elipse em torno do Sol. Uma boa ilustração e explicação V. encontra no site infoescola.

https://www.infoescola.com/astronomia/inclinacao-axial-da-terra/

A inclinação axial da Terra é o ângulo formado entre o eixo de rotação e a linha perpendicular ao plano orbital. A inclinação do eixo da Terra atual é de 23°26’21” (vale a pena tentar saber a razão de se falar em “atual”).

O segredo de qualquer relógio de sol é conseguir um ponteiro que fique paralelo ao eixo de rotação da Terra.

Esse eixo imaginário “perfura” a Terra aproximadamente  nos locais onde se localizam os polos magnéticos da Terra ( V. pode investigar porque “aproximadamente”). Por essa razão, para conseguirmos que nosso ponteiro esteja paralelo ao eixo da Terra temos que apontá-lo na direção Norte Sul e incliná-lo em relação à horizontal correspondente à nossa latitude em relação ao Equador.

No meu caso, estou em BSB e meu celular indica, com auxílio do seu GPS, que estou situado nas coordenadas 15°48’48”S, ou seja, estou aproximadamente 16° abaixo do Equador. A outra coordenada, 47°48’27”O (Oeste), também é importante para nosso relógio de sol.

Para fazer meu relógio de sol aqui em Brasília, tenho que praticamente apontar meu “ponteiro” para o norte e incliná-lo em 16°. O relógio mais simples que artesanalmente podemos fazer é um bastão enfiado no centro de um disco e apontá-lo para o Norte como indicado na Figura 2.

Figura 2: Esquema do mais simples relógio de sol

Lembre-se: no hemisfério Sul apontar para o Norte, e vice-versa.  A inclinação do eixo deve ser a latitude do lugar. As horas devem ser marcadas no mostrador de ambos os lados, igualmente espaçadas já que metade do ano o sol baterá de um lado e a outra metade do outro. as marcações das horas deve ser espelhada de maneira que as marcações das horas coincidam nos dois lados

 As datas que ele estará perpendicular ao disco correspondem aos equinócios de primavera e outono. A sombra do disco marcará a época do ano e pode ser usada para saber em que época do ano estamos. Quando ela estiver no máximo de um lado será a data do início do inverno, do outro lado, será o do verão, são os solstícios. Bem ajustado, o prolongamento de nosso disco coincidirá com o equador celeste indicado na Figura 1.

Nem todo o mundo possui em casa uma bússola, mas quase todos, que têm acesso à internet, têm também por perto um celular do tipo smarthphone . Esses equipamentos costumam ter aplicativos disponíveis que simulam uma bússola e um GPS.

No caso do iphone, o aplicativo usualmente já vem instalado e contem todas as informações necessárias para construir um relógio: indicação da direção Norte, coordenadas do lugar e um nível que fornece o ângulo do celular em relação à vertical e à horizontal, como mostra a Figura 3 (o aplicativo aponte para o Norte geográfico ou “verdadeiro, ver Observação no final).

Figura 3: Aplicativo bússola, para iphone, que também fornece sua localização e mede a inclinação de seu aparelho

A partir dessa geometria básica, ponteiro do relógio paralelo com o eixo de rotação da Terra, podemos pensar em vários modelos diferentes. Muitos já fizeram isso ao longo dos séculos. Você encontra exemplos procurando “modelos de relógio de sol” em um aplicativo de buscas (cuidado: muitos relógios de sol de sites, sobretudo os escolares no Brasil, apresentam relógios de sol que não  fornecerão o horário correto).

Apenas um lembrete, o relógio de sol fornece a hora solar. Por uma questão de praticidade, foi adotado em quase todos os países faixas de fuso horários com deslocamentos inteiros de horas em relação  à uma referência. As horas são contadas a partir de um meridiano que passa pelo observatório inglês de Greenwich. Muito natural na época em que a Inglaterra era a senhora do mundo e Londres era a capital econômica mundial. A partir desse meridiano, são assinalados, de 15 em 15 graus, meridianos que centralizam os fusos horários. No caso, a “hora de Brasília” é a oficial da maior parte do território brasileiro, também designada por GMT – 3. Os fusos horários mundiais podem ser visto na Figura 4.

Figura 4: Fusos horários mundiais mostrando que eles se adaptam à conveniências políticas – Fonte: IBGE

No caso, as coordenadas em que estou estão a 47°48’ a Oeste de Greenwich, ou seja, a 2°48’ ao Oeste da hora exata de GWT – 3 que passa em 45°, aproximadamente em Belo Horizonte MG.

Como 15 graus equivale a uma mudança de horário de 1 hora, cada grau de longitude equivale a 4 minutos (de tempo). Lembrar que a mesma palavra “minuto” é usada para dividir graus (medida angular) e hora (tempo). Ou seja, quando o relógio de sol estiver no ponto inferior do disco ainda faltará é 11,2 minutos para ser meio dia na “hora de Brasília” oficial.

Se V quiser que seu relógio de sol marque o horário oficial V. tem que dar uma pequena fração de rotação de cerca de 3° no disco. A maneira prática de fazer isto é “acertar” o relógio manualmente ao meio dia.

Adotando o princípio descrito, acabo de finalizar (provisoriamente) um relógio de sol feito com duas “formas de queijo” como as usadas em minha Minas Gerais. Elas formam um relógio bastante simpático. O ponteiro ainda está improvisado, queria soldar cuidadosamente um fio de bronze no centro mas minha aparelhagem caseira de solda não é suficiente. Os detalhes estão mostrados na Figura 5.

Figura 5: Formas de queijo transformadas em um relógio de sol, marcando 16h30

O rústico ponteiro se apoia nas armações laterais para ser fixado no centro do cilindro, este ponteiro é colocado na direção Sul-Norte., em um ângulo de 16° em relação à horizontal. Na superfície interna, foram traçadas as divisões das horas.

Figura 6: Aplicativo bússola sendo usado para ajustar o relógio de sol

Esse mesmo tipo de relógio pode ser feito com tubos de pvc para esgoto. Já fiz um, não ficou tão charmoso como o de formas de queijo, mas é igualmente instrutivo.

Reflexão de um físico idoso:

Desde criança, me interessei pelo movimento dos astros. Tendo morado no interior em uma cidade onde a poluição atmosférica era baixa e o sistema elétrico falho, me maravilhei com a via láctea, estrelas e principalmente com a misteriosa movimentação dos planetas. Talvez isso me tenha motivado ao estudo da Física.

Hoje, a urbanização, a poluição atmosférica e as luzes da cidade ocultam dos olhos das novas gerações a maravilha do céu. Muitos, cegos pela luz das cidades e o desinteresse, passarão a vida sem ver um céu realmente estrelado. Restou o Sol que ainda impõe sua presença, mas também existem muitos habitantes urbanos que não são capazes de localizar onde ele nasce e se põe na selva de pedra em que vivem que, simplesmente, não oferece horizontes.

Não é de se admirar que pessoas se comuniquem hoje pelos satélites da internet para reforçarem sua crença na Terra Plana que, no passado, derivava da observação absolutamente ingênua da natureza, que a observação dos astros ajudou a dissipar. Diante de seus computadores, qualquer ideia primitiva pode parecer válida, na ciência e na política.

Vivemos em uma época de virtualidades e o homem perde o contato com a realidade experimental capaz de fornecer perguntas que nos fazem avançar e algumas pequenas certezas. Ademais, para qualquer pergunta, encontramos a resposta no Google que pode nos cortar a investigação. Mas também, o mesmo instrumento nos pode fornecer informações que nos fariam avançar mais rapidamente. Novas circunstâncias que desafiam os educadores a instigar em seus alunos o verdadeiro interesse pela investigação.

Oxalá eu tenha conseguido, com esse relógio de sol, despertar esse interesse em meu neto.Figura 7: Despertando o interesse?

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Observação: Se V. está usando uma bússola magnética ela aponta para o norte magnético e V. tem que fazer uma correção que corresponde ao deslocamento entre esse polo e o geográfico. O aplicativo do iphone já vem com essa correção. V. pode verificar sua opção em ajustes / bússola entre “verdadeiro” e magnético (ativar o “verdadeiro”). Essa diferença (declinação magnética) está em cerca de 22W em Brasília, ela varia com o local e o tempo. O site da NOAA fornece esse valor para cada lugar e também em função do tempo.  https://www.ngdc.noaa.gov/geomag/calculators/magcalc.shtml?useFullSite=true#declination 

Existe toda uma questão interessante para quem estiver curioso sobre o assunto  deslocamento do polo magnético norte que está caminhando do norte do Canadá para a Sibéria. Esse fenômeno vem se acelerando nos últimos anos e é fonte de uma interessante discussão científica. Veja matéria sobre isso em https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2019/02/o-norte-magnetico-acabou-de-mudar-veja-o-que-isso-significa 

Dívida Externa e PII Saíram do Biombo do BC?

E&E N¤ 103 abril/junho de 2019

Opinião:

A Dívida Externa e o Passivo Externo saíram do Biombo

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra

Resumo

O Banco Central do Brasil vinha, até 2017, corroborando a ideia de que “a dívida externa acabou”.

No início de 2018, o BCB ensaiou mostrar, em Nota para a Imprensa, o valor completo da dívida externa bruta que era praticamente o dobro da anteriormente anunciada. Os números não eram verdadeiramente novos, simplesmente estavam escondidos por um biombo que separava as notas escritas das planilhas, divulgadas como anexo.

No restante de 2018, entre a Nota à Imprensa e as tabelas, voltou a ser colocado um biombo que camuflou a dívida total no resto do ano. Também apareceu e desapareceu o item sobre Posição Internacional de Investimentos que revela um passivo externo bruto de 1,4 US$ trilhão.

Em março de 2019, o BCB divulgou notas que mostravam uma dívida externa bruta de 677 bilhões de dólares e uma dívida líquida de US$ 285 bilhões. Nos meses seguintes, houve um aparente retrocesso, mas os números da Nota para a Imprensa sobre o Setor Externo voltaram a mostrar os números completos em junho.

Palavras chave:

Dívida externa, posição internacional de investimentos, PII, dívida externa líquida, reservas internacionais, FMI, balanço de pagamentos.

Sumário

A Dívida Externa e o Passivo Externo saíram do Biombo.

Resumo.

Palavras chave:

  1. Dívida Externa e PII nas Notas para a Imprensa do Banco Central
  2. As Idas e Vindas da Dívida no Biombo do Banco Central ou Como manter viva a Ilusão do Fim da Dívida Externa
  3. A Nova Forma de Apresentação da Dívida Externa
  4. A Evolução do Valor das “Dívidas”
  5. A Dupla Face da Dívida
  6. Dívida Externa do Brasil Comparada com a de Outros Países do Terceiro Mundo

6.1    Dívida Externa Bruta

6.2    Dívida Externa Líquida

  1. Dívida Externa Incluindo Países Desenvolvidos
  2. Conclusões 27
  3. Bibliografia

Anexo 1: Tabela da Dívida Externa Bruta (DEB) e Líquida por País (DEL), Dados WDI – Banco Mundial


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1.    Dívida Externa e PII nas Notas para a Imprensa do Banco Central

O Banco Central do Brasil – BCB introduziu dois novos itens no texto das notas mensais para a imprensa sobre Estatísticas do Setor Externo[1]: Posição Internacional de Investimentos – PII e Dívida Externa. É uma novidade, pois normalmente, os títulos se repetem a cada nova edição, variando o conteúdo relativo ao mês. Durante anos constavam, no austero estilo do BCB, os títulos que se resumiam a três: Balanço de Pagamentos, Reservas Internacionais (cinco ou seis linhas) e Dívida Externa. Ocasionalmente, outros itens eram acrescentados para assinalar modificações. Até 2017, o valor da dívida mencionado era apenas o relativo a dívidas bancárias. Não eram incluídos os itens relativos às operações intercompanhia e títulos de renda fixa em mãos de não residentes, conforme estipula o Manual do FMI que orienta a elaboração das contas nacionais.

O valor tradicional da dívida externa até 2017 e as linhas sobre a reserva serviam de biombo para dizer que tudo estava tranquilo na área da dívida externa. Essa era a versão da nota escrita; já nas planilhas anexas, era apresentada uma realidade menos otimista do que os textos da nota de março de 2019 (Banco Central do Brasil 2019) revelaram claramente.

Com efeito, a Nota[2] apresentou o valor total da dívida externa como de 666 bilhões de dólares, rompendo a prática de tomar como referência apenas a parcela correspondente a empréstimos externos de 321 US$ bilhões. Também apresentou e discutiu a Posição Internacional de Investimentos – PII cujo valor do Passivo atingiu 1,5 trilhão de dólares em fevereiro de 2019[3].

Deve-se louvar a clareza da postura da nova direção do Banco Central ao abordar esses assuntos de forma clara e transparente[4].

2.    As Idas e Vindas da Dívida no Biombo do Banco Central ou Como manter viva a Ilusão do Fim da Dívida Externa

No ano de 2007 o país celebrava o fim da dívida externa e a Revista ISTOÉ comentava:

A dívida externa acabou – Segundo o Banco Central ela era de 194,6 bilhões em outubro, aí contando as dívidas dos governos e das empresas privadas. Atualmente as reservas estão em torno de US$ 176 bilhões. Estima-se que até março de 2008 a dívida total será igual ao nível de reservas. Mas o País nem precisaria chegar a tanto para decretar o fim dessa ameaça que paralisou o Brasil em duas moratórias (1982 e 1998) e em outras duas agudíssimas crises de liquidez (1992 e 1998).

Por LUCIANO SUASSUNA E LANA PINHEIRO em 26/12/07

https://istoe.com.br/6798_A+ERA+DA+COMPETICAO/

__________

Esses números podem ser confirmados na série de notas que o Banco Central do Brasil mantém a disposição do público[5] desde janeiro de 1998. A verdade que pode ser extraída destes dados é que o fim da dívida externa, no conceito que era adotado na época, realmente existiu, por volta de 2008, um momento em que as reservas internacionais superaram as dívidas. A evolução temporal da dívida externa será discutida no próximo item, mas com os dados recuperados na metodologia do BPM6 onde a dívida externa foi revista para cima.

No ano de 2017, as notas para a imprensa do setor externo apresentaram dívida externa bruta e reserva, aproximadamente, estáveis. Na Nota de janeiro de 2018 constava:

Ou seja, a dívida líquida seria de cerca de – US$ 60 bilhões de dólares, que corresponde a um superávit, de mesmo valor absoluto. Esperava-se, logicamente com isso, induzir confiança junto ao público interno e, frente aos parceiros no setor externo, nas contas externas brasileiras.

No mês seguinte, o BCB informa uma dívida externa bruta que é quase o dobro da dívida do mês anterior sem oferecer na Nota nenhuma explicação para a mudança.

A data errada (janeiro de 2017, ao invés de janeiro de 2018) faz pensar que fosse um possível “erro do estagiário” momentaneamente encarregado de preencher a Nota. O que se segue, na descrição da dívida, no entanto, mostra que o BCB finalmente estaria informando para o público brasileiro o que já informava às autoridades monetárias internacionais: uma dívida bruta de cerca de US$ 700 bilhões que as tabelas anexas já registravam.

Surpreendentemente não houve reações negativas por parte da imprensa. Talvez isso tenha ocorrido pela estratégia de idas e vindas adotada pelo BCB, talvez porque os que realmente têm capacidade de acompanhar os dados o fazem a partir das tabelas anexas. De qualquer forma, uma mudança dessa ordem em uma nota para a imprensa talvez só tenha passado despercebida pelos momentos tumultuados que vivíamos na época (tratativas do impeachment).

No mês seguinte, o dado foi confirmado no mesmo valor de US$ 676 bilhões, para fevereiro de 2018, desta vez com a data certa, nada foi dito sobre a dívida externa.

Nos meses que se sucederam não se fez mais menção do valor da dívida externa: só figura o título “reservas internacionais” e seu valor é comparado com uma fração do valor da dívida externa “tradicional”, prolongando a ilusão sobre o desaparecimento da dívida externa. Eis o texto mostrado em outubro de 2018 sobre as reservas:

Desse modo, as reservas eram mostradas como o triplo de uma fração da dívida tradicional que exclui (como indicam os parênteses) os itens recomendados pelo FMI. Foi retomado o procedimento já adotado durante todo o ano de 2018.

Finalmente, no ano de 2019, o Banco Central já passou a mencionar explicitamente em três das seis notas emitidas o valor da dívida externa completa. Espera-se que tenham cessado as recaídas da dívida externa para trás do biombo o que ainda ocorreu na metade dos boletins divulgados neste ano. Dentro de um novo formato gráfico, adotado a partir de maio de 2018, a dívida externa é mostrada com todos os seus componentes em gráfico atualizado, aproveitando de uma maneira mais clara todo o denso conteúdo sempre oferecido nas planilhas anexas. Também houve progresso importante na maneira de apresentar os dados do balanço de pagamentos.

3.    A Nova Forma de Apresentação da Dívida Externa

Em março de 2019, a Nota informava:

Ou seja, o Banco Central disse, com todas as letras, que a dívida externa é de cerca de US$ 670 bilhões, como é mostrado na Figura 1 que também consta da Nota. De certa forma, o texto desta vez foi mais longe que a planilha ao nominar “dívida externa” o valor do último item que recebe, na planilha, a longa denominação “dívida externa bruta, inclusive operações intercompanhia e títulos de dívida negociados no mercado doméstico”.

Figura 1: Ilustração sobre a dívida externa cujo valor em fevereiro de 2019 era US$ 677 bilhões (667 em dezembro de 2018)
Fonte: BCB Nota para a Imprensa de março de 2019.

Dentro da definição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição Internacional de Investimentos 6ª edição – BPM6 (IMF 2009) seria mais correto chamar este total de “dívida externa bruta”, como mostra a Tabela 1[6].

Na Tabela 1 podem-se ver os valores para as “dívidas externas” brasileiras, sendo o item “A” utilizado para designar o que poderíamos chamar de “valor tradicional da dívida externa”. Os dados dessa tabela são apresentados para 2017, dezembro de 2018 e fevereiro de 2019; os correspondentes aos trimestres anteriores podem ser lidos na Figura 1 já mostrada.

A “dívida externa”, divulgada pela Nota do Banco Central, corresponde ao item E inclui as operações intercompanhia e os títulos de renda fixa negociados no mercado doméstico em posse de “não residentes”. Nas publicações internacionais, usa-se ainda o item C da Tabela 1, supostamente para manter a coerência no tratamento dos diversos países que ainda não se adaptaram às últimas modificações introduzidas pelo FMI.

Pela Tabela 1, observa-se que o valor da dívida líquida, ao final de 2018, no conceito tradicional era de -4%; isso justificaria falar no “fim da dívida externa” já que as reservas internacionais representavam 21% do PIB e a dívida bruta 17% do PIB (item A). Já se adotando “o conceito FMI”, a dívida externa bruta (item E) seria 36%, resultando uma dívida líquida de 15% do PIB[7].

Na análise comparativa com outros países, feita a seguir, serão usados valores da dívida líquida relativa ao PIB de 2017, mas ao invés de se considerar o item E, considera-se a dívida mostrada no item C.

Tabela 1: “Dívidas Externas” segundo o Banco Central em US$ bi (*)

4.    A Evolução do Valor das “Dívidas”

Os dados atuais revistos não mostram essa realidade. Isso acontece porque foram incorporados à nossa dívida externa, por orientação do FMI, valores antes considerados como investimentos. A Figura 2 é uma atualização do comportamento dos componentes da dívida que havíamos mostrado na revista E&E № 97. Mesmo os números atuais ainda indicam um período de conforto em relação à dívida externa que durou até a crise americana e mundial de 2008.

Figura 2: Dívida externa bruta com seus vários componentes comparados com as reservas internacionais (atualização de figura da E&E № 97)

A diferença entre a dívida externa bruta e as reservas é a dívida externa líquida. Como estamos tratando de três níveis de dívida bruta podemos distinguir os seguintes valores de dívida líquida: o tradicional (dívida 1), o incluindo as operações intercompanhia (dívida 2) e o que inclui os títulos de renda fixa (dívida 3), representados na Figura 3. O gráfico dessa Figura corresponde à subtração da linha preta representada na figura anterior do total e subtotais também nela mostrados. Para facilitar a interpretação, foram mantidas as cores nas duas figuras.

Figura 3: Comportamento das dívidas externas líquidas (dívida – reservas), dívida 1 (no conceito tradicional bancário), dívida 2 (incluindo operações intercompanhia) e dívida 3 (incluindo títulos da renda fixa)

Pode-se observar que os valores da dívida tradicional se tornaram nulos ou negativos a partir de 2008. Os valores da dívida 2 incluem os movimentos de capitais entre as sedes no exterior e as aplicações ou reaplicações nas filiais brasileiras. Como se acreditava que a economia do Brasil reuniria condições para resistir à crise mundial de 2008 houve essa movimentação de capitais aproveitando, inclusive, os incentivos oferecidos pelos governos federal e estaduais. Também adquiriram importância as aplicações de capital em títulos de renda fixa, em sua maioria, ofertados pelo Tesouro Nacional. Isto serviu para suprir necessidades de financiamento do Governo. Foram encaradas como sinal de prestígio do País embora tivesse engrossado a dívida interna, como se pensava. Acabou sendo contabilizada como dívida externa por indicação do FMI.

5.    A Dupla Face da Dívida

A dupla face da dívida externa corresponde, pois, a apresentar, para fins internos, o item A da Tabela 1 que se pode chamar de dívida externa bruta “tradicional” e, para fins externos, o item E (Tabela 1) da dívida “no conceito do FMI”.

Esta duplicidade não é um problema novo. O Banco Central sempre resistiu a incluir na dívida interna a dívida entre matriz e filial. A partir de 2015, com a adoção do BPM6 do FMI, o BCB passou a incluir também, nas tabelas da dívida, não só os investimentos, mas também os reinvestimentos das empresas de capital externo aqui instaladas[8]. Assim, passou a reconhecer as aplicações, em moeda local, de não residentes (item D) e adicionou uma parcela ao item C. Com isso aumentou a dívida externa de cerca de 120 bilhões de dólares em 2015.

Esse apego ao conceito tradicional da dívida tem suas justificativas políticas e está relacionado a um suposto desaparecimento da dívida externa, bastante comemorado pelos governos anteriores, no que seria o “fim da dívida externa”, como já comentamos anteriormente.

Desse modo, a reserva internacional era (ou é[9]) comparada a uma parte da dívida externa bruta que não inclui as parcelas que o Manual do Balanço de Pagamentos do FMI recomenda e que o BCB aceitou.

6.    Dívida Externa do Brasil Comparada com a de Outros Países do Terceiro Mundo

6.1 Dívida Externa Bruta

O Banco Mundial publica os indicadores mundiais WDI (Banco Mundial 2018) com base nas informações dos países. Os últimos dados compilados para o Brasil são de 2017.  Neles, o Estoque da Dívida Externa registrado é de US$ 543,3 bilhões, o que é coerente com o item C mostrado na Tabela 1 e, portanto, não incorpora ainda o item D da tabela. Este foi acrescentado à dívida externa brasileira em 2015 com a adoção da nova sistemática do FMI para a apuração do balanço de pagamentos (BPM6)[10].

A base de dados WDI (Banco Mundial 2018), fornece os dados econômicos principais ao longo de vários anos para a quase totalidade dos países. Para a dívida externa, no entanto, o Banco Mundial não publica os dados para os países mais ricos (quase todos da OCDE), nem de alguns outros (Argentina, Cuba, Coreia do Norte, etc.) bem como de alguns países da África. O mapa dos países em que o Banco Mundial divulga os dados da dívida quase coincide com o do chamado Terceiro Mundo. Por essa razão, usamos os dados do Banco Mundial para a comparação com os países do terceiro mundo e os do FMI quando desejávamos fazer comparações mais abrangentes.

A comparação dos dados da dívida externa nos diversos países oferece detalhes interessantes que merecem uma análise complementar. Para a finalidade deste artigo, vale a pena se concentrar na fração do PIB comprometida com a dívida externa bruta.

A Figura 4 permite comparar o conjunto de países em relação ao endividamento médio relativo ao PIB em 2017, que foi de 25% para os países do terceiro mundo. Este valor é baseado na razão dívida total / PIB total e consiste em uma média ponderada que toma como peso o valor do PIB[11].

Figura 4: Valores da dívida bruta de países do terceiro mundo relativos à média – Dados: WDI Banco Mundial

Note-se que os valores da dívida externa brasileira, divulgados internacionalmente (27% do PIB), estão ligeiramente acima da dívida média dos países do terceiro mundo (25% do PIB). Deve-se assinalar que esse valor ainda não inclui a parte dos títulos de renda fixa. Isso elevaria o comprometimento com a dívida a cerca de 33% do PIB brasileiro. Como, quase certamente, o Banco Mundial está aplicando um procedimento homogêneo para os vários países, é melhor fazer as comparações com os dados fornecidos por essa base de dados.

Na Tabela 2, estão indicados os valores das dívidas externas bruta e líquida para alguns países selecionados; a tabela completa é mostrada no Anexo 1.

Comparando a situação da dívida externa bruta com os demais componentes do BRICS, a situação do Brasil (27% do PIB) é intermediária entre a da Rússia (32%) e da Índia (20%), pior que da China (14%) e melhor que a África do Sul (52%).

O nível atual da dívida bruta brasileira está pouco acima da média dos países do terceiro mundo. Mesmo não sendo uma posição inteiramente confortável, essa posição não é ainda motivo de alarme. Definitivamente, esse não é o fator determinante da crise econômica atual.

Deve-se lembrar que os países do terceiro mundo, após o chamado Consenso de Washington, motivado pela crise mexicana da década de oitenta, tiveram sua capacidade de endividamento monitorada. Também se deve ter em conta que a capacidade de endividar inexiste para países de baixa confiabilidade. Se um baixo endividamento fosse um parâmetro sempre positivo o Iran (dívida de 1,4% do PIB) estaria em ótima posição. Face ao cerco econômico instalado, o crédito com países do ocidente é praticamente inexistente e como consequência, seu endividamento é praticamente nulo.

Países do terceiro mundo com alto grau de endividamento como a Ucrânia, Mongólia e Moçambique normalmente estão em situação estrategicamente importante ou a situação simplesmente fugiu do controle. A Venezuela, país mais próximo em crise, está acima da média dos países do terceiro mundo, mas não teve condições de se endividar além de 45% do PIB (25% nos dados do FMI)[12].

Tabela 2: Dívida Externa de Países Selecionados

Nome do paísDívida Externa Bruta
em % do PIB
Dívida Externa líquida
em % do PIB
África do Sul52,037,1
Angola31,616,7
Argélia3,4N/D
Brasil27,08,4
China14,0-12,5
Colômbia41,325,2
Egito, Rep. árabe35,920,1
Equador39,336,7
Etiópia33,229,4
Haiti26,2-2,3
Índia19,83,9
Indonésia36,022,8
Irã, Rep islâmica.1,41,4
Líbano141,734,1
México40,524,9
Moçambique100,870,8
Mongólia285,5256,3
Paquistão26,320,5
Paraguai57,021,3
Peru33,62,1
Rússia32,03,9
Turquia54,141,3
Ucrânia98,482,0
Venezuela45,0N/D
Média 5737

6.2 Dívida Externa Líquida

Também é interessante mostrar os dados da dívida externa líquida (dívida bruta – reservas internacionais) em função do PIB para os países do terceiro mundo (Figura 5). Os principais dados estão também na Tabela 2.

Figura 5: Dívida externa líquida de países do terceiro mundo, mostrando uma nítida divisão entre a China e os demais países; Rússia e Índia estão na média, os outros estão abaixo.

Quanto à dívida líquida, até pouco tempo motivo de orgulho nacional, o Brasil apresenta um valor de 8% do PIB. Em comparação com os BRICS, a China, com “dívida líquida negativa” de 12% do PIB é a que se apresenta em melhor situação, seguida de Rússia e Índia, com a dívida líquida de apenas 4% do PIB. Só a África do Sul está em pior situação com uma dívida líquida de 37% do PIB.

Deve ser lembrado que os BRICS representam 71% do total do PIB dos países listados no Anexo 1, sendo que o Brasil ocupa 8% nesse total e a China 46%. O que vemos nesse conjunto é que os países se dividem entre a China que acumula crédito externo e os outros países que são devedores. Rússia e Índia, com cerca de 4% do PIB em dívida líquida estão na média.

Na média ponderada da dívida que é a que deve interessar, o Brasil apresenta uma dívida externa líquida  quase o dobro da média (4,5% do PIB) dos demais países da lista[13]. Ou seja, se a dívida externa não é a maior preocupação do Brasil na presente crise, tão pouco ele está em posição muito confortável em relação ao conjunto dos países do terceiro mundo. No próximo item será mostrado que a situação do Brasil em relação à dependência do capital externo é um destaque negativo que precisa ser corrigido. Esta dependência é mais bem mostrada pelo passivo na Posição Internacional de Investimentos.

7.    Dívida Externa Incluindo Países Desenvolvidos

A comparação do Brasil com países do Terceiro Mundo é a mais apropriada para avaliar a situação do país. Vale a pena, no entanto, examinar os dados mais abrangentes do FMI (IMF 2019) que fornecem uma lista quase completa dos parâmetros necessários (dívida bruta, reservas e PIB) para os vários países. Foram usados os dados para 2017 para a grande maioria dos países, sendo que, para alguns poucos, foram usados dados de 2016 ou 2015. A Figura 6 mostra os resultados dessas comparações em uma escala também modificada[14].

Figura 6: Dados do FMI para a dívida bruta em percentual do PIB, incluindo países da OCDE e alguns outros.

O valor 100, percentual do PIB comprometido com a dívida bruta, tomado como referência na Figura 6, praticamente coincide com o endividamento médio dos países (total da dívida / total do PIB) que representa a média ponderada dos coeficientes tomando o PIB como peso. Esse valor médio é 104% para os 160 países estudados.

Pode ser observado na Figura 6, que os valores europeus estão acima da média. Eles aparecem destacados na Figura 7, onde se vê que os valores desse indicador são notoriamente altos na Europa Ocidental.

Figura 7: Destaque dos dados da dívida externa mostrados na figura anterior para países europeus, assinalando onde estão concentradas as dívidas mais significativas.

Pode-se ver, na Tabela 3, que a dívida externa, na atualidade, é um problema que enfrentam principalmente as economias centrais: Grécia (226% do PIB) e Portugal (216%), países da OCDE não propriamente ricos, têm dívidas brutas que excedem 200% do PIB e tiveram problemas com isto. Já países como Suíça (269%), França (213%), Bélgica (265%), Reino Unido (313%) e Países Baixos (522%), que estão entre os ricos, superam também esse limite sem apresentarem problemas imediatos de liquidez. Pequenos países como Luxemburgo superam os mil % de dívida bruta. Países cujos bancos recolhem depósitos de outros países apresentam, frequentemente, índices muito altos de dívida externa / PIB. Isto é válido para Reino Unido, Suíça e pequenos países que funcionam como paraísos fiscais.

A comparação com a dívida externa líquida que também poderia ser interessante fica prejudicada pela falta de dados referentes às reservas.

Tabela 3: Dívida Externa Bruta em % do PIB para as 50 maiores economias no mundo (dados do FMI)

País           DEB
         % PIB
                PaísDEB
%PIB
Estados Unidos115Tailândia33
China15Noruega169
Japão74Áustria167
Alemanha141Em. Árabes Unidos59
França213Filipinas25
Reino Unido313Nigéria3
Índia18Hong Kong, China35
Brasil30Israel26
Itália124África do Sul48
Canadá115Dinamarca163
Rússia40Paquistão36
Coreia, Rep.27Cingapura453
Espanha167Malásia75
Austrália126Colômbia43
México38Chile66
Indonésia34Irlanda64
Peru53Bangladesh12
Países Baixos522Finlândia196
Arábia Saudita31Egito41
Suíça269Portugal216
Argentina66Vietnã26
Suécia177Venezuela23
Polônia70Romênia55
Bélgica265Grécia228
Irã2Peru38
      

No próximo número da E&E, será abordado o montante total de nosso passivo externo, atualmente na casa de 1,5 TRILHÕES DE DÓLARES e que segue crescendo.

8.    Conclusões

A dívida externa deve voltar à agenda nacional de preocupações. Não se trata, porém, da dívida bancária que é negativa (superada pelas reservas) e cuja limitação decorre simplesmente da falta de crédito brasileiro.

Depois do “Consenso de Washington” o Brasil e os demais países do terceiro mundo não tem mais cartão de crédito, só de débito. Seus cidadãos “negativados” já conhecem essa prática.

O que nos preocupa agora são as aplicações e reaplicações de capital externo de “não residentes” que o FMI determinou que fosse incluído em nossa dívida externa e que passaram a ser de nossa responsabilidade coletiva. Dívida externa que cresce na medida em que entra o capital externo para adquirir bens reais ou simplesmente quando os lucros aqui obtidos são reaplicados.

9.    Bibliografia

Banco Central do Brasil . “Notas para a Impresnsa – Setor Externo.” Histórico de estatísticas. BCB. Março de 2019. https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/ni201903sep.zip (acesso em abril de 2019).

Banco Mundial. “World Development Indicators.” datatopics.worldbank. World Bank. 2018. http://datatopics.worldbank.org/world-development-indicators/ (acesso em 2019).

IMF . BPM6- Balance of Payments and International Investment Position Manual – Sixth Edition. Washington DC, USA: International Monetary Fund, 2009.

IMF. “IMF Data.” International Monetary Fund. 2019. http://data.imf.org (acesso em may de 2019).

Anexo 1: Tabela da Dívida Externa Bruta (DEB) e Líquida por País (DEL), Dados WDI – Banco Mundial

Código do PaísNome do paísDEL
% PIB
DEL
% PIB
AFGAfeganistão12,1N/D
ZAFÁfrica do Sul52,037,1
ALBAlbânia69,442,0
AGOAngola31,616,7
DZAArgélia3,4N/D
ARMArmênia85,966,8
AZEAzerbaijão39,122,0
BGDBangladesh18,15,3
BLRBelarus75,661,6
BLZBelize82,963,7
BENBenin31,331,6
BOLBolívia35,7N/D
BIHBósnia e Herzegovina79,844,6
BWABotswana10,2N/D
BRABrasil27,08,4
BGRBulgária70,620,4
BFABurkina Faso25,026,2
BDIBurundi17,716,3
BTNButão113,361,7
CPVCabo verde104,467,1
CMRCamarões30,321,0
KHMCamboja57,20,6
KAZCazaquistão118,494,3
TCDChad31,932,1
CHNChina14,0-12,5
COLColômbia41,325,2
COMComores25,3N/D
COGCongo, Rep.56,151,9
CODCongo, Rep. dem.14,012,0
CRICosta Rica47,534,0
CIVCote d’ Ivoire34,437,1
DJIDjibouti112,582,1
DMADominica54,817,2
EGYEgito, Rep. árabe35,920,1
SLVEl Salvador71,556,2
ECUEquador39,336,7
ETHEtiópia33,229,4
FJIFiji18,7N/D
PHLFilipinas19,4N/D
GABGabão45,137,0
GMBGâmbia, a65,932,9
GHAGana48,126,7
GEOGeórgia109,889,1
GRDGranada49,232,5
GTMGuatemala31,015,1
GUYGuiana43,528,1
GINGuiné14,35,2
GNBGuiné-Bissau24,324,3
HTIHaiti26,2-2,3
HNDHonduras40,618,6
SLBIlhas Salomão28,6N/D
INDÍndia19,83,9
IDNIndonésia36,022,8
IRNIrã, Rep islâmica.1,41,4
JAMJamaica103,276,6
JORJordânia75,375,3
XKXKosovo33,332,8
LAOLao PDR90,882,9
LSOLesoto31,6N/D
LBNLíbano141,734,1
LBRLibéria61,322,2
MKDMacedónia do Norte78,953,2
MDGMadagascar30,315,9
MWIMalawi35,122,6
MDVMaldivas32,217,4
MLIMali29,329,2
MARMarrocos46,522,0
MUSMaurícia77,633,5
MRTMauritânia85,267,9
MEXMéxico40,524,9
MOZMoçambique100,870,6
MDAMoldávia80,748,0
MNGMongólia285,5256,3
MNEMontenegro64,441,7
MMRMyanmar24,516,7
NPLNepal20,1N/D
NICNicarágua85,364,8
NERNíger41,841,8
NGANigéria11,0N/D
PNGPapua-Nova Guiné85,679,2
PAKPaquistão26,320,5
PRYParaguai57,021,3
PERPeru33,62,1
KENQuênia35,724,3
CAFRepública Centro-Africana37,418,8
KGZRepública do Quirguistão111,281,5
DOMRepública Dominicana41,131,6
ROURomênia53,131,5
RWARuanda37,427,4
RUSRússia32,03,9
WSMSamoa53,538,3
LCASanta Lúcia39,018,6
STPSão Tomé e Príncipe66,651,4
VCTSão Vicente e Granadinas42,718,6
SENSenegal56,243,3
SLESerra Leoa47,332,2
SRBSérvia e Montenegro89,658,7
SOMSomália40,342,1
LKASri Lanka59,149,6
SWZSuazilândia14,7N/D
SDNSudão20,320,1
THATailândia29,8N/D
TJKTajiquistão71,355,7
TZATanzânia35,423,7
TLSTimor-Leste1,9N/D
TGOTogo32,833,1
TONTonga39,1-6,7
TUNTunísia82,867,2
TKMTurquemenistão1,92,1
TURTurquia54,141,3
UKRUcrânia98,482,0
UGAUganda44,329,4
UZBUzbequistão35,034,3
VUTVanuatu46,0N/D
VNMVietnã48,825,8
ZMBZâmbia65,256,9
ZWEZimbábue59,145,0

N/D – Não Disponível

[1] Edições de fevereiro e março de 2019, da “Nota para a Imprensa”, Estatísticas do Setor Externo do Banco Central do Brasil.

[2] Nesse artigo, ”Nota” se refere ã Nota ã Imprensa de março de 2019 sobre o setor externo do Banco Central do Brasil.

[3] A Nota apresenta sempre os dados relativos ao mês anterior ao da publicação.

[4] Na verdade, os dados sempre estiveram disponíveis nas planilhas anexas; mas, entre o texto das notas para a imprensa e o conteúdo das tabelas anexas, havia o biombo agora rompido.

[5] Banco Central do Brasil

https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.gov.br%2Fhtms%2Finfecon%2Fnotas.asp%3Fidioma%3Dp

[6] Extrato da Tabela 19 na Nota original do Banco Central

[7] Diferenças de 1% podem resultar da aproximação adotada.

[8] Ao se incorporar esse rendimento, obtidos em reais ã dívida externa cria-se uma aberração contábil; este procedimento alimenta o chamado “hiato fiscal” já que não há realmente entrada de dólares e a dívida externa cresce. Não existe, assim, a necessária contrapartida contábil ao acréscimo da dívida registrado.

[9] Os dois itens desapareceram das notas dos meses abril e maio.

[10] Não está esclarecida a razão de não constar a parte da dívida externa referente aos títulos de renda fixa em mão de não residentes.  Como o BPM6 ainda está em fase de implantação em vários países, pode-se supor que está sendo aplicado um critério de homogeneização entre os países declarantes que indica adiar a divulgação desses dados. Ademais, existe certamente um problema de reavaliação dos dados passados com a nova metodologia.

[11] A média aritmética dos países é de 51%, mas isso não leva em conta o peso diferenciado dos grandes países.

[12] Países em crise institucional como a Venezuela costumam apresentar fortes oscilações no câmbio, com reflexos no valor do PIB, resultando em valores dispares entre as fontes e na mesma fonte ao longo dos anos. O fenômeno também aconteceu com o Brasil ao longo do período estudado.

[13] Na média aritmética dos países do terceiro mundo, o Brasil com 8% do PIB de dívida líquida está em situação mais favorável que a maioria dos países do terceiro mundo (37% do PIB). Esta média, no entanto, não leva em conta a importância relativa das economias envolvidas.

[14]  A escala usada é de 0 a 200, nessa escala, os países com dívida igual ou superior a 200% são representados com a intensidade máxima da cor correspondente.

Repensando o Sistema Elétrico Brasileiro

Prévia da Revista E&E Nº 102 

Palavra do Editor:

REPENSANDO O SISTEMA ELÉTRICO BRASILEIRO

O sistema elétrico brasileiro é sui generis pela predominância de energias ditas limpas, do ponto de vista da emissão de CO2. A nuclear faz parte deste tipo de energia e sua participação é de 3% da geração de eletricidade no Brasil.

A forte participação da energia hidráulica praticamente exigiu a criação de um sistema nacional integrado de eletricidade, administrado de forma centralizada. Esta configuração foi facilitada, até os anos noventa, pelo fato da geração e transporte de energia serem estatais. A gestão desse sistema cabia, na prática, à Eletrobras com suas empresas regionais, com algum contraponto da forte presença de geradoras e distribuidoras estaduais fortes.

A introdução da participação do capital privado nos anos noventa obrigou a mudança de estrutura do setor elétrico. Foi criado um órgão para gerir o Sistema Integrado Nacional Elétrico – SIN e uma agência para normalizar o setor. Empresas estatais foram privatizadas e outras abriram seu capital. Foi abandonada a regionalização das geradoras. Um sistema de leilões passou a reger as concessões. A conjuntura de abertura econômica e as características geográficas dos novos aproveitamentos impediu a construção de grandes reservatórios.

Uma reestruturação do mercado de energia elétrica foi feita sob forte influência do modelo britânico. Esta estrutura foi posta a prova no “apagão” de 2001 e isto abriu mais espaço para as térmicas convencionais na matriz de geração. Posteriormente foi aberto espaço para as novas renováveis, principalmente a eólica, e também para a biomassa. A nova estrutura não tinha preocupação especial com as regiões menos providas dos “três Brasis”. No terceiro Brasil, desprovido das energias integradas, estão as regiões isoladas do SIN onde, paradoxalmente, também estão as grandes possibilidades de geração hídrica futura.

A situação da energia nuclear não foi bem resolvida e continuou dependente de aportes estatais e engessada por uma fixação de tarifas que não possibilita novos investimentos.

As hidrelétricas construídas a partir da década de 1990 e as futuras não possuirão reservatórios significativos e operariam a “ fio d’água” onde a energia produzida é função da capacidade das turbinas instaladas e da vazão momentânea do rio que alimenta cada hidrelétrica sendo, portanto, mais sujeitas aos caprichos da natureza. Neste século tem sido crescente a utilização das fontes eólica, solar e biomassa intrinsecamente dependentes da natureza, aumentando a complexidade de atender e garantir o fornecimento de energia elétrica da maneira mais econômica possível minimizando o impacto ambiental. 

Estamos necessitando de uma nova visão do sistema elétrico brasileiro que leve mais em conta seu caráter tão especial. Para refletir sobre esse assunto, contamos com a colaboração de Othon Pinheiro da Silva, personagem de capital importância na história do desenvolvimento da energia nuclear no Brasil.

O trabalho aqui apresentado resultou de uma demanda feita a ele pelo Presidente do Clube de Engenharia. Procuramos acrescentar alguns detalhes e ilustrações ao trabalho que, fundamentalmente, segue a linha de pensamento do documento originalmente concebido para atender àquela solicitação.

Carlos Feu Alvim

 

Sumário

REPENSANDO O SISTEMA ELÉTRICO.

SISTEMA ELÉTRICO E   ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

Resumo.

Palavras chave:

  1. Energia Nuclear: Explosão Inicial
  2. Energia Nuclear para Gerar Eletricidade.
  3. Energia Núcleo Elétrica no Brasil 
  4. A Tradição Hidroelétrica.
  5. A Reforma do Sistema Elétrico dos Anos 1990
  6. Repensando o Sistema Elétrico. 
  7. Os três Brasis.
  8. O Futuro da Energia Nuclear no Brasil 

Bibliografia

 

 

Opinião:

SISTEMA ELÉTRICO E
 ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

Othon Pinheiro da Silva, Olga Mafra e Carlos Feu Alvim

Resumo

A energia nuclear é a mais recente das fontes energéticas que utiliza a humanidade e está completando oitenta anos.

Sua utilização inicial foi bélica e isto marcou seu futuro. Sua utilização pacífica na geração de energia nuclear se dá principalmente na geração elétrica, mas é também muito relevante o uso de isótopos na medicina. A energia nuclear é hoje reconhecida como caminho eficaz para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Na matriz energética brasileira, ela tem a participação de 3% e permanecerá com uma participação minoritária na matriz energética brasileira nas próximas 3 décadas.

A abertura econômica dos anos de 1990 tentou reorganizar o sistema elétrico de maneira a admitir a maior participação do capital privado e, forçada pelo “apagão de 2001”, incorporou novas fontes de na geração de eletricidade. O sistema adotado, com forte influência do exemplo termoelétrico britânico, apresentou problemas que precisam ser equacionados levando melhor em conta suas características próprias e sua complexidade econômica, geográfica e climática. A impossibilidade construir grandes reservatórios incluiu a energia hídrica entre as fontes sujeitas aos caprichos da natureza como a eólica, solar e biomassa,.

A solução dessas complexidades demanda uma reforma do sistema elétrico que necessita de energia estável de base, onde a nuclear deve colaborar e também para cobrir as oscilações do sistema com melhor uso dos reservatórios e o ocasional uso de fontes térmicas.

Palavras chave:

Sistema elétrico, energia nuclear, geração de eletricidade, gestão, clima.

1.    Energia Nuclear: Explosão Inicial

A energia nuclear é a mais recente entre as fontes disponíveis de energia utilizadas pela humanidade. A descoberta da fissão nuclear ocorreu em 1938/1939 quando Otto Hahn submeteu e publicou seus resultados experimentais e Lise Meitner e Otto Frish completaram a interpretação dos experimentos de Otto Hahn (Atomic Archive). A energia nuclear está, portanto, completando 80 anos de idade[1].

Como a descoberta da fissão nuclear coincidiu com o início da Segunda Guerra mundial, sua primeira aplicação foi bélica. A humanidade tomou conhecimento da energia nuclear em 1945 com os holocaustos de Hiroshima e Nagasaki que provocam até hoje no ideário popular natural rejeição a esta fonte de energia.

Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, teve inicio a geopolítica bipolar onde o mundo foi dividido em dois grandes blocos, o Ocidental liderado pelos Estados Unidos e o Bloco Soviético liderado pela então União Soviética (cuja sucessora é a Rússia).

A ONU foi criada em 1945 e os cinco países, considerados os vencedores da Segunda Grande Guerra Mundial, EUA, União Soviética, Reino Unido, França e China, ocuparam os lugares permanentes no Conselho de Segurança da ONU, tendo poder de veto. Não por coincidência, estes mesmos países foram os primeiros a se juntar ao “Clube Nuclear”, entre 1949 e 1964[2]. A China foi, até 1971, representada pelo governo nacionalista de Taiwan. A partir daquele ano, a Resolução 2758 (UN, 1971) da Assembleia Geral da ONU estabeleceu a República Popular da China como representante daquele país na ONU e no Conselho de Segurança.

Foi estabelecida uma corrida armamentista, entre estes dois grandes blocos, que priorizava a fabricação de bombas atômicas e mísseis de longo alcance para transportar as ogivas nucleares. Na década de 1950, as bombas nucleares tiveram sua capacidade de destruição “exponenciada” com o desenvolvimento das bombas nucleares que usam a fusão nuclear (comumente conhecida como Bomba H, de hidrogênio). A corrida armamentista continuou crescendo até que ambos os blocos entenderam o conceito MAD – Mutual Assured Destruction (destruição mutua assegurada). Acordos entre as duas maiores potências e o fim da Guerra Fria levaram a uma sensível redução das ogivas nucleares e a quantidade delas diminuiu. Atualmente, o número está estável, mas ainda foi mantido um considerável estoque mundial de bombas [3].

Os cinco componentes do “Clube Nuclear” são membros permanentes do Conselho de Segurança e cada uma das cinco potências tem a prerrogativa de vetar as resoluções da ONU. Posteriormente, Israel (veladamente), Índia, Paquistão e Coreia do Norte agregaram armas atômicas aos seus arsenais, mas sem adquirir o “status” de “nuclear weapon states” no Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP ou de membro do Conselho de Segurança da ONU.

Figura 1: Evolução das ogivas nucleares nos EUA.

Em 1965, o estoque de armas nucleares nos EUA havia superado as 30.000 ogivas, logo após a crise dos mísseis em Cuba (Figura 1). A partir daí, houve uma gradual redução dos arsenais tanto dos EUA como da União Soviética com acordos de desarmamento a partir de 1991. Seguiu-se a dissolução da União Soviética e os estoques de armas nucleares se estabilizaram a partir de 2010. Sabe-se menos a respeito da evolução dos estoques da extinta União Soviética. Rússia e EUA teriam, em 2018, um arsenal um pouco superior a 6.500 ogivas cada (Arms Control Association, 2018).

2.    Energia Nuclear para Gerar Eletricidade

Já no início dos anos sessenta, com o início do arrefecimento da grande corrida armamentista bipolar mundial houve mais espaço para aplicações pacíficas. Surgiram usinas nucleares incorporadas à rede de distribuição. As primeiras parecem ser a de Obninsky APS-1 que em 1954 teria se conectado, com 5 MW, à rede, a de Sellafield (Calder Hall) no Reino Unido, que iniciou seu funcionamento em 1956 com capacidade inicial de 50 MW, depois aumentada para cerca de 200 MW (European Nuclear Society), e que seria também a primeira a ser descomissionada  (Brawn, 2003) e a Shipping Port Atomic Power com 60 MWe da Duquesne Light Company  (Craddock III, 2016) nos Estados Unidos que, de acordo com a US Nuclear Regulatory Comission, foi a primeira projetada para uso comercial, tornando-se operacional em 1957.

A partir de 1962, a tecnologia nuclear começou a ter sua utilização ampliada na geração de energia elétrica e se iniciou um período de grande euforia, denominado por Weinberg como a “primeira era nuclear” (Alvin, 1997) onde inicialmente havia a utopia de que seria possível produzir grandes quantidades de energia elétrica a preços ridiculamente baixos com a fonte nuclear. No final da década de 1960, iniciou-se a conscientização da realidade dos preços.

O incidente ocorrido na usina de Three Mile Island, dia 28 de Março de 1979, em Harrisburg Pensilvânia nos Estados Unidos, embora não tenha causado praticamente nenhum dano humano ou material, serviu de alerta para o que deveria ser aprimorado nos conceitos de operação e segurança das usinas nucleares. Esse alerta provocou modificações em todas as usinas nucleares que usavam reatores tipo PWR – Pressurized Water Reactor, aumentando sua segurança.

Entretanto já existiam outras usinas nucleares com reatores de tecnologia menos segura como os reatores RMBK de Chernobyl, Ucrânia e também usinas em cuja instalação não haviam sido respeitadas as boas normas internacionais de segurança em sua localização, particularmente, na sua cota de posicionamento em relação ao nível do mar como ocorreu em algumas das usinas BWR- Boiling Water Reactor , que foram construídas na Central Nuclear de Fukushima, Japão. Uma descrição do ocorrido foi publicada pela AIEA (AIEA, 2015).

As usinas da Central Nuclear Fukushima foram construídas em uma cota baixa relativa ao nível do mar. A cota do protetor marinho foi fixada em 5,5 m a partir de avaliações disponíveis na época. Uma reavaliação do órgão superior que cuida de terremotos no Japão, anterior aos eventos, modificou para cima o nível de terremoto que poderia ser esperado na região bem como a altura da onda do Tsunami. A Tokyo Electric Power Company – TEPCO, proprietária da Central, não mudou as especificações das usinas nem foi forçada a isto pelo órgão regulador nuclear japonês. Com isso, a cota da usina era inferior à altura para resistir à onda máxima prevista na reavaliação. A previsão dessa reavaliação estava próxima da que realmente atingiu a Central (cerca de 10m) .

As instalações diesel geradoras de energia em emergência existem em todas as usinas nucleares para prover a energia elétrica necessária para operar o sistema de remoção do calor residual dos núcleos dos reatores nucleares após o seu desligamento. Em Fukushima, em virtude de insuficiente altura em relação ao nível do mar, estas instalações, auxiliares porem muito importantes, foram alagadas pela onda causada pelo tsunami e ficaram inoperantes.

O não funcionamento do sistema de remoção do calor residual levou a fusão de alguns dos núcleos dos reatores da Central. Todas as usinas nucleares são dotadas de sensores de vibração e acelerômetros que provocam a interrupção do funcionamento e desligamento das usinas quando ocorrem terremotos mesmo de baixa intensidade.

A analise posterior da central de Fukushima indicou que as usinas, sob o ponto da integridade das suas estruturas, tubulações e equipamentos resistiram bem ao terremoto que foi maior do que o terremoto com as características para o quais foram projetadas. A Central Nuclear de Fukushima se encontra localizada a pouco mais de noventa milhas náuticas do encontro de três placas tectônicas que transforma aquela região em um dos locais mais instáveis sob o ponto de vista da sismologia e, por via de consequência, muito sujeita a grandes terremotos e tsunamis. O acidente evidenciou o posicionamento das instalações diesel geradoras de emergência em altura insuficiente em relação ao nível do mar. Não foram devidamente consideradas, no projeto, as peculiaridades locais causadas pela proximidade do encontro de placas tectônicas.

À inoperância dos geradores de emergência á diesel (só um da unidade 6 não foi atingido) e das baterias de emergência, em 3 delas, provocaram os piores acidentes (derretimento do elemento combustível e vazamento do vaso de contenção). Deve-se notar que não houve vazamento significativo de plutônio como no caso do acidente de Chernobyl. Isso pode contribuir para tornar possível a recuperação, no médio prazo, de boa parte da área atingida.

3.    Energia Núcleo Elétrica no Brasil

A decisão brasileira, no inicio da década 1970, de construir a Usina Nuclear Angra 1 e posteriormente a decisão de assinar o Acordo Nuclear Brasil Alemanha em 1975, não foi bem assimilada pelo setor elétrico de então que naturalmente tinha cultura fortemente hidrelétrica pelo fato desta fonte, até então, atender perfeitamente às necessidades de demanda de energia elétrica brasileiras.

Em decorrência do Acordo Nuclear Brasil Alemanha, de 1975, foi programada a construção de mais duas usinas em Angra dos Reis (2 e 3) e ainda a construção de mais duas usinas no litoral sul do Estado de São Paulo.

Naquela época, a opção nuclear se constituiu numa decisão de cúpula em um regime de exceção, ainda inspirada na utopia de produção de energia elétrica a preços muito baixos. A influência de fatores ligados à geopolítica foi também fator importante. A crise mundial causada pelo grande aumento do preço do petróleo em 1973 foi utilizada como motivadora da decisão.

4.    A Tradição Hidroelétrica

A determinação governamental, na década de 1970, de incorporar energia nuclear ao sistema elétrico foi imposta ao setor elétrico em paralelo com um grande programa de construção de hidrelétricas já em curso. Este, embora contasse com a aprovação do setor elétrico, teve seu dimensionamento decidido no mesmo regime verticalizado de decisão. Esse programa hidroelétrico previa o aproveitamento de praticamente todas as possibilidades de construção de hidrelétricas nos rios situados na região que se estende do Vale do Rio São Francisco até Itaipu. Foram grandes os investimentos no setor elétrico nesta época, um dos setores que mais recebeu investimentos no Brasil. O grande crescimento anual do PIB – Produto Interno Bruto naquele período e a atratividade político/empresarial das obras foram estimuladores deste grande investimento setorial.

A região acima mencionada era muito convidativa para construção de hidrelétricas, pois é geologicamente estável, localizada no meio de uma grande placa tectônica, dotada de oportunidades de aproveitamentos hidrelétricos em locais que já haviam sido desmatados em função de ciclos agrícolas e apresentava topografia que permitia a construção de reservatórios com grande capacidade de armazenamento de água. Esta região apresentava um conjunto de características favoráveis à construção e operação de hidrelétricas raramente encontradas em outros locais do nosso planeta.

Na década anterior (de 1960) o sistema elétrico nacional havia sido padronizado em corrente alternada com sessenta ciclos por segundo. Até então, a região de Minas Gerais, São Paulo e Paraná operavam com sessenta ciclos enquanto o Rio de Janeiro operava com cinquenta ciclos. A padronização da ciclagem facilitou a integração do sistema elétrico nacional onde as maiores fontes geradoras, as hidrelétricas, têm suas localizações definidas pela natureza e não pelo homem.

Ao longo da década de 1980, as hidrelétricas atendiam plenamente a demanda de eletricidade. O estoque de água nos reservatórios dessas usinas complementava o fornecimento de água necessário ao funcionamento satisfatório das turbinas nos meses do ano em que as vazões dos rios eram menores do que a demanda de energia elétrica, mesmo nos ciclos pluviométricos de seca na região central do Brasil onde estão localizadas as nascentes e os rios que alimentam grande parte do sistema hidrelétrico nacional.

Nas décadas de 1980 e 1990, as hidrelétricas que haviam sido construídas depois do racionamento na década de 1960 continuaram satisfazendo à demanda de eletricidade mesmo nos anos mais secos dos ciclos pluviométricos plurianuais que, historicamente, parecem se repetir com a periodicidade de cerca de dez a doze anos aproximadamente.

A partir da segunda metade da década de 1980, o sistema elétrico começou a apresentar problemas em termos administrativos e gerenciais. Havia inadimplência de uma estatal em relação à outra e muita interferência do setor político. É emblemático o desafio do Governador Orestes Quércia de São Paulo ao Presidente de Furnas (e anteriormente Ministro) Dr. Camilo Pena: Face à inadimplência por parte do Estado de São Paulo, o Governador tranquilamente desafiou o Presidente de Furnas sugerindo, ironicamente, “desligar São Paulo”. O assunto foi afinal resolvido pela interferência de pessoas sensatas.

Em alguns Estados da Federação havia empresas estatais estaduais que produziam, transmitiam e distribuíam a energia elétrica e também recebiam energia das empresas estatais nacionais pertencentes à ELETROBRAS. Não havia a separação administrativa empresarial entre a produção de energia por atacado nas hidroelétricas, a transmissão (o transporte a distância da energia) e a distribuição ao utilizador final, ou seja, o varejo. A influência político partidária cresceu demais e passou a comprometer o funcionamento de todo o sistema.

5.    A Reforma do Sistema Elétrico dos Anos 1990

Na década de 1990, estava evidente a necessidade de reformatação administrativa gerencial do sistema elétrico nacional e a economia brasileira foi atingida por uma onda de liberalismo. Foi contratada então a participação de uma empresa consultora do Reino Unido para tratar da reformulação e regulamentação do sistema elétrico nacional. O sistema elétrico Inglês, ao qual os consultores estavam acostumados, era prevalentemente térmico e com características completamente diferentes do sistema brasileiro. Na reestruturação, pós Margaret Thatcher, do sistema elétrico do Reino Unido em 1983 foi introduzido na regulamentação o conceito de competição e houve grande privatização das empresas participantes do fornecimento da energia elétrica produzida e distribuída no Reino Unido.

O sistema elétrico inglês nos anos noventa era quase inteiramente termoelétrico e muito dependente da utilização do carvão que estava começando a ser substituído por gás natural. O funcionamento das centrais que utilizam estes combustíveis é bastante independente de ciclos da natureza e praticamente sujeito somente ao planejamento e controle humano. A fonte hídrica representava apenas cerca de 2,5% do total da energia produzida naquele país.

O grupo de consultores ingleses tinha o “DNA” termoelétrico e era, logicamente, orientado pelas ideias de liberalização da economia, privatização e competição. Esta “escola de pensamento” contribuiu para que este “DNA” da onda econômica pós Margareth Thatcher fosse fortemente “miscigenado” na formulação da regulamentação do sistema elétrico brasileiro, majoritariamente hidrelétrico, que necessita compatibilizar o planejamento de sua operação com as variações do sistema pluviométrico controlado pela natureza e não pelo homem como é o sistema térmico do Reino Unido.

Um estudo adequado que fosse realizado por grupo competente e analisasse as características e as peculiaridades do sistema elétrico brasileiro e se preocupasse, não somente, em seguir as regras de comercialização da economia liberal, teria identificado que o estoque máximo de água nos reservatórios das hidrelétricas brasileiras havia se mantido constante desde a década de 1980 enquanto o consumo de energia elétrica naturalmente continuou crescendo e isto certamente repercutiria no planejamento e na operação do sistema elétrico brasileiro, predominantemente hidroelétrico. Ou seja, a reforma implantada nos anos 1990 não peca por seu caráter liberal – cuja discussão é importante está em uma esfera mais ampla – mas por não haver levado devidamente em conta a natureza física do sistema elétrico existente.

Em 2001, o país vivia um período de pouca pluviosidade e os reservatórios das hidrelétricas se encontravam praticamente vazios. O Brasil foi então “surpreendido pelo obvio” e tornou-se necessário o racionamento de energia elétrica que “a mídia” apelidou de “apagão”.

Na realidade o “apagão elétrico” havia sido precedido de um “apagão de competência” ao não se entender, por quase uma década, que o aumento e a transformação do consumo implicariam em modificações compatíveis na produção e na transmissão de eletricidade no Brasil.

A Usina Nuclear Angra 1 havia sido fornecida pela Westinghouse e iniciou seu funcionamento comercial em dezembro de 1984. Infelizmente, principalmente por falhas técnicas de projeto, apresentou baixo nível de desempenho ao longo das décadas de 1980 e 1990. Razões financeiras fizeram com que a Usina Nuclear Angra 2 tivesse desacelerada sua construção e o início da sua operação comercial somente ocorresse em fevereiro de 2001. Estes fatos contribuíram para a descrença dos executivos do sistema elétrico em relação à opção nuclear. Até o inicio do funcionamento comercial da Usina Nuclear Angra 2 o “sistema elétrico” associava energia nuclear unicamente a grandes investimentos e baixo desempenho.

Esse mesmo “sistema elétrico” reconheceu, no entanto, que sem a entrada em funcionamento comercial da Usina Termonuclear Angra 2 com 1300 MW de potência elétrica, no início de 2001, o “apagão elétrico” teria sido ainda maior.

Em consequência do “apagão”, imediatamente foi decidida a construção de termoelétricas que usam como combustível óleo ou gás e que apresentavam menor investimento inicial e menor prazo de construção.

As termelétricas que foram construídas a partir do “apagão” têm contribuído para garantir a continuidade no fornecimento de eletricidade independentemente das variações do regime pluviométrico, mas provocam excessivo aumento do preço médio da eletricidade ofertada ao consumidor, sobretudo porque, ao menos substancial parcela delas tem sido operada continuamente (na base de carga). Desconsidera-se também o aumento da emissão de gases de efeito estufa, ignorando compromissos assumidos internacionalmente pelo País.

A experiência internacional demonstra que termoelétricas para funcionarem continuamente “na base de carga” devem ser preferencialmente termoelétricas convencionais, usando carvão como combustível, ou usinas nucleares. As usinas convencionais a carvão são responsáveis por 38% da energia elétrica produzida no mundo, as térmicas a gás natural representam 23% e o óleo combustível apenas 3%. A contribuição mundial total das usinas hidrelétricas é da mesma ordem de grandeza (16 %) da contribuição da fonte nuclear (10 %) e a das fontes renováveis (8%).

A Figura 2 ilustra a enorme diferença da distribuição das fontes energéticas usadas na geração de energia que, por sua natureza completamente diversa da média mundial tem que ser administrado de uma maneira também diferente.

 

Óleo

Gás Natural

Carvão

Nuclear

Hidro

Reno-váveis

Outros

Brasil

3%

11%

4%

3%

63%

17%

0%

Mundo

3%

23%

38%

10%

16%

8%

1%

Fonte: BP stats-review-2018-all-data (dados referentes a 2017 (BP, 2018)

Figura 2: Comparação das estruturas de geração de eletricidade no Brasil e no mundo mostrando a peculiar estrutura brasileira,

Embora ainda muito menor do que faz acreditar sua divulgação, tem sido crescente a contribuição da energia renovável, principalmente eólica, mas também solar na produção de energia elétrica no Brasil e no mundo. A energia eólica mais a solar representaram em 2017 8% no mundo e 7,3% no Brasil. É destaque no Brasil a participação da biomassa que representa cerca de 9% da geração elétrica (na Figura 2, incluída entre as renováveis).

O desenvolvimento da tecnologia, com o uso de redes elétricas inteligentes, indica a tendência ao crescimento na utilização da energia eólica e também da energia solar na produção de energia elétrica brasileira, respeitando, evidentemente, suas características de fontes intermitentes e, portanto, dependentes de complementação.

6.    Repensando o Sistema Elétrico

Parece necessário repensar e reestruturar o sistema elétrico brasileiro, fundamentado em práticas comerciais não condizentes com as peculiaridades brasileiras, que atualmente mantém quase as mesmas bases estabelecidas na década de 1990. A revisão do planejamento do sistema elétrico certamente tenderá incorporar os avanços tecnológicos e a maior utilização das redes inteligentes.

Na reestruturação do sistema elétrico brasileiro, as necessárias modificações na operação e comercialização devem ser compatibilizadas com as características das fontes primárias nacionais de produção de eletricidade e também com o tipo de distribuição geográfica e peculiaridades da demanda de energia.

O varejo, ou seja, a distribuição final da energia elétrica em média e baixa tensão ao consumidor, após as subestações rebaixadoras de tensão, é praticamente independente da fonte produtora de energia. Trata-se de atividade administrativa e gerencial muito dinâmica normalmente melhor executada por empresas privadas em regime de concessão. Esta atividade pode ser fracionada para evitar grande concentração de poder em uma única empresa distribuidora em grande área do território nacional.

A lógica pode indicar que as empresas privadas, “responsáveis pelo varejo”, ou seja, pela entrega da energia elétrica ao consumidor final, tenham a sua sede no município embora possam ter como acionistas majoritários empresas “holding” que não tenham sede no município. É desejável que nas empresas distribuidoras municipais de energia uma pequena percentagem de suas ações seja de propriedade de moradores no município e que comprariam e também venderiam suas ações ao “preço de face das ações”. É importante que o representante deste grupo minoritário faça parte do conselho administrativo da empresa municipal. Em caso de “holding” controladora, obrigatoriamente um dos membros do conselho de administração, deveria pertencer a secretaria de energia do estado. A proximidade do entregador da energia com o cliente tende a aprimorar esse atendimento. Um bom exemplo de funcionamento deste sistema é o Município de Belmont no Estado de Massachusetts, Estados Unidos.

A distribuição final da energia por companhia com a sede situada no município contribui para aumentar a renda municipal e diminuir a “exportação” de capital da comunidade utilizadora final de energia para outros lugares.

A prioridade do sistema elétrico nacional certamente deverá ser a garantia e segurança do fornecimento de eletricidade, buscando o menor preço médio do Megawatt-hora (MWh) e a minimização do impacto ambiental.

No planejamento do sistema elétrico é importante considerar que, ressalvada sua grande importância, este setor se constitui um segmento da matriz energética nacional que em seu planejamento deverá levar em consideração a eficiência e economicidade de utilização dos insumos energéticos.

O biênio fundamental dos cursos de engenharia inclui  cursos de termodinâmica que nos ensinam que a transformação de energia química ou térmica em energia mecânica apresenta sempre modesta eficiência. A utilização do gás e derivados de petróleo em aplicações “mais nobres” como são os meios de transporte, por sua portabilidade, na petroquímica, por serem praticamente insubstituíveis, ou no aquecimento direto industrial e domiciliar onde a termodinâmica mostra que a eficiência da transformação da energia química em energia térmica é muito alta.

No planejamento da matriz energética nacional parece lógico priorizar os combustíveis encontrados no território brasileiro e utilizar nas usinas termoelétricas que operam em regime continuo sempre que possível urânio ou até mesmo carvão procurando sempre minimizar o uso de gás e derivados de petróleo para garantir seu emprego em suas aplicações mais nobres ou até mesmo na exportação.

7.    Os três Brasis

É muito importante que haja o entendimento que o Brasil, do ponto de vista do consumo de eletricidade, é um país com 214 milhões de habitantes e dimensões continentais com diferentes regiões climáticas onde convivem na mesma área geográfica total “três Brasis” com características diferentes:

O “primeiro Brasil” é composto de um arquipélago de “ilhas de concentração habitacional e denso consumo de eletricidade”, constituído de (dados de 2017):

  • Duas grandes metrópoles formadas por São Paulo (12 milhões de habitantes e mais 9 milhões com os municípios próximos e vizinhos) e Rio de Janeiro (6,7 milhões de habitantes e mais 2,5 milhões considerando as adjacências).
  • Cinco cidades com mais de dois milhões de habitantes (Salvador – 2,9 milhões, Brasília – 2,85 milhões, Fortaleza 2,57 milhões, Belo Horizonte – 2,94 milhões e Manaus – 2,2 milhões).
  • Dez cidades com mais de um milhão de habitantes (Curitiba -1,86 milhões, Recife – 1,6 milhões, Porto Alegre – 1,47 milhões, Belém – 1,43 milhões, Goiânia – 1,41 milhões, Guarulhos – 1,31 milhões, Campinas – 1,15 milhões, São Luiz – 1,06 milhões, São Gonçalo – 1,0 milhão e Maceió – 1,0milhão).
  • Vinte e cinco cidades com mais de quinhentos mil habitantes.

Este grande “arquipélago brasileiro de centros de denso consumo de eletricidade” demanda “grandes blocos de fornecimento de energia elétrica” que normalmente são produzidos por fontes de alta densidade de produção de energia que são as hidrelétricas, as termoelétricas convencionais e as térmicas nucleares. Uma boa ilustração desse arquipélago é a visão noturna por satélite mostrada na Figura 3. Nela fica clara (embora literalmente escura) a baixa densidade de consumo de grande parte do território nacional e a desigualdade de distribuição do consumo elétrico. Pode-se, inclusive, localizar praticamente todas as “ilhas” acima mencionadas.

Figura 3: Visão noturna mostrando as “ilhas” de iluminação existentes no Brasil e vizinhanças, podendo-se perceber a faixa iluminada ao longo do trópico de Capricórnio (São Paulo, Rio) e da costa nordestina http://tecnaula.blogspot.com/2011/02/mais-uma-da-serie-um-satelite.html.

Dentro desses grandes centros urbanos de consumo com grande concentração populacional, é possível a utilização apenas complementar da fonte solar (dependendo da insolação do local) considerando que, por sua baixa densidade de produção e intermitência, será sempre uma contribuição percentualmente muito pequena em relação à demanda total de eletricidade destes centros de consumo.

As grandes concentrações populacionais da Zona Franca de Manaus, Santarém e Belém do Pará, embora situadas na Região Amazônica, são servidas pelo sistema elétrico principal e consideradas como pertencentes ao “primeiro Brasil”.

O “segundo Brasil” é constituído pelas cidades médias e pequenas e áreas adjacentes. Este segundo Brasil, embora seja uma “colcha de retalhos” formada de áreas de “media densidade de consumo”, em seu total, consome muita eletricidade. Com menor dificuldade podem aumentar a produção e o consumo das energias alternativas eólicas e solar (dependendo sempre do mapa de ventos e da insolação) pois as redes elétricas existentes são bastante ramificadas e apresentam menor dificuldade de expansão.

O “terceiro Brasil” é composto de grandes áreas, com baixa ou muitíssimo baixa densidade de consumo de eletricidade, situadas nas regiões do sertão do Nordeste e Amazônia. Estas áreas exigem análise e tratamento específico para cada micro região.

As fontes primárias renováveis, eólica e solar, são de baixa densidade na sua “produção” e variam a quantidade de energia produzida durante as vinte quatro horas do dia e com a as condições climáticas, mas têm grande potencial de aplicação no “terceiro Brasil” embora necessitem utilizar o auxilio de estocagem da energia como garantia para assegurar o fornecimento contínuo da energia ao usuário. Quando baterias são utilizadas para estocagem de energia devemos esperar aumento no valor do investimento e também que o descarte das baterias apresente o potencial de grande impacto ambiental.

A região da Bacia Amazônica pode ser interpretada como a composição de áreas com diferentes características: a primeira delas é uma a área quase plana vizinha da calha principal do Rio Amazonas e também as áreas quase planas próximas onde correm o terço final dos rios afluentes. Nessas áreas planas é pouco praticável o aproveitamento hidrelétrico para suprimento de energia elétrica aos pequenos grupamentos humanos existentes. Cada um desses grupamentos humanos nesta área plana, muito sujeita a alagamentos, exige um tratamento específico. Em sua maioria são grupamentos humanos ribeirinhos, mas sem possibilidade econômica de aproveitamentos hidroelétricos locais.

As áreas não planas da Amazônia onde se encontram os dois terços iniciais do comprimento dos rios tributários contando a partir de suas nascentes, podem ser denominadas de regiões inclinadas/serranas: a primeira região inclinada/serrana está localizada a oeste e noroeste da calha principal plana do Rio Amazonas englobando as a áreas próximas as fronteiras da Bolívia, Peru e Colômbia; a segunda área inclinada/serrana é denominada Região Norte da Bacia Amazônica onde correm os rios próximos as divisas da Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa e seus afluentes; a terceira região inclinada/serrana localizada ao sul é próxima ao planalto central brasileiro. As áreas montanhosas constituem a “borda da bacia amazônica”.

As três grandes áreas inclinadas/serranas juntas compreendem a maior percentagem da área da Amazônia Brasileira. Estas três grandes áreas (Figura 4)[4] apresentam grandes oportunidades de aproveitamentos hidroelétricos principalmente “a fio d’água“ que não provocam grandes alagamentos ou desmatamentos e podem com relativa facilidade suprir as necessidades de eletricidade dos pequenos assentamentos humanos existentes e atividades extrativistas.

Mapa Potencial Elétrico, mostrando as bacias, – Eletrobras (Eletrobras, 2017)

Mapa das Elevações do Brasil (topographic.mapa.com)

Figura 4: Mapas dos rios (ao alto), e de elevações (abaixo) assinalando regiões onde é mais viável o aproveitamento hidroelétrico na Amazônia.

Na região semiárida do “Terceiro Brasil” situada no Nordeste Brasileiro a utilização racional da energia solar e eólica pode muito contribuir muito para a melhora econômica da região. Ver Mapa da Figura 5 (CEPEL Eletrobras, 2001).

Figura 5: Atlas do Potencial Eólico Brasileiro  CEPEL/MME

Para os grupamentos humanos isolados, onde economicamente não for viável o “back-up” por redes elétricas do sistema elétrico será necessária a estocagem de energia em baterias ou a utilização de geradores diesel para garantia do suprimento de energia elétrica.

Os grupamentos humanos do “Terceiro Brasil” onde ocasionalmente houver a interligação com as redes do Sistema Integrado Nacional poderão, além do uso das fontes renováveis, utilizar o regime de exportação/importação de energia através de redes inteligentes e utilizando indiretamente o estoque regulatório de água dos reservatórios das hidroelétricas, tornando praticamente desnecessária a estocagem local de energia em baterias para garantir a regularidade do fornecimento de energia elétrica.

Denomina-se “Sistema Integrado Nacional – SIN” o servido pelas grandes linhas de transmissão (Figura 6), as redes de distribuição e seus ramais que atendem ao “Primeiro Brasil”, ”ao Segundo Brasil” e aos centros de consumo por ventura interligados do “Terceiro Brasil”. O SIN tem nas hidroelétricas sua fonte principal de produção de energia. Nota-se na Figura 6 que grande parte do território brasileiro integra esse “Terceiro Brasil” onde o SIN não está presente.

O maior potencial hidrelétrico a ser explorado pelo Brasil se concentra nas áreas da Bacia do Amazonas que não apresentam grandes elevações nem são propícias a reservatórios de grande capacidade. Na concepção atual de desenvolvimento brasileiro, essas usinas se destinam à “exportação” para a região Sudeste-Centro-Oeste SE-CO como já acontece com as usinas instaladas do Rio Madeira e, em grande parte, com a própria energia de Itaipu. Essas usinas chegaram a ser consideradas, para fins de planejamento do SIN, como integrantes da região SE-CO.

Figura 6: Sistema Integrado Nacional – SIN Mapa das Linhas de Transmissão da ONS (ONS)

A introdução de usinas a fio d’água é um grande problema não suficientemente explicitado no nosso planejamento elétrico. No início de 2005, ele foi claramente exposto no artigo “Um Porto de Destino para o Sistema Elétrico Brasileiro” na revista E&E № 49. Na Figura 7, (retirada desse artigo), mostram-se as curvas de energia natural afluente – ENA para as diversas regiões do Brasil que compõem o SIN.  A solução desse problema não é trivial. A regulação sazonal não poderá ser feita com os reservatórios já existentes e o custo da nova energia, com cinco meses do ano com cerca de 10% da capacidade máxima, deverá obrigatoriamente incluir o da energia complementar para o período seco. Esta já é, aliás, a realidade que enfrenta o consumidor que já está pagando um preço diferenciado para cobrir o custo das usinas térmicas que atualmente utilizam óleo ou gás combustível.

Energia Natural Afluente nas Regiões do SIN

Figura 7: A energia natural afluente é governada pela vazão dos rios, na medida que se amplie a participação da Região Norte, com usinas sem reservatórios, a geração elétrica passará a ter forte sazonalidade.  

Soma-se, agora, a oscilação ao longo do dia da energia eólica (atualmente) e futuramente da solar, defasadas da curva diária de consumo. Isso exige das hidroelétricas um excesso de capacidade instalada que encarece seus custos e obriga o uso do estoque regulador.

É primordial a conscientização sobre a importância de considerar a água existente nos reservatórios como estoque regulador de energia. Isso nos conduzirá a utilizar o SIN priorizando a utilização da energia proveniente da região norte nos meses que houver grande caudal e, na medida do possível, estocar água nas hidrelétricas das outras regiões que tenham  capacidade de estocar.

O caudal (vazão) dos rios que alimentam as hidrelétricas (volume de água por segundo) varia ao longo das estações do ano e também com as variações plurianuais dos ciclos hidrológicos. O funcionamento das termoelétricas que consomem biomassa também está sujeito a variações anuais e plurianuais. Torna-se, portanto evidente o conceito de adotar um “estoque regulador de energia” para compensar os períodos em que a energia disponibilizada pelo baixo caudal dos rios e a biomassa disponível seja insuficiente para atender a demanda. O “estoque regulador de energia” é a soma dos estoques de água existentes nos reservatórios das hidroelétricas.

Não existe melhor estoque regulador de energia do que a água nos reservatórios das hidroelétricas. Tal estoque regulador de energia permite atender com simplicidade e presteza as variações na demanda de eletricidade[5].

É desejável também a adoção da estratégia de priorizar no despacho as usinas hidrelétricas à fio d’água e com pequena capacidade de estocar água objetivando sempre maximizar o “estoque regulador de energia” depositado em água nos reservatórios.

As usinas nucleares, se existirem em quantidade suficiente, permitirão ao operador nacional do sistema elétrico gerenciar o sistema de forma que haja sempre o “estoque mínimo necessário regulador de energia” que permita atender as flutuações na demanda de eletricidade mantendo razoável o custo da produção da eletricidade e o baixo impacto ambiental, mesmo nos períodos de baixa pluviosidade. Sabe-se, no entanto, por simulações, que o “cobertor” do estoque nos reservatórios existentes e os possíveis de construir será curto e as térmicas convencionais (óleo, gás natural ou biomassa) deverão ser acionadas para absorver o déficit sazonal ou déficits de chuva plurianuais.  

Parece obvio que a modelagem do sistema elétrico brasileiro para produção, transporte e distribuição de energia e sua comercialização deve ser decidida com base nas peculiaridades brasileiras e não na utilização, sem a devida adaptação de conceitos “importados” do Reino Unido.  A ideologia de liberalização vem, historicamente, experimentando altos e baixos na economia brasileira. Mesmo respeitando a ideologia liberal (atualmente em alta), é necessário o entendimento do sistema brasileiro e não simplesmente arremedar as práticas comerciais de outro país.

Na composição atual do Operador Nacional do Sistema Elétrico participam representantes das empresas geradoras; o ONS pode, portanto, sofrer grande influência dessas empresas em detrimento do melhor interesse dos consumidores. Seria melhor que fosse um órgão de governo composto de funcionários de carreira trabalhando em sistema aberto tipo bolsa de valores com painéis que demonstrassem suas decisões em plenário onde os representantes das empresas pudessem estar presentes, o que agregaria maior transparência ao sistema.

Os leilões da ANEEL – Agencia Nacional de Energia Elétrica, deveriam ser realizados entre os produtores de energia da mesma fonte energética de produção e não uma competição geral entre fontes diferentes como no sistema atual, de inspiração importada. Para cada fonte primária de produção de energia seriam alocadas cotas de fornecimento de energia que comporiam o “mix”, estrategicamente planejado, para garantir o suprimento de eletricidade ao menor preço médio possível e minimizando o impacto ambiental.

Uma “frase de impacto” de um influente assessor governamental à época da implantação do sistema administrativo gerencial econômico do setor elétrico nacional, que havia participado da elaboração do Programa Computacional New Wave para auxilio nas decisões para operação do sistema elétrico, resume, deste modo, a lógica de prioridade no “despacho” das usinas (fontes) produtoras de eletricidade: “não interessa se trata – se de combustível de cocô de galinha ou fusão nuclear o que interessa é o preço da energia”. Esta frase revela a mentalidade financeira e visão curta de quem entende muito pouco de planejamento energético particularmente em se tratando de um sistema elétrico com as características do Sistema Integrado Nacional. Ela sintetiza a miopia de um gerenciamento focando exclusivamente o aspecto contábil em curto prazo e não o comportamento anual e plurianual do sistema objetivando a segurança do fornecimento e o menor preço médio da energia.

No Brasil, a produção de energia para o atendimento continuo da “base de carga” pode ser entendida como sendo a energia produzida pelas hidroelétricas, usando a média anual do caudal mínimo dos rios que as alimentam, adicionando também a média mínima da energia produzida pelas fontes eólica e solar acrescida pela energia produzida pelas usinas termo- elétricas de menor preço (nucleares e a carvão) operando em produção anual continua . Os picos diários de demanda, ou seja, o “segmento de carga” deve ser prioritariamente atendido com o estoque regulador de energia constituído pela água dos reservatórios. As hidroelétricas têm a capacidade de “seguir a carga” com mais facilidade e economicidade do que as usinas térmicas.

As usinas termoelétricas a gás e óleo são construídas com menor valor de investimento, mas funcionam com o combustível de maior preço resultando em alto preço na energia elétrica produzida. Não é aconselhável que essas usinas operem continuamente ao longo do ano. Quando não estão produzindo energia são remuneradas pelo retorno do investimento acrescido do custo operacional nesta condição e lucro. Quando solicitadas a operar pelo Operador Nacional do Sistema recebem o adicional pela energia efetivamente produzida. É assim, mas isto é vantajoso para quem?

Para funcionar produzindo grandes “blocos de energia” em regime continuo na “base de carga” as usinas térmicas que produzem energia a menor preço por Megawatt-hora são as usinas nucleares e as usinas convencionais que usam carvão como combustível.

O Brasil é prodigo em reservas de urânio e detém a tecnologia de todas as etapas do ciclo combustível nuclear desde a mineração e produção do Yellow Cake até a finalização do elemento combustível para ser usado nos reatores, passando assim por todas as etapas do ciclo do combustível nuclear. Nosso País consta da pequena lista de países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio e dispõe de grandes reservas de urânio. Somente os Estados Unidos, Rússia e Brasil fazem parte desta pequena lista. Todos os demais países ou dispõem da tecnologia do ciclo do combustível nuclear ou são detentoras de reservas de urânio ou nenhuma das duas condições e pagam por isso quando é compensador.

Países sem grandes fontes de combustível como o Japão e a França dificilmente poderão prescindir da utilização da energia nuclear que pode proporcionar estoque plurianual de combustível a preços competitivos e pequeno volume de armazenamento.

Quando for feita a reformulação correta e competente do sistema elétrico brasileiro ficará evidente a necessidade utilização continua em base de carga das usinas núcleo-elétricas ficando para uso apenas ocasional (quando houver necessidade) as usinas termo elétricas convencionais a óleo e gás para completar a produção de energia em poucos meses do ano. Em virtude do grande investimento necessário, o ritmo de construção das usinas nucleares deve ser compatibilizado com as necessidades de fornecimento de energia em base de carga que assegure a existência do estoque regulador de energia adequado.

O completo entendimento do conceito de utilizar o volume de água nos reservatórios das hidrelétricas no sistema elétrico como “estoque regulador de energia” permitirá minimizar o preço médio da energia elétrica, o impacto ambiental e maximizar o uso das fontes energia renováveis menos poluentes.

8.    O Futuro da Energia Nuclear no Brasil

Deve-se ter em vista que o consumo de eletricidade continuará crescendo e que a situação atual é uma única exceção (em 50 anos) em que repetimos em 2018 o consumo de 2014. O estoque máximo de água nos reservatórios se manteve constante desde o inicio na década de 1990. A melhor forma de garantir o estoque regulador de água é considerar como energia de “Base de Carga Hidroelétrica” o caudal mínimo anual dos rios e usar usinas nucleares que são as termoelétricas de menor preço da energia (comparando-se com as demais termoelétricas) para compor a “base de carga de energia elétrica”. As grandes reservas nacionais de urânio estimulam a adoção desta opção.

A Eletronuclear desenvolveu em parceria com a COPPE, Coordenadoria de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro com a ótica da “segunda era nuclear” um importante estudo de localização para construção de centrais nucleares no Brasil. As conclusões desse estudo foram divulgadas sob a forma de palestras pela Empresa. Tal estudo iniciou-se pela seleção dos locais para construção que atendem a uma extensa lista de requisitos (mais de dois mil) priorizando a segurança nuclear. Foram selecionadas quarenta opções de localização que atendem a todos os requisitos.

Cada central núcleoelétrica planejada neste estudo, ao final de sua construção, teria capacidade para comportar seis usinas nucleares tipo PWR com cerca de 1200 Megawatts que seriam construídas sequencial e paulatinamente. É recomendável que o inicio da construção de cada usina da mesma central seria defasado de cerca de um ano e meio do inicio da construção da usina anterior para otimizar a utilização da mão de obra e minimizar o preço total da construção de cada central.

Considera-se aqui que a decisão sobre a possível implantação dessas centrais seria tomada no planejamento energético global, mas os possíveis locais já estariam determinados.

Naquele estudo, foi feita a opção por usinas dotadas reatores PWR modernos com sistema de segurança passiva aprimorada que não necessitam de energia externa para remoção do calor residual produzido pelos núcleos dos reatores após o desligamento com a interrupção da reação nuclear em cadeia.

O conceito de segurança passiva aprimorada prevê que o calor residual de um reator nuclear depois do desligamento súbito, que no primeiro momento, se constitui em cerca de 2,3% da energia que o reator vinha produzindo antes da interrupção da reação nuclear em cadeia e decresce rapidamente ao longo de quarenta e oito horas para valores mínimos seja absorvido sem a necessidade de existir um sistema independente de remoção de calor que utilize energia elétrica como ocorre na maior parte das usinas nucleares atualmente existentes.

 Os modernos reatores PWR são projetados para que a dissipação desta energia residual produzida pelo núcleo do reator seja realizada por circulação natural por convecção da água no circuito primário da usina tornando-se desnecessária a utilização de energia elétrica de fonte não nuclear externa para assegurar a remoção do calor residual.

Ao término da construção, cada Central Nuclear composta de seis usinas teria a potência total instalada de sete mil e duzentos megawatts e podendo operar com o fator de capacidade de 0,9. Cada uma dessas centrais nucleares, quando dotadas das seis usinas, produziria mais energia do que a soma das energias produzidas pelas hidrelétricas da empresa Furnas ou da empresa CHESF- Centrais Hidrelétricas do São Francisco ou a metade da energia anual gerada pela usina de Itaipu.

A retomada do crescimento econômico brasileiro implicará necessariamente em aumento do consumo de eletricidade e tornará ainda mais evidente a necessidade de aumentar utilização de termoelétricas nucleares na ”base de carga” produzindo “grandes blocos de energia”. Caso seja mantida a atual intensa utilização de usinas termoelétricas convencionais a óleo e gás o alto preço da eletricidade atualmente praticado tenderá a aumentar.

Qualquer nova usina nuclear, prevista para ser construída, deverá ser planejada com a ótica da “segunda era nuclear” que prioriza a segurança e entende a energia nuclear não como sendo “a solução” para produção de eletricidade e sim com uma fonte complementar primária de produção de energia com segurança que não pode deixar de participar de um “mix” de fontes produtoras para assegurar a garantia no fornecimento de eletricidade com economicidade e minimizando os impactos ambientais.

O planejamento da geração nuclear tem que ser parte do programa de longo prazo de geração de energia para o Brasil. A periodicidade atual (planos decenais) é inadequada para isso. Em termos de planejamento energético nacional, dez anos constituem um prazo curto. O ciclo de planejamento e construção de uma instalação de grande porte produtora de energia e linha de transmissão associada é da ordem de dez anos de acordo a pratica internacional e frequentemente um empreendimento de porte escapa ao ciclo de dez anos. O lançamento do plano de longo prazo vem sendo sucessivamente adiado pelo Governo Federal.

Para o importante setor nuclear torna-se necessário:

  1. Terminar a construção da Usina Nuclear Angra 3 da Central Nuclear Álvaro Alberto em Angra do Reis.
  2. Decidir o local da construção de uma ou até mesmo duas centrais nucleares, com a possível brevidade, selecionando sua localização entre as quarenta localizações recomendadas nos estudos realizados pela COPPE e a Eletronuclear que sejam mais convenientes para atender as necessidades do Sistema Integrado Nacional. Com isto, não se perderia o conhecimento acumulado na área por técnicos altamente especializados.
  3. Decidir, a programação da construção das usinas dentro de um planejamento global, idealmente, com o início da construção da primeira central até 2022. É possível custear, ao menos parcialmente, a construção das usinas nucleares com a “venda futura de energia” garantida por acordos de governo, porém mantendo a propriedade e responsabilidade da estatal brasileira pela propriedade, operação e descomissionamento das usinas nucleares[6].
  4. Construir a instalação de armazenamento intermediaria de rejeitos da Central Nuclear Álvaro Alberto e o módulo de demonstração experimental da Instalação para estocagem, em longo prazo, de combustível nuclear queimado. Este novo conceito de estocagem concebido na Eletronuclear permite estocar por mais de quinhentos anos todo o combustível nuclear utilizado em todas as centrais nucleares brasileiras com total segurança e baixo preço, usando a remoção do calor residual por circulação natural e permitindo monitoramento seguro, simples, constante e de baixo custo. Esta solução é tecnologicamente muito mais avançada do que o antigo conceito de deposição dos rejeitos nucleares em grandes profundidades em locais teoricamente considerados estáveis que foi preconizado durante a “primeira era nuclear” e que na realidade significa “colocar o lixo debaixo do tapete”, embora essa concepção ainda conte com grande número de adeptos.
  5. Aprimorar a operação e ampliar as instalações da INB – Indústrias Nucleares do Brasil de forma que em um prazo máximo de dez anos sejam atendidas as necessidades de combustível nuclear para alimentar as usinas nucleares que estiverem em funcionamento no País.
  6. Ampliar a responsabilidade da INB para ser encarregada do transporte e armazenamento do combustível nuclear queimado dos reatores e posteriormente, quando for economicamente recomendável para o Brasil, reprocessar o combustível nuclear queimado[7], e manter a estocagem monitorada dos rejeitos usando o provavelmente as mesmas instalações construídas em região adequada para o armazenamento intermediário, no longo prazo, do combustível nuclear queimado.
  7. A CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear completará a construção do RMB – Reator de Multipropósito Brasileiro em Iperó, São Paulo, para atender as necessidades nacionais de radioisótopos, testes de materiais e combustíveis e experiências conjuntas com centros de pesquisa e universidades.
  8. Ampliar a prospecção de Urânio em território nacional.
  9. Incluir nas responsabilidades da INB a comercialização e gestão do estoque de urânio para atender as necessidades nacionais. A INB passaria a ter a atribuição de adquirir no Brasil a preços do mercado internacional em longo prazo o Yellow Cake que as mineradoras que operam no país decidirem produzir a partir do conteúdo de urânio nos minérios que exportam.
  10. Dar prosseguimento ao programa de submarinos com propulsão nuclear e, consequentemente, a todas as atividades em desenvolvimento em Aramar.

Bibliografia

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  1. 1971. United Nations, General Assembly – Twenty-sixth Session. Restoration of the lawful rights of the Peoples’s Republic of China in United Nations. [Online] 25 de October de 1971. http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/2758(XXVI).

[1] 1938 (Dezembro) Fermi recebe o prêmio Nobel pela descoberta de “elementos transurânicos”, na verdade fissão de urânio e parte para os EUA. (22 deDezembro ) Otto Hahn envia texto para Lise Meiner com resultados experimentais que são interpretados por Meiner e seu sobrinho Otto Frish como fissão nuclear.  
1939 (6 de janeiro) Hahn e seu assistente Fritz Strassmann publicam seus resultados; (11 de Fevereiro)  Meitner and Frisch publicam a interpretação teórica dos resultados de Hahn-Strassmann como fissão nuclear .

[2] União Soviética 1949, Reino Unido 1952, França 1960 e China em 1964.

[3] Cerca de 14.570 ogivas sendo que 13.400 em poder de Rússia e EUA, conforme avaliação da Arms Control Association https://www.armscontrol.org/factsheets/Nuclearweaponswhohaswhat

[4] Nota: Vale a pena acessar os mapas mostrados na Figura 3. Os mapas permitem o zoom para examinar detalhes. É possível, no segundo mapa, ler a altitude do famoso encontro das águas dos rios Negro e Solimões, perto de Manaus. Onde a altitude é de 7m em relação ao mar. Isto faz com que o aproveitamento hidroelétrico do Rio Amazonas propriamente dito, formado deste encontro das águas, seja praticamente inviável para centrais de porte.

[5] Em alguns países do mundo são usadas usinas reversíveis, sendo a água de um reservatório bombeada para reservatórios a montante para armazenar energia excedente de outras usinas. Isto exige um considerável investimento que mesmo assim pode ser viável. Im considerável investimento que o Brasil ainda consegue evitar, mas pode ser uma alternativa às baterias para “armazenar vento” ou energia fotovoltaica.

[6] Na Bélgica, em uma mesma central existem usinas de diferentes proprietários o que nos sugere diferentes financiadores compradores de blocos de energia futura a ser produzida em uma mesma central nuclear brasileira. O financiamento da construção de usinas nucleares com o pagamento com a energia a ser produzida implicará na adoção de legislação que garanta a compra, o preço futuro da energia, sua correção inflacionaria e garantia cambial.

[7] Essa posição coincide com a adotada pela Política Nuclear Brasileira (Decreto Nº 9600 de 05/12/2018) e tem o significado de que o Brasil considera a energia contida no combustível utilizado aproveitável no futuro e baliza a definição do tipo de armazenamento a ser adotado que é muito importante na fase atual.

A Concretização da Política Nuclear Brasileira

A Política Nuclear começou a ser implantada antes de sua publicação

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra
carlos.feu@ecen.com e olga@ecen.com

O Decreto Nº 9600 de 05/12/2018 sobre a Política Nuclear reúne princípios profundamente amadurecidos dentro do setor correspondente.  Em nosso recente artigo na E&E 101, comentamos alguns dos aspectos do texto que institucionaliza essa Política.

Faltou comentar o que já foi realizado para implantar essa Política, até antes mesmo que ela fosse consubstanciada no mencionado Decreto. É o que estamos abordando aqui.

Foi reativado o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro – CDPNB[1] que centraliza na Presidência da República as decisões fundamentais da Política Nuclear. O deslocamento de sua secretaria executiva para o Gabinete de Segurança Institucional – GSI[2] da Presidência da República marcou o reconhecimento do caráter estratégico para o Brasil da energia nuclear e dos conhecimentos tecnológicos a ela associados. A decisão brasileira é análoga à posição de todos os grandes países do mundo onde existe, invariavelmente, uma centralização das decisões sobre a política nuclear no posto máximo do Poder Executivo.

O processo de elaboração da Política Nuclear permitiu criar junto ao GSI vários Grupos Técnicos com foco em temas relevantes que antecipavam os passos seguintes para sua concretização. Esses GTs contaram com a participação e coordenação direta dos setores envolvidos. Deles resultaram, por exemplo, a prioridade dada ao projeto do Reator Multipropósito Brasileiro – RMB, liderado pela CNEN através do IPEN, e a viabilização de recursos da saúde para sua concretização. Também é um ponto positivo a participação da indústria argentina no projeto, como também foi o fornecimento de urânio enriquecido brasileiro para a Argentina. Ademais, ações de efetiva cooperação como estas reafirmam a política de uso somente pacífico da energia nuclear em nosso continente. Além disso, o projeto do RMB reúne, em sua execução, as capacidades técnicas brasileiras tanto na parte civil como na militar e isto é também fator relevante dentro da Política[3].

O RMB, além da produzir radioisótopos para aplicações na saúde, agricultura e indústria e fornecer feixes de nêutrons para a investigação e aplicações, permitirá a irradiação e teste de combustíveis nucleares e materiais usados nos reatores visando avaliar a integridade estrutural destes quando submetidos a altas doses de radiação, o que não existe no país. Juntamente com os projetos da Marinha já existentes, a futura presença do RMB abre a perspectiva de reunir, no campus de ARAMAR, unidades de pesquisa e formação de pessoal que venham a reforçar o entrosamento com os institutos de pesquisa da CNEN e os cursos universitários nas áreas nuclear e correlatas.

Sem muito alarde, foi desfeita uma falha na organização nuclear vigente que era a esdrúxula subordinação ao órgão regulador CNEN das empresas INB e NUCLEP. Principalmente no caso da INB, que tem a missão de se ocupar de todas as etapas da mineração até o combustível nuclear, o fato do Presidente da CNEN ser o presidente do Conselho da Empresa gerava um evidente conflito de interesses. Este conflito, que poderia significar uma conivência do órgão regulador, parece ter favorecido, ao contrário, um aparente “excesso de zelo” que acabou inviabilizando o volumoso investimento já realizado na mineração subterrânea em Lagoa Real/Caitité. A dificuldade de licenciamento motivou seu abandono. Isto paralisou a produção de nossa única mina de urânio por mais de três anos, obrigando o País, com cerca de 5% da reserva mundial, a importar a matéria prima para suas centrais[4]. Ao final de 2018 a INB anunciou os testes operacionais para extração de urânio em anomalia próxima à atual usina, com ampliação da capacidade de beneficiamento.

O Governo que se encerrou (Temer) desvinculou a CNEN da presidência dos conselhos das empresas INB e NUCLEP. A nova estrutura, anunciada neste início de ano e de governo (Bolsonaro), resolveu o problema de forma definitiva realocando essas duas indústrias no Ministério de Minas e Energia. Isto também soluciona o desequilíbrio administrativo de se ter em um ministério de parcos recursos (MCTIC) duas indústrias de porte que absorviam boa parte de sua dotação orçamentária. No caso da INB, existe ainda uma potencial sinergia com a Eletronuclear que a realocação ministerial pode facilitar.

Em todas estas iniciativas, cabe completar a referência que fizemos em artigo anterior a membros da equipe do GSI na concretização da Política, e destacar a atuação discreta e decidida do Ministro Sérgio Etchegoyen que esteve no centro de todas estas modificações e contribuiu com seu prestígio para a aprovação unânime da Política Nuclear no CDPNB.

Paralelamente a reestruturação do Setor Nuclear que se desenhava em coerência com o reconhecimento de seu caráter estratégico, surgiu o problema criado com a paralisação das obras de Angra 3 que, a nosso ver, se deveu justamente ao não reconhecimento, na decisão de interromper sua construção, de seu caráter estratégico.

Centenas de milhões de dólares foram perdidos nesse atraso que, fundamentalmente, se deveu a aplicação, a nosso ver incorreta, da regra contábil do impairment que tornou a Eletronuclear insolvente e incapaz de utilizar empréstimos já negociados, contribuindo para arrastar a controladora Eletrobras para uma situação de insolvência prática que só foi evitada por seu caráter estatal. Uma simples decisão de rever a tarifa futura, que sempre esteve na mão do próprio Governo Federal, provocou esse prejuízo que deve chegar, em reais, a uma cifra bilionária.

Todos os movimentos já realizados levam a crer que a construção de Angra 3 pode agora ser feita com recursos de subsidiárias da própria Eletrobras ou externos, simplesmente porque foi tomada uma resolução sobre a tarifa futura. A possível participação de recursos externos segue possível e provável, sem que se coloque em risco o controle nacional da geração nuclear. A atual direção da Eletronuclear exerceu e está exercendo papel crucial no equacionamento do problema. A manutenção dos dirigentes e o anunciado apoio do Ministro do MME e da própria Presidência à conclusão de Angra 3 são sinais positivos, mas não resolveram em definitivo o problema de recursos financeiros necessários.

Também como consequência implícita do desenho da Política Nuclear, surgiu a perspectiva de parcerias com a iniciativa privada na exploração mineral. Na legislação atual existe o monopólio da exploração dos minerais nucleares. Um minerador que encontre urânio associado no minério que explora não tem nenhum interesse em revelar o achado e até o esconde das autoridades. Se a quantidade for pequena ele será obrigado a entregar à CNEN a quantidade correspondente em produto acabado sem receber nenhum pagamento. Se a presença do minério nuclear for importante, ele pode ser impedido de continuar a mineração.

A saída desse impasse já vem sendo procurada pela própria INB que detém o monopólio na mineração nuclear no caso concreto de fosfato associado ao urânio em Santa Quitéria, no Ceará. A solução aventada seria um consórcio com empresa privada. O Grupo GT-3 do CDPNB vem tratando do tema. Existe uma série de situações intermediárias onde a venda do urânio secundário extraído à INB poderia ser lucrativa tanto para o minerador como para a estatal. A solução deste impasse não precisa, em princípio, passar pela revogação do monopólio, mas provavelmente necessite de alteração na legislação. Uma das soluções seria substituir a obrigação de entrega gratuita à CNEN e oferecer a possibilidade da compra do concentrado de urânio pela INB.

No caso do tório, cujo mercado interno e externo é limitado, a solução é mais complexa. Por exemplo, na obtenção de terras raras de areias monazíticas no Brasil, o concentrado de hidróxido tório gerado (torta II) continua como um problema de resíduo radioativo ainda não solucionado. Embora não seja considerado um rejeito, atualmente é fonte de despesas para a INB juntamente com o rejeito propriamente dito.

Deve-se lembrar, enfim, que existem tecnologias na área do ciclo de combustível nuclear que se configuram como estratégicas e estão sujeitas a controles e barreiras na área internacional. Isto não inclui a fase de extração e beneficiamento de minérios. Apenas a partir da comercialização do produto purificado é que existe um componente estratégico importante. Já discutimos esse assunto anteriormente e também assinalamos que o mesmo critério pode ser aplicado aos radioisótopos nucleares onde somente a separação primária dos produtos de fissão deve ser considerada estratégica e não poderia ser entregue à iniciativa privada. Esses assuntos também têm sido objeto de discussão dos GTs do GSI/PR.

Um longo caminho no estabelecimento e concretização das estratégias adequadas à implantação da Política Nuclear deve ainda ser percorrido. Várias das diretivas deveriam ser objeto de estudos e detalhadas sob a forma de estratégias que seriam parte de um Programa Nuclear  Brasileiro que deve ser explicitado.

O Próprio CDPNB precisa preencher a lacuna existente na medida em que o Programa Nuclear Brasileiro (PNB) cujo Desenvolvimento (D) deve cuidar, não existe formalmente.

A visualização da continuidade de esforços, ao longo de vários governos de diferentes tendências, permite encarar de maneira positiva a perspectiva que ela se firme como Política de Estado e atinja seus objetivos.

[1] O CDPNB foi criado por meio de Decreto datado de 2 de julho de 2008 e foi alterado pelo Decreto de 22 de junho de 2017. O CDPNB este inativo durante o Governo Dilma, em 2017 foi reativado e sua Secretaria Executiva passou da Casa Civil para o GSI.

[2] Algumas siglas usadas neste artigo: CDPNB – Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear, CTMSP – Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, GSI/PR – Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, INB – Indústrias Nucleares Brasileiras e NUCLEP Nuclebras Equipamentos Pesados, agora vinculadas ao MME – Ministério das Minas e Energia, MCTIC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.

[3] Não é exatamente coincidência que o Alte. Noriaki Wada, que coordenou as atividades na área nuclear no GSI, tenha sido  indicado para comandar o Centro tecnológico da Marinha em São Paulo – CTMSP.

[4] Esta situação será resolvida brevemente com a exploração de outra ocorrência próxima a atual usina.

Comentário Recebido:

Recebemos do Alte. Othon Pinheiro da Silva, que dispensa apresentações,  mensagem que, a nosso ver, encerra uma ideia que ainda é válida:

“Na década de 1980, era funcionário do IPEN o Dr. Alcídio Abrahão um dos engenheiros químicos mais competentes da história nuclear brasileira. Sugeri insistentemente à direção da CNEN e do IPEN que construíssemos, sob a liderança do Dr. Alcídio Abrahão, um laboratório de desenvolvimento de técnicas de ” abertura do minério ” para economicamente aproveitar o conteúdo de urânio das ocorrências minerais.

Estas técnicas de abertura seriam disponibilizadas às mineradoras e seria garantida a compra pela INB do urânio a preços do mercado internacional de longo prazo. A INB manteria o estoque para suprimento de nossas usinas nucleares e venderia ao mercado internacional o excedente comunicando as vendas a AIEA ( a ABACC ainda não existia) .

Na ocasião, a ideia não foi rechaçada nem aprovada. Se tivesse sido adotada, ela poderia evitar o constrangimento do Brasil comprar urânio externamente que é quase igual ao que seria o Brasil comprar minério de ferro. A abertura correta do minério minimiza rejeitos e procura a economicidade.”

A nosso ver, essa ideia pode ainda ser aproveitada hoje. Infelizmente. não temos mais o Dr. Alcídio Abraão cuja contribuição foi importantíssima para o desenvolvimento do ciclo nuclear no Brasil, mas ainda temos o IPEN e, vale lembrar, que também o CDTN, em Belo Horizonte, tem experiência com diversos minérios e uma instalação para testar metodologias de abertura, além disso, temos agora a experiência acumulada pela própria INB.

O ponto central da ideia seria facilitar a participação da iniciativa privada na produção de minérios onde o urânio é um produto secundário, dando assistência técnica e adquirindo o produto ao preço internacional médio. Separá-lo geraria um bônus ao minerador ao invés do atual ônus de ter que entregar o produto acabado à CNEN. Dispor de fontes variadas de urânio no país aumenta a segurança no abastecimento.

Efeito Estufa: Uma moratória para o metano

Opinião:

EFEITO ESTUFA:
UMA MORATÓRIA PARA O METANO

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra
  carlos.feu@ecen.com, olga@ecen.com

Resumo

Existem incertezas científicas importantes sobre o comportamento do metano na atmosfera levantadas nos próprios estudos do IPCC, órgão que assessora a ONU em questões de aquecimento global. A comunidade científica internacional da área tem chamado a atenção sobre a precariedade dos modelos e das consequentes incertezas quanto à evolução futura da concentração do metano na atmosfera. Essa está, há décadas, em uma trajetória de estabilização, que contraria as projeções iniciais do Terceiro Relatório do IPCC. Existem, ainda, variações importantíssimas nos coeficientes para expressar o metano em equivalente a CO2. Isso reflete as dúvidas sobre a importância do metano no aumento da temperatura global.

No Brasil, o metano é um gás de grande peso na contabilidade atual das emissões. Ações para conter as emissões podem ser ineficazes do ponto de vista do aquecimento global e resultar em gravames importantes para a competitividade do Setor Agropecuário. Por mais inoportuna que pareça a ocasião, em face de apaixonadas e até irracionais contestações políticas sobre a realidade e a gravidade do aquecimento global, está faltando á comunidade científica sugerir claramente a atitude a ser adotada pelo Brasil. Em nossa opinião, esta atitude seria uma moratória nas metas para a agricultura apresentadas na conferência do Clima em Paris.

Palavras chave:

Metano, efeito estufa, GWP, GTP, equivalência a CO2, setor agropecuário, emissões.

1.    Introdução

Os relatórios do IPCC[1] dão respaldo científico ao aumento da temperatura global pelo efeito estufa e da participação da atividade humana nisso. Para o principal gás de efeito estufa, o gás carbônico (CO2) existe a certeza do aumento de sua concentração na atmosfera e as previsões de seu crescimento vêm sendo confirmadas. Para o segundo, o metano (CH4), existe evidência sobre o aumento de sua concentração na atmosfera, mas não há respaldo, nos relatórios do IPCC, da validade das projeções para seu crescimento e não há fundamentação técnica sólida para o coeficiente utilizado para valorar suas emissões em “equivalente a CO2”. Consequentemente, não existe justificativa científica para fazer o esforço que o Brasil se propôs para reduzir à metade a emissão específica[2] do gás metano nas atividades agropecuárias. As medidas relativas a essa meta deveriam ser reconsideradas, numa espécie de moratória.

O metano tem sido tratado com certa ligeireza por ser “apenas” o segundo gás nas emissões causadoras de efeito estufa. No Brasil, ele é um gás muito importante na contabilidade atual para ser tratado assim.

O Setor Agropecuário, direta e indiretamente, é responsável por parte substancial da receita brasileira com exportações. O Brasil faz bem em cooperar para minimizar as emissões de Gases de Efeito Estufa – GEE, mas não está em condições de assumir compromissos que prejudiquem significativamente sua produção e exportações quando não existe respaldo científico para este esforço.

2.    Importância do metano nas emissões brasileiras

O Brasil assumiu compromissos importantes na Conferência de Paris sobre as emissões de gases de efeito estufa. Entre eles, está o de reduzir a intensidade das emissões agropecuárias a cerca da metade do valor de 2005[3] (Feu Alvim e Mafra, 2016).

O metano é o gás de efeito estufa responsável, no Brasil, por dois terços das emissões na agricultura (World Bank)[4] com predominância da parcela que é formado no aparelho digestivo do gado. Mesmo no cômputo das emissões gerais, fora outros usos da terra (fundamentalmente o desmatamento), o metano, usando os coeficientes correntes, é o maior responsável pelas emissões brasileiras de GEE sendo superior a do gás carbônico, ao contrário do que acontece, com os demais grandes países. Essas medidas são feitas em equivalente ao gás carbônico através de um fator de conversão (GWP) reconhecidamente problemático.

Ou seja, o metano não é um assunto marginal para o Brasil quando se fala em mudanças climáticas. Quase todas as medidas para redução de emissão de metano implicam em investimentos adicionais e aumentos no custo da produção agropecuária[5]. Os compromissos assumidos pelo Brasil deveriam preocupar o Setor Agropecuário.

3.    Incapacidade de previsão do comportamento da concentração do metano

O esforço pontual para conter as emissões de metano é pouco efetivo para conter o aumento da temperatura. Além disso, o comportamento do metano na atmosfera mostra que a tendência é da concentração se estabilizar em nível próximo ao atual.

A tendência à estabilização da concentração de metano na atmosfera foi identificada em 2006 (Feu et al., 2006) quando o comportamento histórico de estabilização foi examinado com a modelagem logística de Volterra, aplicada extensamente por Cesare Marchetti e José Israel Vargas. 

As previsões de crescimento da concentração do metano no TAR – Terceiro Relatório de Assessoramento ao IPCC não se efetivaram (Feu Alvim e Mafra 2018). A indicação da tendência histórica é que a concentração na atmosfera está parando de crescer. Os modelos teóricos sobre o comportamento do metano não são satisfatórios para descrever o que ocorre com sua concentração na atmosfera, como demonstra artigo de revisão do assunto na revista Nature (Kirschke, 2013). Confrontando os dados sobre o pico no acréscimo da concentração de metano centrado em 2014 com os modelos existentes chegou-se à conclusão que “não há efetivamente nenhuma confiança nas projeções de concentrações futuras de metano[6].

O próprio AR4, Quarto Relatório de Assessoramento do IPCC (IPCC, 2007), já havia assinalado, entre as maiores incertezas no assunto aquecimento global, a confiabilidade dos modelos; especialmente no que se refere ao metano: “é necessário validar os modelos (de projeção da concentração) não se restringindo à intercomparação com outros modelos, principalmente para o caso do metano”. Compreende-se que para o CO2, com vida média de milhares de anos, o único teste possível é a comparação de resultados entre modelos teóricos. Já a validação dos modelos para o metano pode e deve ser feita com os dados experimentais[7]. A vida média, da ordem de uma dezena de anos, facilita esta validação com os dados disponíveis. O problema é que ainda não existe um modelo consensual para interpretação dos dados.

4.    Dúvidas sobre o coeficiente de equivalência a ser utilizado

Também tem havido intensas discussões sobre o fator de equivalência adotado para valorar o metano em relação ao CO2. Os fatores considerados diferem em cerca de uma ordem de grandeza e até mais. Entre o GWP (Global Warming Potencial) e o GTP[8] (Global Temperature change Potential) para 100 anos a diferença encontrada, nas análises do IPCC, é de um fator que vai de 28 a 4. Outros pesquisadores usam coeficientes de 0,35 ou 0,26 (WangChang-Ke, et al., 2013) para o GTP. O GTP mede a equivalência baseada na variação de temperatura induzida pelos gases, já o GWP baseia-se apenas no poder de reter a radiação, integrado no período.

Parte do problema da equivalência está no tempo de integração a ser utilizado. Os grupos de trabalho científicos do IPCC, para o Fifth Assessment Report (AR5), analisaram o caso geral dos coeficientes de equivalência, com grande impacto na avaliação do efeito estufa do metano. Chamam a atenção para o problema da escolha do tempo de integração de 100 anos, usado como padrão para computar os coeficientes. O AR5, em seu Capítulo 3 diz que a escolha do tempo de integração, avaliado pelo IPCC para 20, 100 ou 500 anos, é arbitrária e foi improvisada pelos diplomatas na Conferência de Kyoto sem o respaldo científico[9].

 Também é discutido, no relatório AR5, o problema de tratar de uma maneira igual, as emissões de metano independentemente de sua origem fóssil ou orgânica. Deve-se considerar que o processo de emissão de CH4 a partir da digestão animal tem início com a absorção do carbono da atmosfera (CO2) pelos organismos formadores da alimentação bovina. A partir daí, existe uma captura de CO2 que dura até a extinção do CH4 da atmosfera cujo produto predominante ao final de processo é o próprio CO2. Considerando esse ciclo é que as emissões de CO2 por fontes renováveis são consideradas nulas nos inventários dos países. No caso do metano de origem fóssil o CO2 formado permanecerá, em média, milhares de anos contribuindo para o efeito estufa.

Deve-se assinalar, além disto, que o Capítulo 8 do mesmo AR5 (IPCC, 2014) que examinou os critérios de equivalências, diz que a decisão de adotar o coeficiente usado foi tomada na Conferência de Kyoto, mas que “não existe argumento científico que justifique selecionar o de 100 anos comparado com outras possíveis escolhas”[10].

Também deveria ser revista essa equivalência no comércio de “direitos de emissão” entre países ou empresas. Nele a eventual supressão da emissão de metano (vida média 12 anos) “compra”, usando um coeficiente de equivalência 28, o direito de não reduzir as emissões de gás carbônico (vida média de milhares de anos) por outros países. Essa equivalência não traduz a eficácia da supressão eventual da emissão de metano em compensar a emissão de CO2 para mitigar o aumento de temperatura. Essa troca foi feita em projetos de MDL (mecanismo de desenvolvimento limpo) propostos em Kyoto, e deveria ser considerada hoje (no mínimo) antiética.

5.    A moratória sobre os compromissos de redução de metano

Em nossa opinião, seria prudente suspender a meta para a Agropecuária até que fosse quantificado o que seria conveniente e necessário fazer. De outra forma, estaríamos empregando recursos especialmente escassos de investimento em uma atividade em que o Brasil consegue competir com vantagem no comércio exterior.

Feita a reavaliação, as medidas para redução de emissões estariam restritas àquelas de seguro resultado sobre o aquecimento global. Do ponto de vista prático, elas seriam limitadas às que forem justificáveis usando-se o índice GTP.

Nossa meta voluntária é reduzir à metade as emissões por unidade de produto agrícola em 2025 ou 2030 tomando como referência o ano de 2005. Já assinalamos aqui, por diversas vezes, a enorme passividade com que os setores produtivos aceitaram as metas propostas para a “pretendida” Contribuição Nacionalmente Determinada – CND, mais conhecida pela sigla inglesa iNDC (intended Nationally Determined Contribution).

Pare reduzir emissões são necessários investimentos que constituem o mais grave gargalo ao desenvolvimento brasileiro. Tendo em vista o conturbado ambiente político vivido pelo país nos últimos anos, praticamente não houve uma discussão séria da sociedade sobre as metas que seriam assumidas nem de seus custos. Isto apesar das consultas públicas que o Ministério do Meio Ambiente procurou fazer com a Sociedade.

De uma maneira geral, as entidades patronais até aplaudiram os engajamentos assumidos pelo Governo, em nome da sociedade, julgavam talvez que o Governo subsidiaria os custos. Isto claramente não poderá ser feito.

6.    Conclusões

As consequências econômicas da redução prometida para o metano passaram despercebidas por ser um problema que concerne de uma maneira muito especial ao Brasil, não havendo discussões correspondentes no exterior. O compromisso assumido pelas autoridades brasileiras é uma contribuição voluntária que não foi suficientemente discutida internamente. O Brasil defende, tanto na assessoria científica como na comunidade diplomática, a adoção do coeficiente baseado na temperatura.

Na revista anterior, (Feu Alvim & Mafra, 2018) foi apontada a conveniência de que só fossem implantadas medidas relativas às emissões de metano, quando justificáveis, em análise técnico-econômica usando-se o índice GTP que exprime a equivalência entre gases, baseado no efeito sobre a temperatura global.

O que se propõe aqui é que o Brasil adote internamente o fator de equivalência defendido por cientistas brasileiros e também pelo próprio relatório técnico o IPCC. Adotando a equivalência GTP, proposta para o metano, o Brasil já estaria reduzindo sua emissão de 2012[11] de 40% em equivalente a CO2. Com a menor importância relativa do metano, ficará mais fácil remanejar as emissões e cumprir os compromissos globais.

Deve-se lembrar também, que parte da meta pode ser alcançada com aumentos da produtividade. Isso já aconteceu entre 2005 e 2014, o Brasil já havia reduzido em 20% suas emissões por unidade de produto na Agropecuária quando assinou o compromisso. Parte da meta já está alcançada e a redução das emissões pode ainda ser significativa.

É preciso, frente às novas e difíceis circunstâncias econômicas que o País viveu nesse longo período de recessão, chegar a uma proposta realista sobre nossas metas de emissões. O Brasil tem crédito acumulado com seus baixos índices de emissão por produto, para justificar a revisão da meta.

O novo compromisso que venha a ser feito[12] ainda contemplaria uma redução substancial das emissões por produto agropecuário, mas manteria nossa competitividade internacional. Não se correria também o risco de estar contribuído para aumentar o crescimento da temperatura global pelo uso de um coeficiente incorreto. Existe, com efeito, o perigo de aumentar, ao invés de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, a partir das emissões indiretas com gastos com combustíveis e fertilizantes exigidos pela modernização da agropecuária.

Feitas as alterações, sobrará algum lugar talvez para o “gado feliz”, criado sem confinamento excessivo, que saberíamos valorizar comercialmente como já se faz com o frango e os suínos criados de maneira mais natural.

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___________________________

Notas:

[1] IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, “The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) is an intergovernmental body of the United Nations,[1][2] dedicated to providing the world with an objective, scientific view of climate change and its political and economic impacts “

[2] Por produto.

[3] O compromisso é o de praticamente manter, em 2025 e 2030, emissão praticamente igual a de 2005, como se espera que a produção pelo menos duplique, isto significa reduzir à metade e emissão por produto.

[4] As emissões de gases de efeito estufa com o uso de combustíveis na agricultura são contabilizadas como consumo energético.

[5] Os investimentos e custos adicionais para reduzir as emissões podem resultar em aumentos  na produtividade e serem economicamente justificáveis. Essas medidas devem ser implantadas até independentemente do esforço para redução das emissões de GEE.

[6] “However, determining the relative contributions of anthropogenic, biogeochemical, and chemical drivers of methane trends has been extremely challenging and consequently there is effectively no confidence in projections of future atmospheric methane concentrations”.  
https://www.nature.com/articles/s41467-017-02246-0    Pag 2/34

[7] Validation beyond model intercomparisons is required, especially also with respect to the methane cycle. Pag 249

[8] O GWP – Global Warming Potential baseia-se na comparação da integração do coeficiente de radiação (RF) ao longo de um período determinado para um gás (no caso metano) com o gás de referência (no caso CO2). O GTP – Global Temperature Change Potential compara o efeito sobre a temperatura ao final do período. Nesse caso, há um retardo entre a emissão do gás na superfície da Terra e seu efeito de contenção da radiação do calor que se dá em altitudes maiores.

[9] “the IPCC has calculated global warming potentials (GWPs) to convert climate pollutants into common units over 20, 100 and 500 year time horizons. …In the Kyoto Protocol, diplomats chose the middle value – 100 years – despite the lack of any published conclusive basis for that choice.
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2018/02/ipcc_wg3_ar5_chapter1.pdf    pag 122

[10] “There is no scientific argument for selecting 100 years compared with other choices.”https://ar5-syr.ipcc.ch/resources/htmlpdf/WG1AR5_Chapter08_FINAL/   pag. 711

[11] Excetuando outros usos da terra, principalmente florestas.

[12] Essas medidas inda não incluiriam a redução da emissão de metano que poderá ser feita, como futura medida “emergencial” (face aos enormes prazos envolvidos no estoque de CO2) para conter o aquecimento global no futuro. Isto poderá ocorrer em uma outra circunstância histórica onde certamente os mecanismos de emissão e absorção do metano já serão melhores conhecidos. Atualmente, não se pode confundir as medidas direcionadas a controlar o estoque centenário e milenar de gases de efeito estufa na atmosfera  com medidas de fluxo para conter em um prazo de dezenas de anos o aquecimento global.

É CEM

É CEM

Este é o centésimo exemplar da revista Economia e Energia – E&E. Em dezembro de 1996, lançamos na internet nosso número zero[1] da fase internet que foi transcrita na forma impressa posteriormente adotada. Nossa proposta foi “trazer para o debate dos temas vinculados a seu título (Economia e Energia) uma visão de médio prazo, ancorada no comportamento histórico de variáveis, mas atenta às novas tendências globais. Ousaremos apresentar, a cada número, projeções sobre o comportamento futuro de algumas variáveis”. Isto é, basicamente, o que continuamos a fazer.

Nosso primeiro número apresentava os seguintes temas e autores: Apresentação: e&e o que é e a que veio, A Produtividade do Capital: Carlos Feu Alvim;  Brasil e a Mudança do Clima: José D. G. Miguez; Exaustão do Petróleo: Omar Campos Ferreira; Equilíbrio Instável: Genserico Encarnação Jr; O Capital Nacional: Carlos Feu Alvim.

Omar Campos Ferreira (1931-2013) e Frida Eidelman (1941-2016), já nos deixaram e deram uma preciosa contribuição à Revista que, no que se refere a artigos, está preservada em sua íntegra na internet.

 Nossa colega e amiga Frida Eidelman que integrou a equipe desde o início, possibilitou a publicação em inglês de todos os artigos durante muitos anos. Na ocasião de seu falecimento, estávamos no único período em que foi interrompida a edição da Revista. Reflexo, em parte, da falta que ela já estava fazendo. Com isso ficamos devendo a ela uma homenagem a exemplo da que pudemos fazer com o Omar.

Frida Eidelman aliava um profundo conhecimento de humanidades, que incluía um apurado conhecimento de línguas, a uma formação sólida em matemática e em ciências nucleares. Foi exemplo para nós de atitude construtiva e de cordialidade, qualidades que contribuíram muito para cativar toda a equipe.

Nos últimos anos, foi exemplo de coragem e otimismo frente a terríveis dificuldades de saúde. Depois de uma complicada cirurgia, que permitiu a consciência da gravidade do seu caso, encontrou ânimo para ainda viajar ao exterior com um grupo de amigos que ela sempre soube cultivar.  Amigos que soube manter, em várias partes do mundo.

Levava muito a sério os assuntos religiosos, mas era capaz de conversar e compreender as posições de outras religiões e dos que não as tinham. Conseguiu com isso, certamente contando com a reciprocidade da tolerância que ela inspirava, sendo israelita, ter afilhado cristão.

Neste número cem, prestamos a ela essa singela homenagem. Sua natureza radiante, cotidianamente relembrada, segue iluminando sua falta.

[1] Número Zero: http://ecen.com/eee0/eeezero.pdf
Número Um: http://ecen.com/content/eee1/frprinci.htm

 

Efeito Estufa: Dúvidas sobre o Papel do Metano

Artigo:               

EFEITO ESTUFA: PERSISTEM DÚVIDAS SOBRE O PAPEL DO METANO

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra
 
carlos.feu@ecen.com, olga@ecen.com

Resumo

Os teores do gás carbônico (CO2) e do metano (CH4) na atmosfera estão acima dos recordes históricos e pré-históricos. Ao contrário do gás carbônico, entretanto, o crescimento do metano mostra sinais de desaceleração desde os anos setenta. Por ser uma substância basicamente exotérmica (libera energia quando é oxidado) o metano tem menor vida média que o CO2. Enquanto a concentração do gás carbônico continua no processo regular de crescimento de sua concentração na atmosfera, o metano mostra um comportamento histórico de estabilização, examinado com a modelagem logística de Volterra, aplicada extensamente por Cesare Marchetti e José Israel Vargas.

Doze anos após a primeira análise aqui publicada (2006), a concentração de metano continua seguindo a rota prevista (E&E № 55), ao contrário do que indicava a maioria dos modelos adotados na época pelo IPCC. Durante quase uma década, a concentração de metano praticamente estacionou.

Ao invés de se focar no comportamento inesperado da concentração de metano, a discussão sobre o assunto tem se concentrado na equivalência a ser usada com o gás carbônico. A divergência entre os coeficientes de equivalência entre o metano e o CO2, apresenta um fator próximo a dez.

Tudo isto indica que a incerteza científica sobre o comportamento do metano aconselha prudência na realização de investimentos para reduzir sua emissão. Propõe-se limitar as medida àquelas que forem justificáveis, usando-se o índice GTP (Global Temperature Change Potential).

Palavras Chave

Metano, gases de efeito estufa, GWP, GTP, modelagem logística.

________________________________

1.   Introdução

A mitigação de metano (CH4) tem sido um dos principais alvos de medidas incentivadas visando a redução da emissão de gases de efeito estufa. Este gás, se coletado na origem e suficientemente concentrado, é inflamável e sua energia aproveitável. O protocolo de Kyoto estabeleceu uma equivalência de 21, relativa à igual massa de CO2. Nas orientações do IPCC para as declarações nacionais este valor vem crescendo, chegando a 28, no valor adotado no Relatório de Avaliação 5 – AR5 do IPCC.

Dois fatos têm, no entanto, colocado em dúvida a validade da mitigação do efeito estufa no que é atribuído ao metano. O primeiro deles, é que o coeficiente usado não leva em conta o efeito dele esperado sobre a temperatura, que é o objetivo primordial da mitigação. De fato, quando levado em conta, o coeficiente cai de 28 para 4. O segundo fato, é que a concentração do metano não está crescendo como previsto, supondo-se mesmo que já poderia estar sobre controle da Natureza.

Com efeito, a maioria das projeções para o aumento da concentração de metano, usadas no Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC (TAR), falhou redondamente na previsão da concentração futura de metano na atmosfera nas duas décadas seguintes.

Sobre este assunto, foi mostrado na revista E&E № 55 que um tratamento estatístico dos dados da concentração de metano na atmosfera já apresentava sinais de desaceleração desde os anos setenta e que sua tendência indicava uma saturação próxima a 2 ppm[1] ou 2000 ppb, que é a unidade usual para medida deste gás na atmosfera. Na primeira década desde século, a quantidade de metano apresentou-se praticamente estável. Isto levou a comunidade de cientistas que dão sustentação ao IPCC a investigar seriamente a causa desse fenômeno inesperado, que ocorreu justamente nos anos posteriores à divulgação do relatório que havia procurado reforçar, frente à opinião pública, a certeza sobre a realidade do efeito estufa. Do ponto de vista político, não houve críticas exacerbadas sobre o erro das projeções. Na verdade, houve um silêncio respeitoso. Nos programas de mitigação o metano continuou desfrutando do coeficiente que o tornava atraente em projetos como os do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL.

Nos primeiros anos desta década, constatou-se uma ligeira retomada no crescimento do metano que tem sido bastante realçada, sobretudo, em artigos que comparam o comportamento citado nas duas décadas. Embora real, esta análise é claramente tendenciosa quando se limita a comparar só duas décadas.

Este artigo examina estes dois assuntos. Foram constatadas inúmeras incertezas sobre a concentração de metano e sua equivalência ao CO2 para fins de efeito estufa. Face a essas incertezas, propõe-se que as medidas de mitigação de metano, principalmente as que exigem maior concentração de recursos e que mais onerem a produção devem ser submetidas à criteriosa análise de custo-benefício. Devem-se limitar as ações incentivadas aos projetos viáveis, em termos da equivalência que tomam por base o efeito estimado sobre a temperatura global.

No Brasil, o metano é responsável por pelo menos 36% dos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e por 32% dos resultados, de acordo com o Segundo Relatório de Atualização Bienal do Brasil à Convenção – Quadro das Nações Unidas (Brasil MRE/MCTIC, 2017).

Deve-se lembrar que as medidas de contenção do efeito estufa (mitigação) exigem consideráveis investimentos cujo sacrifício é tanto maior quando o país é ainda de baixa renda média, agravada por uma má distribuição, como é o caso do Brasil.

2.   Mais uma vez, o Comportamento Histórico da Concentração de Metano na Atmosfera.

O metano no Brasil é o gás considerado como o de maior contribuição para as emissões brasileiras, quando se excluem as emissões do uso da terra.  

Em 2006, na edição de № 55 (Feu Alvim, et al., 2006) desta revista usou-se essa mesma metodologia que já foi bastante testada para projetar variáveis de comportamento complexo como é o teor de metano na atmosfera terrestre. No caso do metano, existe uma razão a mais para aplicar a metodologia porque, na explicação mais simples, ainda correntemente adotada, este gás desaparece com uma vida média de 12 anos e a eliminação do metano na atmosfera seria proporcional a sua concentração[2]. Na revista E&E N° 65 as previsões já sofreram uma “revisita”, onde foi realçada a divergência entre as previsões sobre a evolução da concentração de metano e as projeções correntes. Na maioria dos modelos avaliados pelo IPCC, a vida média do metano seria aumentada pela redução da concentração de OH na atmosfera o que não ocorreu.

Fazendo uma digressão a respeito: Previsões de longo prazo são as mais confortáveis de se fazer porque dificilmente são cobradas de seus autores. Nesse caso, os autores têm a oportunidade de, 12 anos após a primeira publicação, voltar ao assunto, certamente motivados pelo acerto e, com o estímulo extra, das falhas nas previsões do grande consenso científico representado pelo IPCC.

As projeções anteriormente apresentadas basearam-se nos dados de 1900 a 1996 mostrados na Figura 1.

Figura 1: Valores da concentração de metano na região do Polo Sul, baseados em amostras de gelo datadas e em medidas atmosféricas modernas e respectivos ajustes.

O que se observa neste gráfico é que a variação da concentração de metano na atmosfera vem subindo ao longo do tempo. A Figura se concentra nos anos posteriores a 1940. Na análise anterior foi mostrado que concentração passou de cerca de 850 ppb (partes por bilhão em massa) em 1900 e atingiu cerca de 1700 ppb em meados da década de noventa. Os mesmos dados permitem obter a variação média anual que teriam passado por um máximo na década de setenta. A linha de cor magenta, representa a variação anual da concentração (geralmente acréscimo e assim denominada no gráfico) e é lida na escala à direita. Os dados disponíveis atingiam um período muito mais longo, mas o comportamento dos acréscimos sugeria concentrar a análise nos dados a partir de 1940 que apresentam uma dinâmica diferente dos anos anteriores. Nas atividades humanas, supostas causadoras do aumento da concentração de metano, a Segunda Guerra Mundial e o desenvolvimento do pós-guerra são, seguramente, marcos importante para demarcar o período da análise.

Os valores em magenta na Figura 1 (variações anuais da concentração) servem para determinar o ponto de inflexão da curva de concentrações (ano de 1975) e para estimar a concentração máxima a ser atingida (1890 ppb).

A representação da variação acumulada (a partir de 1940) na escala Fisher-Pry, mostrada na Figura 2, permitiu o ajuste dos dados existentes por uma reta cuja extrapolação serve para projetar os valores futuros, mostrados na Figura 1 tanto para a curva de acréscimos como para a integral.

Figura 2: Ajuste da Curva Fisher-Pry aos valores da concentração de Metano na Atmosfera.

Nesta representação usa-se o tempo como variável na horizontal, e, na vertical log[f/(1-f)]. Nesse caso, definiu-se o valor de base como sendo 954 ppb que é a média dos anos anteriores a 1940 da amostra (1900 a 1938). O valor de f é o valor do ano, subtraído da base, dividido pelo valor máximo, também subtraído da base. Esse ajuste, em escala natural, foi também representado nos dados de concentração mostrados na Figura 1.

Resumindo, baseando-se no comportamento histórico da concentração de metano na atmosfera até 1996, uma curva logística (E&E 55) foi ajustada aos dados. Pelo ajuste, a concentração de metano na atmosfera se estabilizaria bo nível de 1890 ppb. Tal mudança ocorreria em um tempo de 69 anos entre o início do processo (10%) a sua saturação (90%). Havendo o atual ciclo se iniciado em 1940, haveria atingido um valor próximo à saturação em 2010.  Os detalhes desta metodologia de ajuste estão na referência E&E 55.

Os valores, projetados naquela ocasião, podem hoje ser confrontados com os valores reais verificados ao longo de mais de 20 anos. Isto é feito na Figura 3 com dados médios na atmosfera terrestre. Para comparar os dados médios é preciso levar em conta a diferença, verificada nas amostras ao longo dos séculos, na concentração de metano entre o polo Sul e a média mundial que continua existindo nas medidas atuais.

Para comparação, os dados do Polo Sul e os dados médios para o mundo foram renormalizados para a média dos anos 1994 e 1995 para as duas séries de medidas. Encontrou-se um valor de renormalização de 67 ppb que foi subtraído dos valores médios mundiais para comparar com o comportamento indicado. Esta diferença é cerca de 4% da concentração do Polo Sul. Os resultados são mostrados na Figura 3.

Figura 3: Comportamento das concentrações de metano na atmosfera no Polo Sul; projeções do ajuste e comparação com o comportamento de dados disponíveis até 1996 com os novos dados até 2017.

Um atrativo ao estudo dessa questão dos gases de efeito estufa é que as medidas realizadas para compreender sua emissão e dispersão propuseram desafios, que estão provocando interessante atividade de pesquisa com coleta de dados e sua análise por diferentes grupos. Para algumas questões, ainda não existem explicações satisfatórias e, para outras, existem explicações contraditórias.

É o caso da concentração de metano na atmosfera nas diferentes latitudes no globo como também sua variação desde a superfície até as altas camadas da atmosfera. A emissão e absorção do metano obedecem a vários processos e os modelos existentes tem se revelado imprecisos no médio prazo para explicar o comportamento de sua concentração.

De acordo com a literatura, a vida média do metano não seria constante. Por ocasião da Publicação do TAR Base Científica (IPCC, 2001) (cap. 4, fig. 4.14 pag. 276 versão inglesa), havia modelos prevendo sua queda ao longo deste século e a maioria prognosticando seu aumento em virtude da redução da concentração de OH provocada pela própria reação com o metano, da variação da concentração de ozônio (O3) e de monóxido de carbono (CO) na atmosfera, que também interferem na absorção de metano.

Um balanço equilibrado do metano é mostrado na Tabela 1 (Weele, 2006) podendo-se ver a diversidade de processos de emissão tanto naturais como associados à atividade humana e sua absorção dominada pela presença de OH na troposfera. É assinalada a dúvida existente sobre o papel das florestas na emissão de metano.

Tabela 1: Fontes Antropogênicas, Naturais e Absorventes do CH4

Fontes Antropogênicas
(em Tg/ano)

Fontes  Naturais
(em Tg/ano)

Absorventes
(em Tg/ano)

Fosseis                           102
(carvão/petróleo/gás)

Plantações de Arroz  80

Queimadas                     45

Animais                        98

Lixo                                70

Pântanos        145

Termitas           20

Oceanos           15 Geológicas       18

Plantas               ?

OH                         523
Troposférico

Solos                     30

Estratosfera       40

Totais                       395                        198                           593

As projeções para o Terceiro Relatório de Avaliação (TAR) do IPCC, feitas pelos técnicos que assessoram o IPCC, resultaram inteiramente dissonantes do verificado nos últimos anos, mesmo tendo sido feitas com dados posteriores aos utilizados pela revista E&E.

A grande maioria dos cenários considerados no Terceiro Relatório de Assessoramento – TAR (IPCC, 2001) apontava, para os anos seguintes ao da sua publicação (2001), crescimento significativo da concentração de metano na atmosfera, ilustrado na Figura 4.

Os diferentes cenários do IPCC para o TAR representam hipóteses de evolução sem quaisquer medidas de mitigação. Desses cenários (Special Report on Emissions Scenarios – SRES)[3], só um cenário (B1), previa a reversão do crescimento da concentração de metano. Esta reversão só seria alcançada, no entanto, por volta de 2030.

A Figura 4 compara os diferentes cenários do IPCC com o ajuste do artigo da E&E de 2006 e mostra que os resultados eram bastante diferentes. A confrontação com a realidade mostrou uma redução, além da esperada pelo ajuste, e pelos modelos do IPCC.

A aparente retomada do crescimento da concentração do metano, observada no comportamento das curvas da concentração e de sua variação na Figura 3, enquadram-se ainda no comportamento histórico de variações ao longo da tendência. O início de um novo ciclo de crescimento, no entanto, não pode ainda ser descartado.

Figura 4: Comparação do ajuste E&E e a projeções dos modelos IPCC, o gráfico de baixo apresenta uma ampliação de escala

No ajuste utilizado, é bom notar que o máximo de variação teria acontecido na metade da década se setenta quando a humanidade ainda não havia tomado consciência do aumento do efeito estufa nem dos possíveis efeitos sobre a temperatura global e consequentemente não havia medidas de contenção das emissões. Ou seja, a reversão já se iniciara muito antes das preocupações da sociedade com o tema e não deve ser atribuída a medidas tomadas ainda no século anterior.

3.   O Fator de Equivalência do Metano ao CO2

Além do problema nas previsões da concentração do metano, existe outra questão de grande importância que é a equivalência do metano ao CO2 quando se avalia seu efeito sobre a atmosfera.

A grande maioria dos que trabalham na área concorda que é real a participação da atividade humana no aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera. Quanto à repercussão do efeito desses gases no aumento da temperatura, há um quase consenso sobre seu efeito qualitativo (há um aumento da temperatura), mas muita discrepância quantitativa sobre seu valor (quantos graus a temperatura vai subir) e maior ainda sobre os efeitos indiretos que este aumento provocará.

Entre os gases de efeito estufa dois se destacam: o gás carbônico ou CO2 e o metano ou CH4. Ambos funcionam como filtros da radiação da Terra para a estratosfera, retendo calor. O efeito dos dois gases como filtro é diferente. Em função disto, cada tonelada de metano é considerada 25 vezes mais poluente, do ponto de vista de efeito estufa, que a tonelada de gás carbônico.  Acontece que o tempo de permanência na atmosfera do metano é muito menor que o do gás carbônico e, em função disto, seu efeito cumulativo sobre o poder da irradiação do Planeta (Radiative Force RF) é menor do que quando é emitido. Isto é levado em conta no cálculo do GWP (Global Warming Potencial) estabelecido a partir do efeito médio em 100 anos na radiação. O valor sugerido para a equivalência ao CO2 tem variado ao longo do tempo. Por ocasião do Protocolo de Kyoto era 21, no Terceiro Relatório de Avaliação (conhecido por TAR da sigla em inglês) era 25 e no Quinto Relatório de Avaliação – AR5 do IPCC está em 28.

O terceiro componente emitido, com os quais se completa 99% do total em equivalente, é a oxido nitroso, N2O. Também ele apresenta um poder de radiação bem superior ao do CO2 sendo sua equivalência considerada como sendo 289 no TAR. Sua vida média é avaliada em 121 anos o que o torna menos sujeito às variações com o período de integração usado para estabelecer a equivalência. Pode-se ver na Tabela 2 que sua variação é pequena mudando-se de GWP para GTP (Global Temperature change Potential) ou usando-se diferentes tempos de integração.

Tabela 2: Vidas Médias e Fator de equivalência a CO2*

GásVida Média
(anos)

GWP

100 anos

GTP

20 anos

GTP

50 anos

GTP

100 anos

CO2Maior que 20.0001111
CH412,42867144
N2O121265277282234

*Dados da Ref. (EFCTC, 2016) adotando os valores GWP para o AR5 do IPCC. 

O que mais interessaria do ponto de vista de aumento da temperatura global seria justamente esse poder de elevá-la quando comparado ao do CO2. Ao longo dos mesmos 100 anos, a equivalência de CH4 em CO2 teria um valor 4. Essa incerteza “desaparece” para fins comerciais quando se adota um fator de equivalência, como foi feito no Protocolo de Kyoto, para negociar créditos de carbono. Melhor seria que essa incerteza fosse claramente indicada para evitar desperdícios com medidas de eficácia desconhecida.

Esses valores, que correspondem à resposta a um pulso do gás ao longo do tempo, estão mostrados na Tabela 2. Um bom e didático resumo sobre os convenientes e inconvenientes de usar um ou outro indicador na comparação dos gases é apresentado na Ref. (EFCTC, 2016). A razão alegada nesse artigo para adotar o GWP é que ele é menos sujeito a alterações ao longo do tempo, por variações na metodologia. As incertezas metodológicas sobre os valores de GWP são estimadas em 26%, associadas ao efeito do CO2 tendo em vista os diferentes processos para sua absorção ao longo de 100 anos. Esta incerteza afeta igualmente o GWP e o GTP. As incertezas relativas ao metano são ainda maiores, porque o tempo de absorção do CH4 ainda é indeterminado e parece depender do ambiente em que ele é lançado. O principal mecanismo de seu desaparecimento seria através de reação química com o radical OH:

                   OH+CH4 → CH3+H2O

podendo se constatar valores diferentes de vidas médias dependendo da abundância desse radical na atmosfera que é variável por localização geográfica. Ademais existem outros mecanismos de absorção com dinâmica própria que tornam a projeção da vida média do metano complexa. A ação humana se dá em paralelo com a ação pré-existente da Natureza como foi mostrado na Tabela 1.

A alegação para não usar o GTP é que a combinação das duas incertezas (CO2 e CH4) resultaria em uma incerteza de ± 96% no valor do GTP do equivalente do metano em CO2. Isso tornaria inconveniente usar a equivalência baseada no efeito sobre a temperatura (GTP) ao invés do GWP, baseado no poder de radiação que apresenta menor incerteza. A diplomacia e os órgãos técnicos brasileiros defendem a adoção dos valores do GTP como equivalência. A posição parece sensata porque, ainda que os valores estejam sujeito a erros, eles medem o que realmente interessa: o efeito sobre a temperatura. 

Esta diferença de posições entre os países e sua possível motivação é discutida na referencia (Chang-ke, et al., 2013). As emissões brasileiras, entre 1990 e 2005, seriam 42% menores usando-se, ao invés da equivalência GWP a GTP. Para os EUA, essa variação seria de 9%, para o Japão 5%, para a União Europeia – UE 11% e para a China 19%. O uso do GTP em lugar do GWP é favorável à China, Índia, Brasil, Austrália e Rússia, mas desfavorável para UE, EUA, Japão, Canadá, e África do Sul.

 Note-se que os parâmetros usados por estes autores são diferentes dos mostrados na Tabela 2 para equivalência em CO2 do metano: 18 para o GWP e 0,26 para o GTP. Isto faz parte da diversidade de parâmetros usados, tendo em vista as incertezas existentes. A conclusão importante é que existe um fator político atribuído à opção dos países por uma ou outra equivalência.

A Figura 5, usando as equivalências da Tabela 2, compara, para o ano de 2012, os valores de emissões do Brasil e do Mundo, em equivalente a CO2, utilizando GWP e GTP.

A participação do metano muda consideravelmente quando se passa de uma equivalência a outra; no valor global, há uma redução de 17% para o valor mundial e, de 40%, para o caso do Brasil. Notar também que a contribuição do metano para as emissões de gases de efeito estufa na equivalência GTP é de apenas 3% o que a torna pouco relevante no quadro global.

Figura 5: As emissões mundiais são menos alteradas quando se passa da equivalência do GWP para o GTP caindo 17%, já as do Brasil caem 40%; nos dois casos, cai muito a importância relativa das emissões de meta.no

Como a equivalência adotada internacionalmente é a GWP, isto se reflete na concentração do esforço brasileiro em reduzir as emissões para a área de pecuária, maior responsável pela emissão de metano. Muitas das medidas propostas pelo Brasil no Quadro das “Contribuições Nacionalmente Determinadas” – CND seriam alcançadas com o aumento de produtividade e teriam talvez uma justificativa econômica, mesmo sem considerar as emissões. Entretanto, mesmo esse tipo de mitigação, exige investimentos que elevariam o custo do produto e cujo retorno ainda não foi comprovado. Também o esforço na área do desmatamento, não foi incluído nesse levantamento, baseado no Banco de Dados do Banco Mundial. O metano é o gás, que maior contribuição tem nas emissões brasileiras (exceto uso da terra) o que é absolutamente atípico nos grandes países.

Com tantas incertezas sobre a real efetividade das medidas propostas, quarenta por cento dos nossos problemas de emissão, não provenientes do uso da terra, podem ser “fake”. Assim, parece mais sensato dedicar os esforços de mitigação para áreas mais promissoras e de menor incerteza.

Como tudo tem seu lado econômico, que vai além do efeito estufa, o caráter extensivo de nossa pecuária diminui sua produtividade física (menos gado por unidade de área de pasto). A prática da criação extensiva se deve a abundância de terras, consequentemente de seu baixo preço no Brasil, especialmente em regiões de fronteira agrícola. Essa modalidade de exploração de gado de corte exige maior tempo de engorda e, por consequência, gera maior quantidade de metano por kg de carne. Na criação intensiva de gado que predomina nos países desenvolvidos, o tempo de abate é menor e a emissão direta é menor por kg de carne produzida.

Se essa criação extensiva consegue predominar sobre a intensiva em boa parte do território nacional, deve existir uma racionalidade econômica que a torne competitiva, e que deve ser também uma das causas da competitividade brasileira no mercado internacional.

Outro ponto que deve ser considerado, é que esse tipo de criação é, usualmente, a primeira ocupação permanente em áreas desmatadas. Isto faz com que a criação de gado seja muitas vezes vista como fator indutor do desmatamento. Essa afirmação é contestada pelo Setor Agropecuário que vê essa primeira ocupação como consequência desse desmatamento mais do que ser sua real indutora. De qualquer forma, o Brasil, como exportador de carne, está abrindo um flanco a nossos produtos que podem passar a ser discriminados por serem menos ecológicos que a carne criada com métodos modernos.

Muito provavelmente, se o metano emitido for convertido em CO2 pela equivalência GTP, a criação extensiva pode até significar um conteúdo resultante de carbono menor que da criação intensiva. Com efeito, na criação intensiva o gado é alimentado com uso de insumos (fertilizantes, combustíveis, equipamentos) com teor implícito de CO2 maior que os usados na criação extensiva conforme ocorre no Brasil que poderia ser considerada “orgânica”. Deve-se lembrar, que na contramão do que seria melhor para diminuir as emissões do gado, há um movimento mundial para evitar o sofrimento das aves confinadas na produção de ovos[4]. Se aplicado ao gado de corte, essa preocupação favoreceria a criação extensiva.

As metas de contribuição do Brasil anunciadas em Paris, trarão ônus extra para o Setor Agropecuário que é responsável por atender por uma das partes mais críticas da contribuição brasileira para o Acordo de Paris. Com efeito, recai sobre o Setor a responsabilidade de reduzir suas emissões, relativas de 2005, a praticamente à metade em 2025 (Feu Alvim, et al., 2017). Não faltam ainda vegetarianos e outras tendências que encontram nas emissões de metano mais uma razão para suas causas. Isso vai atingir os interesses dos produtores e ajudar a discriminar a carne produzida por processos mais extensivos (e naturais). Estudos do conteúdo de carbono equivalente por produto devem ser feitos com os dois índices para apurar o risco de se estar aplicando medidas contraproducentes do ponto de vista do controle do aumento de temperatura.

4.   A Posição dos Cientistas frente ao Efeito Estufa

A questão do efeito estufa colocou os cientistas em uma incômoda situação política. De repente, o cientista se vê na posição de defensor de uma causa: convencer população e governos de que o efeito estufa existe e devem ser tomadas medidas a respeito.

É normal que o cientista, que também é um cidadão do mundo, use suas convicções científicas para orientar sua atuação política. O que é absolutamente inconveniente é que essas convicções passem a orientar sua atuação no campo da ciência onde a atitude crítica é metodologicamente indispensável. Os cientistas sabem que essa interferência tende a existir, mas se escudam na metodologia para identificá-la e evitá-la. Nessa questão específica das Mudanças do Clima, eles enfrentam outra questão importante: a ONU lhes deu a missão de aconselhar a atuação da sociedade mundial e de seus países frente ao problema.

Quanto à maneira de enfrentar as mudanças climáticas, existem duas opções fundamentais: tentar evitá-la (mitigação) e/ou adaptar-se a seus efeitos (adaptação). A adaptação, na área de mudanças climáticas, é talvez a opção de maior relevância para um país em desenvolvimento como o Brasil. Fundamentalmente, considera-se que o aumento da temperatura é inevitável e que deveríamos usar nossos parcos recursos em adaptação. Pesa em favor dessa posição o fato de nossa responsabilidade histórica sobre o aumento de gases de efeito estufa na atmosfera ser pequena.

Há um consenso, aliás, que os países mais pobres serão os que mais sofrerão os efeitos do aumento da temperatura global. Isto nos levaria a concluir que devemos chegar a este futuro longe da pobreza que já é catastrófica no País, especialmente nas regiões que mais seriam atingidas pelas mudanças climáticas (Norte e Nordeste).

Este fato reforça a posição aqui exposta que o Brasil deve rever suas metas à luz da contabilidade das emissões com base no GTP. Medidas que são positivas na contabilidade GWP podem se revelar negativas, do ponto de vista do aquecimento global. Deve-se considerar a incerteza dos modelos relativos à vida média do metano e à evolução de seu conteúdo na atmosfera para o qual parece não existir ainda um mínimo de consenso. Enquanto isso, seria interessante que as medidas de mitigação de metano se limitassem as que se revelem positivas na equivalência GTP.

Notas:

[1] ppm, parte por milhão e ppb, parte por bilhão (em massa).

[2] Matematicamente, isto significa que  dN/dt = N*k onde k seria uma constante e N* a concentração inicial.

[3] The IPCC SRES (Nakic´enovic´ et al., 2000) developed 40 future scenarios that are characterized by distinctly different levels of population, economic, and technological development. Six of these scenarios were identified as illustrative scenarios and these were used for the analyses presented in this chapter. The SRES scenarios define only the changes in anthropogenic emissions and not the concurrent changes in natural emissions due either to direct human activities such as land-use change or to the indirect impacts of climate change.

[4] BRF deixará de usar ovos de galinhas confinadas em gaiolas até 2025 https://www.worldanimalprotection.org.br/not%C3%ADcia/brf-deixara-de-usar-ovos-de-galinhas-confinadas-em-gaiolas-ate-2025

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ANEXO: Valores projetados pelo Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC para concentração dos principais gases de efeito estufa, meia vida do metano e concentração de OH.

Figura A1: Projeção de concentração dos principais gases de efeito estufa para os diversos cenários para o Terceiro Relatório (TAR) do IPCC 
[Baseado nas Figuras 3.12 e 4.14 do original]. Os gráficos mostram que as incertezas sobre o metano são maiores que as sobre a de outros gases

Ampliação da Figura A1, sobreposta a valores reais médios observados


Figura A.2: Uma superposição do comportamento observado para o CO2 e as concentrações realmente verificadas mostra a confiabilidade das previsões para o TAR, ao contrário do que ocorreu com as de CH4

Figura A3: Projeções para o tempo de vida correspondente às hipóteses para o metano (à esquerda) e concentrações de OH correspondentes (à direita) que apresentam comportamentos inversos ao longo do tempo.

 

Parcerias no Setor Nuclear Brasileiro: Condições de Contorno

Artigo:               

CONDIÇÕES DE CONTORNO PARA
PARCERIAS NO SETOR NUCLEAR BRASILEIRO

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra
feu@ecen.com e olga@ecen.com

Resumo

A maior participação do capital privado na área nuclear se inscreve dentro da tentativa geral de levantar os obstáculos para o desenvolvimento na área.

Como se trata de uma área reconhecidamente estratégica, por razões que são enumeradas no trabalho, tem-se que definir os limites do que é estratégico e até onde vai a participação do Estado

Palavras Chave

Angra 3, balanço de pagamento, contas nacionais, monopólio nuclear, parcerias,  RMB, radiofármacos, setor nuclear, área estratégica.

_______________________________

 

 1.   Introdução

O tema Modelos de Parcerias no Setor Nuclear Brasileiro foi sugerido aos autores pelos organizadores do SIEN 2018[1] onde foi feita uma apresentação a respeito. A proposta deste artigo foi abordar o assunto através das condições de contorno existentes para essas parcerias no Brasil atual.

As parcerias surgem como uma maneira de renovar o ambiente institucional, no quadro atualmente existente no Brasil, onde existe o monopólio estatal sobre a maior parte das atividades nucleares. Esse monopólio pode ser, desde já, considerado uma das condições de contorno a ser discutida.

A consideração inicial que se faz é que essa abertura a parcerias pode ser encarada positivamente como uma oportunidade de suavizar o monopólio para mantê-lo em seus aspectos essenciais ou, negativamente, como uma forma de enfraquecer o monopólio e até mesmo para eliminar o uso energético nuclear no País como já fizeram alguns países.

Parte-se aqui do princípio de que o domínio da tecnologia nuclear tem um caráter estratégico e é propósito nacional manter a atividade existente e preservar os desenvolvimentos já alcançados. Para que um país alcance sucesso, em qualquer atividade de importância estratégica de longo prazo, é necessário uma Política de Estado.

Na área nuclear, isto é evidente porque os projetos nucleares de qualquer natureza forçosamente ultrapassam os períodos de um ou dois mandatos presidenciais. São exemplos a construção de reatores para geração de energia, construção de submarinos nucleares, construção de instalações de qualquer etapa do ciclo do combustível nuclear e a construção de reator de teste de materiais e produção de radioisótopos.

Uma Política Nuclear precisa ter durabilidade e isto só é possível se ela for um reflexo da vontade nacional, portanto ela necessita de um consenso nacional o que significa uma aprovação ampla, embora não obrigatoriamente uma unanimidade. Um significativo progresso foi realizado, no final desse governo através do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro – CDPNB (Brasil, GSI/PR, 2018) que aprovou uma Política Nuclear Brasileira que esta à espera de aprovação do Presidente da República.

No Brasil, a presença do Estado nas atividades nucleares é indispensável pela própria natureza dessas atividades. Tomando o caso mais evidente, seria impossível de se imaginar, por exemplo, transferir instalações de enriquecimento usando um processo de privatização por licitação, por mais que existam interessados.

Não que isso não seja possível em outras sociedades; os EUA optaram por ter instalações de enriquecimento por ultra -centrifugação, construídas através de capitais externos, em seu território. Lá isto é possível pelo amplo Domínio do Estado sobre toda a atividade privada na área.

No Brasil Isto significaria transmitir para particulares uma tecnologia cujo derivativo pode estar associado à produção de uma arma nuclear. No caso da venda para outros países isso significaria abrir mão do esforço realizado para vencer dificuldades, dos mais variados tipos, para desenvolver o ciclo do combustível nuclear. Vale lembrar que a transferência de tecnologia nessa área nos foi vetada e o esforço teve que ser realizado com tecnologia própria.

Um progresso na área de desestatização ocorreu através da Emenda Constitucional nº 49, de 2006 (Brasil , 2016) que autorizou a iniciativa privada, sob o regime de permissão, a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas para uso médico.

Está em discussão, entre outros assuntos, no âmbito da CDPNB a maior flexibilização da comercialização e utilização de radioisótopos de maior vida média em pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais (Anexo 1).

Portanto, dependendo da área do setor nuclear em questão, pode haver ou não, interesse do País em estabelecer parcerias internas ou externas com empresas ou instituições, publicas ou privadas, sempre que mantido o controle e supervisão governamental.

2.   O Caráter Estratégico da Energia Nuclear

A questão nuclear lida com macro-objetivos nacionais. Por essa razão, esse assunto é considerado como estratégico no Brasil e em todos os grandes países do mundo sem exceção. Ou seja, a primeira “condição de contorno” da questão nuclear é que este é um assunto estreitamente ligado aos macro-objetivos nacionais.

2.1 Macro-objetivos Nacionais Ligados ao Setor Nuclear

Deve-se lembrar, primeiramente, que os objetivos que levaram ao Monopólio Nuclear (no início da década de 60 e que aos poucos foi sendo modificado) não são mais os mesmos da época do estabelecimento do monopólio. (Artigo 177 da Constituição de 88 e Art. 21 Competência).

Na época, o Brasil ainda não renunciara à posse de explosivos nucleares bélicos o que só veio a fazer por dispositivo constitucional de 1988. Também somente em 1992, com o Acordo Bilateral com a Argentina, os países renunciaram de uma forma abrangente aos explosivos nucleares, mesmo pacíficos, aceitando, em seguida, através do Acordo Quadripartito, as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica em conjunto com a ABACC.

Por outro lado, a defesa do país frente a uma ameaça de agressão nuclear segue sendo premissa de todas as nações, mas ela só se efetiva formalmente quando claramente configurada a ameaça. Defesa nuclear própria ou através de aliados são os recursos genericamente utilizados nas regiões onde a ameaça é bem definida. Há um consenso muito amplo de que nossa região (América Latina e Caribe) não esteve nem está diretamente ameaçada por armas nucleares. A estratégia regional para manter afastada a ameaça nuclear, é não desenvolver nem admitir a presença de armas nucleares na Zona Livre de Armas Nucleares, estabelecida pelo Tratado de Talatelolco.

Explicitando, Nuclear é estratégico por duas razões principais: ser fonte de energia usada para fins de defesa e ser importante na autodeterminação energética e tecnológica.

O Brasil optou por não desenvolver armas nucleares, mas considera necessário desenvolver a propulsão nuclear e usá-la em embarcações militares, como o facultam todos os tratados até aqui firmados pelo País. Acertadamente, nossa Política de Defesa inclui como tecnologias estratégicas a nuclear, a espacial e a cibernética.

Não se pode também esquecer que existem restrições tecnológicas em várias áreas, com motivação alegadamente de proliferação nuclear, que terminam por atingir muitas outras atividades econômicas. Grupos como o NSG (sigla em inglês para Grupo dos Supridores Nucleares) denominam essas tecnologias como “duais” e controlam o acesso a elas. A única maneira efetiva de se livrar definitivamente dessas restrições é ter essas tecnologias disponíveis no País. Isso é muitas vezes necessário até para não usá-la em uma atividade e adquirir os equipamentos do exterior. A autodeterminação exige, portanto, a posse de várias tecnologias nucleares ou de tecnologias a elas relacionadas.

As discussões sobre parcerias dependem do posicionamento da sociedade sobre esses itens, porque implicam em atrair capitais privados para os empreendimentos, o que pressupõe existência de segurança jurídica e institucional.

Pode-se assinalar as principais linhas de ação relacionada a três Macro-objetivos, assinalados nos parênteses:

1. Desenvolvimento Nuclear (Defesa Nacional)

  • Acompanhar o desenvolvimento da tecnologia nuclear;
  • Desenvolver e construir um submarino com propulsão nuclear;
  • Alcançar independência em todas as fases do ciclo nuclear na fabricação de combustíveis;
  • Desenvolver o Reator Multipropósito Brasileiro, RMB para teste de materiais, produção de radioisótopos e para desenvolvimento científico;
  • Alcançar o domínio de tecnologias que possam impedir outras aplicações pacíficas.

2. Geração de eletricidade (Segurança Energética e Ambiental)

  • Desenvolver a geração de eletricidade e ser capaz de participar da indústria nuclear;
  • Terminar Angra 3 e definir um programa de centrais elétricas para atender parte da necessidade de energia firme no País e para limitar a emissão de gases de efeito estufa.

3. Maior uso de radioisótopos, sobretudo na Medicina (Segurança na Saúde)

  • Maior disponibilidade de radioisótopos, principalmente para usos medicinais;
  • Reator Multipropósito.

No que se refere ao Macro-objetivo de Segurança Institucional e Jurídica existem também providências a serem tomadas na área nuclear, no entanto, as linhas de ação ainda não estão definidas e devem se subordinar à Política Nacional Nuclear que foi aprovada pelo CDPNB e aguarda ser oficializada. Elas não envolvem diretamente o tema parcerias, mas são importantes para criar o ambiente adequado para que se desenvolvam.

Dentro desse macro-objetivo, é importante definir uma estrutura de comando do Setor Nuclear, ligada ao mais alto nível do Governo. A ativação do CDPNB com sua Secretaria Executiva localizada no Gabinete de Segurança da Presidência da República – GSI-PR é parte disto. Também é necessário equacionar a função regulatória, levando em conta as características de cada um dos macro-objetivos. Isso já foi feito para o caso do submarino nuclear com criação de agência específica para licenciamento do submarino nuclear (Marinha do Brasil, 2018) a Agência Naval de Segurança Nuclear e Qualidade.

Igualmente, para a produção, comercialização e aplicação de radioisótopos, uma estrutura mais ágil e descentralizada é necessária para a regulação. Finalmente, as funções executiva e regulatória da CNEN devem ser feitas por entidades distintas. O licenciamento de grandes instalações precisa ter um processo unificado, de preferência de uma única agência, certamente que com consulta às demais. Atualmente, existem posições divergentes das agências que chegam a impor exigências contraditórias. Há países que progrediram na unificação do processo decisório e isso é crucial para grandes empreendimentos.

2.2  Nuclear sendo Estratégico: É Necessária a Presença do Estado?       

Admitindo-se que o Setor Nuclear é estratégico, ainda resta a questão se é necessário um efetivo controle do Estado sobre suas atividades. Um forte indicador disto é aquilo que é feito, na maioria dos grandes países. Eles exercem o monopólio sobre o Setor. Pode ser um monopólio direto, como o da França, Coreia do Sul, Rússia, China e Argentina ou um forte domínio do Estado sobre o Setor como exercem os EUA através do Departamento de Energia e dos Laboratórios Nacionais e o Japão pela simbiose existente Governo/Indústria. Isto para ficar nos atores importantes na indústria nuclear mundial e em nossa vizinha Argentina, muito ativa na indústria de reatores de investigação.

Deve-se notar que mesmo em países que renunciaram ao uso energético nuclear na área civil, como a Itália, ou estão renunciando, como a Alemanha, a decisão foi de Estado. Assim como o foi a decisão de, contraditoriamente, continuar compartilhando (com os EUA, via OTAN) armas nucleares de destruição em massa, estacionadas em seu território.

No Brasil, a decisão pelo uso somente pacífico da energia nuclear é uma decisão constitucional, portanto estratégica, assim como o é a de estatizar grande parte da atividade nuclear. Trata-se, portanto, de decisões tomadas no maior nível hierárquico do País cuja essência deve, em princípio, ser mantida.

O que a Constituição estabelece para o monopólio é resumido abaixo referido ao Artigo 177 da Constituição de 88 sobre o Monopólio da União e Art. 21 da Competência:

Art. 177 § V “Explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre: pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados”, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas, sob-regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.” (Redação dada pela Emenda Constitucional № 49, de 2006). Sob Permissão são autorizadas: Comercialização e a utilização de pesquisas e usos médicos, agrícolas e industriais de radioisótopos (de modo geral), bem como, produzir isótopos meia vida igual ou superior a 2 horas. 

Ao se pensar em parcerias, pensa-se, logicamente em participação da iniciativa privada nas atividades ainda sujeitas ao monopólio. Como ponto de partida, é bom lembrar que o monopólio não exclui automaticamente essa participação. Existem vários exemplos históricos de participação de empresas, inclusive estrangeiras, em plena vigência do monopólio, anteriores, no entanto, à atual formulação constitucional. É preciso levar em conta que permanecem válidas as razões maiores que determinaram a atual redação constitucional: o uso da energia nuclear é para fins pacíficos e objeto de decisões de Estado. As modificações, se necessárias, devem preservar esses princípios inscritos na Lei Magna.

A seguir, procura-se especificar dentro dos três macro objetivos identificados, porque são necessárias parcerias, dando destaque à geração de eletricidade, preocupação maior do assunto parcerias no momento atual.

2.3 Estatizar é sempre Bom para a Autonomia Tecnógica?

Na contramão dos que consideram que somente entidades estatais podem atuar em áreas estratégicas, há o exemplo da atuação da Orquima S. A. da época de Krumholz na área de terras raras (de Souza Filho, et al., 2014). Nas décadas de 1940 e 1950, por meio da iniciativa privada (ORQUIMA S.A.), sob liderança de Pawel Krumholz, o país dominou o processo de extração, separação e obtenção de óxidos de terras raras de elevada pureza (chegando a 99,99%).

A empresa processava cerca de duas mil toneladas de monazita por ano, chegando, por exemplo, a fornecer Eu2O3 para a fabricação de barras metálicas destinadas ao controle, por absorção de nêutrons, do reator do primeiro submarino nuclear do mundo, o Nautilus. Em 1962, juntamente com Krumholz, o Brasil chegou a produzir cerca de 10 g de Lu2O3 de alta pureza
(> 99,9%); era a maior quantidade desse composto já produzida no mundo.

Neste caso, a estatização da Orquima, através da Nuclemon (subsidiária da Nuclebras) não resultou em progresso na área e o Brasil passou a mero exportador de matéria prima deixando de produzir e exportar terras raras. É verdade também que decorreu da atividade da Orquima, um reconhecido passivo ambiental, consubstanciado na chamada “torta II” um “rejeito” rico em tório, mas também contendo seus descendentes radioativos que ficou nas mãos da INB.

Como conclusão, as parcerias do capital privado na energia nuclear podem ser úteis na ajuda do financiamento daquelas áreas que já são economicamente viáveis como aconteceu com as aplicações de radiofármacos de vida curta na medicina nuclear.

Sobre a participação do capital externo, no entanto, sempre se deve ter em conta em que medida a possível desnacionalização estaria na contramão do reconhecido caráter estratégico da atividade e se isso não fragiliza a própria segurança energética. Feita esta análise, não há porque se rejeitar essa participação, se submetida às razões de Estado.

3.   As Parcerias Possíveis

3.1 Parcerias no Objetivo um:
Desenvolvimento Nuclear e Submarino

No Objetivo Desenvolvimento Tecnológico e Submarino busca-se parceria com quem está disposto a colaborar com a fabricação de submarinos, mantida a independência nas atividades tecnológicas relacionadas ao ciclo do combustível nuclear. Conforme já foi citado, a transferências de tecnologia externa é, de modo geral, bem-vinda, mas existem limitações s que temos que superar com nossos próprios recursos.

No que concerne à construção da parte convencional de submarinos foi criada a Itaguaí Construções Navais, parceria da estatal francesa Naval Group com a Odebrecht (goldenshare Marinha através de Emgepron) na construção de submarinos e que prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um submarino nuclear sendo a parte nuclear de desenvolvimento próprio. Essa associação é uma prova cabal de que é possível uma parceria, inclusive com praticamente o total das ações privadas e com forte participação externa (Poder Naval, 2009).

A parceria interna entre o setor civil e militar deveria ser reforçada no País e é uma oportunidade importante de desenvolvimento do ciclo do combustível e no aproveitamento de seus spin-offs. A Parceria entre a Marinha e a CNEN foi muito profícua no passado, com destaque na participação do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN. Seria desejável que essa parceria interna do setor civil e militar fosse mantida de uma maneira institucional. O IPEN-SP dispõe já atualmente de toda a tecnologia para fabricação de elementos combustíveis tanto do reator IEAR1 como da crítica MB01, e do Reator Multipropósito Brasileiro, mas quem dispõe da etapa de enriquecimento a 19,99% e está desenvolvendo a etapa de conversão em escala semi- industrial é o Laboratório de Aramar que pertence à Marinha.

No projeto do Reator Multipropósito a cargo do IPEN/CNEN, que será localizado no município de Iperó no Estado de São Paulo, existem as parcerias com a INVAP, empresa Argentina, e com a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S. A. – AMAZUL. Além da produção de radioisótopos, o RMB também tem como funções básicas a realização de testes de irradiação de combustíveis nucleares e materiais estruturais utilizados em reatores de potência, bem como a realização de pesquisas científicas com feixes de nêutrons. Para este fim serão necessárias parcerias com universidades e centros de pesquisa que ora já se iniciam.

A ampliação da Usina de Enriquecimento Isotópico de Urânio na INB, para produção de material que será utilizado nos reatores de potencia continua sendo feita em cooperação com a Marinha do Brasil e esse desenvolvimento se dá com tecnologia autônoma.

Por sua vez, as parcerias com empresas privadas para o fornecimento de componentes dos elementos combustíveis devem ser facilitadas e desburocratizadas.

Existe a possibilidade de uma possível abertura no caso particular da mineração. Na área de mineração é possível a formação de associações minoritárias e isto já ocorreu no passado dentro do monopólio. A Nuclam era uma companhia mista formada na época com 51% da Nuclebras e 49% da Urangeselschaft, com compra de minério associado e compra de serviço de mineração.

A flexibilização do monopólio pode ser benéfica na área de mineração e beneficiamento de urânio, mantendo-se a comercialização no monopólio. Um ponto muito importante a ser considerado é que um estoque estratégico para atender usinas nucleares nacionais (atuais e futuras), os reatores de pesquisa e o submarino deveria estar sob ativa supervisão estatal.

3.2  Parcerias no Objetivo dois:
Construção e Operação de Usinas Nucleares (Geração de Eletricidade)

Vale lembrar que dentro do monopólio, não há restrições à contratação de terceiros, em uma ampla faixa de atividades, como ilustram os exemplos:

  • Angra 1 praticamente “chave na mão”, teve a supervisão da NUCON (empresa do grupo Nuclebras), sendo a proprietária Furnas;
  • Existe a participação tradicional de empresas privadas (nacionais e estrangeiras) na construção, montagem e fabricação de alguns componentes das usinas nucleares;
  • Durante a época da vigência do Programa Nuclear com a Alemanha, empresas mistas, muitas vezes com predomínio técnico dos alemães, participavam nas diversas etapas do ciclo nuclear.

Outros tipos de participação são ainda possíveis dentro do atual monopólio:

  • Parceria na operação da NUCLEP, área não sujeita ao monopólio;
  • Fornecimento de grandes equipamentos e serviços;
  • Participação financeira externa na Eletronuclear, sempre com caráter acionário minoritário.

Ou seja, a participação acionária na Eletronuclear, chave no processo de parcerias, não é impedida pela Constituição. No estabelecimento das condições de funcionamento dessa parceria podem surgir obstáculos legais que podem vir a necessitar de ajustes legislativos e, eventualmente, modificações constitucionais pontuais que preservem os princípios nela consagrados.

Do ponto de vista do cumprimento dos objetivos, é essencial que se observem três pontos essenciais:

  • Transferência tecnológica deve ser determinante na escolha do parceiro;
  • Devem ser consideradas as limitações de endividamento externo, essas considerações são ainda mais importantes em áreas onde possa ser rompido o monopólio.

Sobre a questão do endividamento, ou de maneira mais abrangente, do passivo externo considera-se necessário destacar alguns pontos que serão abordados no item quatro. São questões fundamentais também na abordagem das privatizações a definição e o significado de empresas “não residentes” e “residentes”.

3.3 Parcerias no Objetivo três:
Uso de Radioisótopos

Desde a década de 60, a CNEN, por meio dos seus Institutos de Pesquisa, evoluiu dos trabalhos pioneiros feitos no IPEN, para uma verdadeira indústria, fornecendo rotineiramente 38 produtos a muitos hospitais, clínicas e indústrias. Esses radioisótopos são tanto produzidos em reatores nucleares de pesquisa quanto em cíclotrons, e essenciais ao abastecimento das atividades de aplicações de radioisótopos no país.

Com a flexibilização do monopólio (Emenda Constitucional – EC, № 49/2006), que alterou dispositivos da Constituição de 1988, esse panorama foi modificado e é crescente a presença de empresas privadas na área de aplicações de radioisótopos na medicina e diagnósticos, o que mostra o acerto da medida. O setor privado teve permissão de investir nessa atividade (fabricação, comercialização e uso), podendo produzir radiofármacos com meia-vida de até duas horas, como é o caso da fluordesoxiglicose (18F-FDG), radiofármaco amplamente utilizado em diagnósticos.

Após a aprovação dessa Emenda, o número de cíclotrons produtores do 18F-FDG e, consequentemente, a quantidade de clínicas de medicina nuclear que os utilizam cresceram muito.

Na área de meias vidas mais longas, a comercialização e uso se dão mediante permissão. Deve-se considerar que a maior parte do uso de radioisótopos nessa área se dá com Molibdênio importado, gerando Tecnécio. O gerador de Tecnécio é feito no Brasil unicamente no IPEN, por constituir monopólio da união uma vez que seu precursor (Molibdênio-99) é subproduto da fissão de “minério nuclear”.

A separação é simples por passagem de um solvente, não deveria ser considerada “fabricação” e poderia ser feita por empresas particulares. A limitação a uma maior participação da iniciativa privada está vinculada à interpretação do termo fabricação que está incluído no monopólio. O grupo de trabalho GT-3 criado pelo GSI/PR esteve tratando do assunto já emitiu uma primeira proposta de ações.

Deve-se assinalar que a produção de Mo-99 a partir da fissão, envolve irradiação de urânio, separação de produtos de fissão, portanto é tecnologia sensível, próxima do reprocessamento, e faz parte do monopólio. O RMB que deverá produzir isótopos o fará por essa tecnologia.

4.   As novas regras das Contas Nacionais e do Balanço de Pagamentos

Sem muito alarde, regras do FMI para o Balanço de Pagamentos e mudanças no Sistema de Contas Nacionais, capitaneadas pelo Banco Mundial (E&E № 96) alteraram profundamente as Contabilidades Externa e Nacional do Brasil, tendo como resultado:

Investimentos e reinvestimentos de empresas não residentes no Brasil em suas filiais passaram a fazer parte da Dívida Externa do País. Recentemente os investimentos diretos em fundos de renda fixa de não residentes, também passaram a integrar a dívida externa.

A produção de empresas sobre controle de não residentes passou a ser considerada integrada ao PIB dos países dos acionistas residentes; isso se aplica especificamente à eletricidade, ou seja, a eletricidade produzida no País por empresa não residente entrará no rol das importações se consumida no Brasil, ainda que produzida com a energia hídrica (ou nuclear) brasileira.

De acordo com as regras do Balanço de Pagamentos, qualquer investimento externo realizado no país entra para o passivo externo brasileiro, registrado na Posição Internacional de Investimentos, não importando, se ostenta a classificação de investimento de risco ou aplicação de capital.

Para quem acha que isto não é importante, é útil lembrar que foi apenas uma opção contábil, o registro desse passivo como dívida externa. Isso aconteceu recentemente (2014) quando 120 bilhões de “investimentos diretos” em renda fixa foram integrados à dívida externa brasileira.

A classificação de empresas, nas Contas Nacionais e Externas (normas FMI), passou a ser de Residente e Não Residente.

Empresa Residente é a empresa que têm efetivo controle de indivíduos residentes no País. Está classificação ainda não foi inteiramente implantado e sua vigência dependerá de mudanças na contabilidade das empresas. Normas internacionais, implantadas no Brasil de forma praticamente automática pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, com predominância das associações empresariais, se encarrega dessas mudanças. No caso do Setor Elétrico, a ANEEL, na prática, simplesmente homologa o “Pronunciamento” do CPC.

Como já assinalado, investimentos e reinvestimentos externos em empresas residentes, com participação de capital de não residentes, são incorporados à divida externa.

Desta forma, a produção de eletricidade por empresas de capital externo no Brasil ou terá seu investimento e reinvestimentos registrados na dívida externa (empresas consideradas residentes) ou será classificada como produção externa (empresa não residente) e considerada importada se consumida no Brasil.

Esse é um fato não discutido atualmente no açodado processo de privatização. Por isso, faz uma enorme diferença quando privatização significa uma desnacionalização, entre a venda para não residentes ou uma venda para residentes no País.

A venda para não residentes implica em aumento imediato da dívida externa ou na desnacionalização definitiva (mudança de nacionalidade) do seu produto. Se isso se faz a preços aviltados pela crise, a consequência pode ser a perda definitiva das reservas naturais, sujeitando-se o País a importar seus próprios recursos.

Notar ainda que a determinação da pátria do capital não se dá mais por nacionalidade, mas, por residência[2]. Portanto, não basta assegurar que os setores privatizados continuem em mãos de nacionais, mas assegurar que continuem em mãos de residentes no País.

Para os que acreditaram que a dívida externa desapareceu, porque estaria anulada por nossas reservas internacionais, é bom lembrar que existem para elas dois valores:

  • O que aparece nas Notas à Imprensa do Banco Central (comparado às reservas) é a dívida externa “sem as operações intercompanhia e títulos de Renda Fixa negociados no mercado doméstico” cujo total, em dezembro de 2017 era de 321 bilhões de dólares;
  • O que incorpora os valores considerados pelo FMI que consta nas planilhas anexas do próprio Boletim que é mais do dobro da tradicional. Esta é a que será divulgada pelo Banco Mundial e considerada nas análises de risco que é de 684 bilhões de dólares.

A Tabela 4.1 mostra os valores da dívida externa no seu conceito tradicional e considerando os adicionais recomendados pelo FMI, indicados por um asterisco. São indicados ainda os percentuais do PIB envolvidos e do total das exportações bem como a dívida líquida nas duas hipóteses.

Tabela 4.1: Componentes do Passivo e da Dívida Externos

 ExternosUS$ bilhões% PIB% Export.
Dívida Externa Bruta
(conceito tradicional)
32118% 
Operações Intercompanhia (*)23613%112%
Títulos de Renda Fixa detidos
por não residentes (*)
1277%60%
Dívida Externa Bruta
(normas FMI)
68438%326%
Reserva 38621%184%
Dívida Externa Líquida “Tradicional”-65-4%-31%
Dívida Externa Líquida29817%142%
Passivo Bruto da PII158088%752%
Ativo da PII85848%408%
PII Líquido72240%344%
PIB estimado1800100%857%
Exportações21012%100%

(*) Acréscimos à Dívida resultantes de modificações introduzidas nas Contas Nacionais

A Figura 4.1 mostra estes valores para 2017 e realça o tamanho da Dívida Externa com a inclusão dos novos componentes e compara o resultado com o montante das reservas internacionais.

A dívida externa líquida, não considerando os aditivos do FMI é negativa (321 – 386 = -65 US$ bi). Na contabilidade do FMI, a dívida externa líquida brasileira é de cerca de 300 bilhões de dólares, equivalente a 17% do PIB e 142% das exportações de do ano de 2017. Chama a atenção o valor do Passivo Bruto apurado na PII que já atinge a 88% do PIB e cerca de 750% do valor das exportações. Já ficou demonstrado, que não existe barreira sólida entre o Passivo e a Dívida e não será nenhuma surpresa que novas transferências se verifiquem.

Figura 4.1: Comparação da dívida externa e reservas ao final de 2017
(*) Parcelas acrescidas por recomendação do FMI.

A Figura 4.2 mostra o processo de formação do Passivo Externo Bruto, apurado pela Posição Internacional de Investimentos, para o final de 2017. São resultados da contabilidade externa do Brasil, orientada pela Sexta Edição do Manual do Balanço de Pagamentos e Posição Internacional de Investimentos do FMI, conhecido pela sigla em inglês BPM6 (International Monetary Fund, 2009).

Aplicações em ações e outras de renda variável, outros investimentos financeiros e em bens reais são lançados no passivo externo da PII. Os rendimentos auferidos realimentam o passivo quando não são remetidos ao exterior. No caso das aplicações de renda fixa, elas foram inicialmente lançadas como investimento de risco e transferidas recentemente (2014) do “outros passivo” para a dívida externa. Os investimentos intercompanhia (matriz x filial) entram na dívida externa; os reinvestimentos também são nela lançados. Finalmente, os empréstimos, realimentados pelos juros, formam a dívida externa tradicional.

Figura 4.2: Formação do Passivo Externo na apuração da Posição Internacional de Investimento, usando a metodologia do Manual do FMI.

O Brasil e muitos outros países ditos “em desenvolvimento” passaram pelo trauma causado pela dívida externa dos anos oitenta, resultante de créditos baratos (petrodólares) dos anos setenta. A partir deste e outros traumas sucessivos passou-se a considerar os empréstimos externos como causadores da dívida externa e das crises.

Este trauma tem certa razão já que a dívida externa é considerada uma responsabilidade dos países que devem garanti-la frente aos bancos internacionais e demais fontes de financiamento. Também os credores passaram por traumas e isto motivou o FMI e o Banco Mundial a adotar o Consenso de Washington nos anos oitenta e, nos anos noventa, foram modificados, com a liderança dessas duas entidades, as Contas Nacionais, o Balanço de Pagamentos e criada a contabilidade de estoques de capital que é a Posição Internacional de Investimentos. Vários mecanismos de defesa dos credores tradicionais (de empréstimos) e dos novos credores de investimentos externos foram instalados através das modificações na contabilidade que fazem parte, portanto, do Pós-Consenso de Washington (E&E 96).

Foi por esta razão, que o Brasil providenciou uma reserva internacional que funciona como garantia da dívida. Por isso, é altamente conveniente para o governo comparar nossa dívida externa com os empréstimos de curto prazo ou com a dívida no conceito tradicional. Ao final do ano de 2017, tínhamos, neste conceito, uma dívida externa líquida negativa. Em 2010, o governo havia declarado á população o “fim da dívida externa”[3]. O que não foi esclarecido é qual o conceito da dívida externa estava em discussão.

Foi vendida aos países em desenvolvimento, dentro do pós-Conseçnso de Washington a ideia que eles deviam se abrir aos investimentos externos, considerados como fator de progresso o que não afetariam a dívida externa. Essa á ainda a linguagem usada nos países periféricos para uso interno quando se quer justificar a abertura a investimentos externos. Por essa razão, segue sendo conveniente a ambiguidade em relação ao montante da dívida externa.

O que a contabilidade externa do FMI, adotada pelo Brasil, mostra agora é uma visão que tem um viés do que é conveniente para os países credores, mas ao mesmo tempo, é realista quando assinala a pressão exercida pelo Passivo Externo sobre as economias receptadoras do capital. Essa pressão cria uma dependência que ameaça essas economias, mas ainda não foi incorporada nas discussões econômicas.

A dívida externa tradicional é apenas a ponta do iceberg e as duas dimensões da dívida externa já foram temas da presente campanha eleitoral, com contestações sobre se ela havia desaparecido ou não em 2010.

O Passivo Externo Bruto no final de 2017 já era 88% do PIB e 752% de nossas exportações anuais. Cada vez que vendemos nossas empresas ou jazidas para os não residentes, o passivo externo aumenta e, na melhor das hipóteses, também aumenta a dívida externa. Na pior, a jazida e o PIB futuro a ela associado deixam de ser nossos.

O FMI está nos prevenindo disto.

5.   A Possibilidade de Autofinanciamento de Angra 3

A tarifa de 2018 para Angra 1 e 2 é 240,8 R$/MW com uma geração média de 1572 MW que corresponde a 3,31 R$ bi por ano. Se aplicada a tarifa que se espera conseguir para Angra 3 (suposta 400 R$/MWh) para Angra 1 e 2 e se isto constituísse um fundo específico ter-se-ia um adicional de cerca de 2,2 bilhões de reais por ano que seriam praticamente suficientes para terminar Angra 3 em 6 anos.

Pode-se ainda pensar em uma tarifa comum para a energia nuclear que poderia ser um pouco menor que essa e com isso haveria condições para financiar parte de Angra 3 e facilidades para créditos adicionais.

Como isso pode ser criado como fundo, nele não incidiriam praticamente taxas e o País estaria  livre de juros sobre a nova parte.

Isso significaria um aumento de 67% sobre 2,5% da produção de eletricidade ou 1,67% sobre o custo total de produção e menos de 1% sobre a tarifa do consumidor (só seria afetado o custo sem impostos).

É claro que seria necessário aprofundar as avaliações e encontrar o caminho legal para chegar a esta decisão e trabalhar junto à sociedade para a aceitação da energia nuclear como estratégica e levar em conta suas contribuições (energia limpa) para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a estabilidade do Sistema.

6.   Conclusão

Como conclusão, as parcerias do capital privado na energia nuclear podem ser úteis na ajuda do financiamento daquelas áreas que já são economicamente viáveis como aconteceu com as aplicações de radiofármacos de vida curta na medicina nuclear.

Ao se fazer parceria de uma área específica com a participação de capital externo, deve-se ter em conta se isso não está na contramão de seu reconhecido caráter estratégico e se não fragiliza a própria segurança energética ou o domínio do ciclo do combustível nuclear. Também devem ser levadas em conta as limitações provocadas pelo endividamento externo.

No caso da participação externa, a meta principal seria obter a tecnologia e capacitar a indústria nacional em troca da participação do parceiro no mercado interno. Para estar em melhores condições de barganha é preciso contar com o capital interno, ainda que parcialmente.

_______________________

 

Anexo 1: Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro – CDPNB

O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB) foi criado pelo Decreto de 2 de julho de 2008 e alterado pelo Decreto de 22 de junho de 2017. O CDPNB é coordenado pelo GSI/PR e tem como missão assessorar diretamente o Chefe do Poder Executivo, por meio de um colegiado de alto nível, no estabelecimento de diretrizes e metas para o desenvolvimento e acompanhamento do Programa Nuclear Brasileiro, a fim de contribuir para o desenvolvimento nacional e para a promoção do bem estar da Sociedade Brasileira.

Na primeira reunião plenária do CDPNB nesta nova fase, dia 18 de outubro de 2017, além do Regimento Interno foi aprovada a criação de quatro grupos técnicos, para tratar de temas relevantes para o setor nuclear brasileiro:

  • GT-1: elaborar a proposta de Política Nuclear Brasileira – Coordenado pelo GSI;
  • GT-2: analisar a conveniência da flexibilização do monopólio da União na pesquisa e na lavra de minérios nucleares – Coordenado pelo MME;
  • GT-3: analisar a conveniência de ampliar a flexibilização do monopólio da União na produção de radiofármacos – Coordenado pelo MCTIC e Ministério da Saúde;
  • GT-4: propor termo de cooperação entre as partes envolvidas no desenvolvimento e operação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) – Coordenado pelo MCTIC.

Outros Grupos Técnicos estão organizados ou em organização para atender outras áreas específicas, mas não tiveram ainda sua constituição divulgada oficialmente.

Isto significaria transmitir para particulares uma tecnologia cujo derivativo pode estar associado à produção de uma arma nuclear.

__________________

Notas:

[1] Seminário Internacional de Energia Nuclear, realizado no Rio de Janeiro entre 25 e 26 de julho de 2018 no Espaço Furnas.

[2] Se os irmãos Batista da Free Boi houvessem decidido por fixar residência nos EUA, como aparentemente tentaram, boa parte da carne brasileira poderia passar a ser americana.

[3] Em Julho de 2007 o site das Organizações Globo anunciava (sempre procurando assinalar o viés negativo ) “Dívida externa brasileira sobe para US$ 225 bilhões em junho,  para colocar na segunda manchete: Em maio, o BC estimava a dívida em US$ 218,329 bilhões.  Reservas internacionais cresceram e atingiram US$ 253 bilhões. http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/07/divida-externa-brasileira-sobe-para-us-225-bilhoes-em-junho.html

Bibliografia

Brasil . 2016. Emenda Constitucional nº 49 de 08/02/2016. Presidência da República – Casa Civil. [Online] 08 de fev de 2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc49.htm.

Brasil, GSI/PR. 2018. Resolução GSI/PR nº 2, de 11.01.2018. MCTIC. [Online] 11 de janeiro de 2018. http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/legislacao/outros_atos/resolucoes/Resolucao_GSI_PR_n_2_de_11012018.html.

de Souza Filho, Paulo C. e Serra, Osvaldo A. 2014. TERRAS RARAS NO BRASIL: HISTÓRICO, PRODUÇÃO E PERSPECTIVAS. Quim. Nova. 2014, Vol. 37, Nº 4, pp. 753-760.

International Monetary Fund. 2009. Balance of payments and international investment position manua- 6th ed. Washingon D.C. : IMF Multimedia Services Division, 2009. ISBN 978-1-58906-812-4.

Marinha do Brasil. 2018. Marinha do Brasil cria a Agência Naval de Segurança Nuclear e Qualidade. Portal Orbis Defense. [Online] 09 de fev de 2018. https://www.marinha.mil.br/sinopse/marinha-do-brasil-cria-agencia-naval-de-seguranca-nuclear-e-qualidade.

Poder Naval. 2009. Itaguaí Construções Navais. Odebrecht fica com 59% do capital. Poder Naval. [Online] 10 de set de 2009. https://www.naval.com.br/blog/2009/09/10/itaguai-construcoes-navais-odebrecht-fica-com-59-do-capital/.

 

                       

Até onde vai o dólar?

Evolução do Câmbio R$;US$, corrigidas as inflações

PARA ONDE VAI O DÓLAR

Resumo:

O câmbio do dólar varia muito frente aos humores da política, dos juros externos e internos e da própria política econômica. Nossa percepção é eclipsada pelo diferencial de inflação do Brasil e EUA. Corrigidas as duas inflações, pode-se ver que o dólar oscila entre valores médios de longo prazo.

A E&E publica regularmente os valores históricos disponíveis mensais e anuais que tem se mostrado úteis na projeção do que vai acontecer no médio e longo prazo.

Palavras chave:

Dólar, câmbio, contas externas, política econômica, dados econômicos.

Conforme Antecipávamos, ou
 a Tendência para o Dólar de Equilíbrio.

Os dados históricos conduzem aos do presente. Há muito, o Painel da E&E mostrava que o Real estava supervalorizado ou, o que é o mesmo que dizer que a cotação do dólar estava baixa. Aproveita-se a oportunidade de mostrar que a análise estava correta e para ensaiar projeções de médio prazo, reproduzimos abaixo nosso painel sobre o câmbio.

Painel: Nesse painel estão representados os valores mensais e anuais médios. Ele pode ser expandido para ocupar toda a tela e os dados do gráfico lidos em cada ponto. De 1 a 3 estão os quadros, mensal, anual e metodológico.

O dólar já ultrapassou a cotação média histórica para o câmbio flutuante que é de 3,80 e não teria muito espaço para subir. No último mês de setembro, a cotação média foi de 4,12 e a máxima chegou a 4,19 R$/US%%EDITORCONTENT%%nbsp; que estão 10% acima da média histórica a partir de 1999. Ou seja, a tendência de médio e longo prazo é de queda.

A situação é de curto e médio prazo, o comportamento futuro vai depender da crise política, que é grande, vir a contaminar a do comércio externo que não é dos piores: reservas altas, superávit na balança comercial, mas dívida externa crescente e dívida interna que pode alimentar a externa. Ademais, o passivo externo relativo ao PIB continua crescendo e já atinge 88% do PIB.

Em momentos de crise econômica é natural que os aplicadores procurem um valor de referência mais estável. Por essa razão, mesmo nos casos de crise nos EUA, como a de 2008, os aplicadores fogem dos países que consideram de maior risco. Na Figura 1, algumas dessas crises estão assinaladas bem como a atual que ainda se delineia.

Pode-se constatar que, nas crises assinaladas, houve um certo padrão no comportamento dos picos de cotação do dólar. O pico durou em média 15 meses (largura na base) e o valor máximo foi cerca de 40% do valor no início da crise.

Profecias de curto prazo são extremamente arriscadas porque os desmentidos podem vir rápido; não obstante, fica a tentativa (sem nenhum compromisso) de dar uma indicação para os próximos meses. Pelo padrão anterior, o máximo seria atingido em setembro ou outubro e o valor máximo da cotação ficaria perto de 4,60 R$/US. O valor decairia em seguida provavelmente se estabilizando perto do valor histórico de cerca 3,80 nos primeiros meses de 2019. Isto, na perspectiva otimista de que seja apenas uma crise passageira que encerre o movimento de realinhamento já delineado desde o início de 2012 de reaproximação dos valores do câmbio de equilíbrio (3,80 R$/US$). 

Evolução do Câmbio R$;US$, corrigidas as inflações
Figura 1: Crises refletidas na cotação do dólar; observe-se também, a partir de 2012, uma tendência coerente de aproximação aos valores históricos do câmbio.

Para acompanhar o histórico veja Câmbio de Equilíbrio[1]. Os detalhes de cálculo podem ser vistos em metodologia, sob o mesmo título[2].

NOTAS

[1] http://ecen.com.br/?page_id=215

[2] http://www.ecen.com/eee36/cambio_de_equilibrio.htm

A Desnuclearização das Coreias.

Carlos Feu Alvim(*), Olga Mafra(*) e José Israel Vargas(**)

Ver versão em inglês automática revisada

Da Crise à Perspectiva Diplomática

No encontro na aldeia fronteiriça de Panmunjom (25/04/2018), os presidentes das duas Coreias, Kim Jong-un e Moon Jae-in (1), “confirmaram o objetivo comum de alcançar, por meio de uma desnuclearização completa, uma Península Coreana livre de armas nucleares” (Texto completo no Anexo 1).

Nessa frase que sintetizou o encontro que reverteu pelo menos por um tempo, as piores expectativas sobre uma guerra nuclear, existem dois termos que merecem atenção. O primeiro, “desnuclearização” já objeto de muitas especulações e discussões. O segundo termo, “uma Península Coreana livre de armas nucleares” tem sido interpretado como referente às armas nucleares do norte, e não a ambos os lados da atual linha de armistício.

No entanto, ao concordarem com o texto divulgado, ambas as Coreias reconhecem que existem ações a serem adotadas pelos dois lados. Na Coreia do Norte (DPRK), o objetivo seria desmontar o recém-constituído arsenal que se estima em 15 ogivas; na Coreia do Sul (ROK) o objetivo seria afastar a ameaça do armamento nuclear americano. Este armamento, que já se localizou nas bases americanas da Coreia do Sul, pode estar hoje, mesmo que temporariamente, a bordo de submarinos ou de outros veículos lançadores. Os EUA dão a entender que isto não acontece mais, mas, é o temor histórico da DPRK que justificaria sua forte reação às manobras conjuntas dos EUA e da Coreia do Sul e que poderiam incluir temidos meios de lançamento (como os B-52, comentados mais adiante).

A reunião entre as Coreias precedeu ao histórico encontro presidencial entre EUA e Coreia do Norte, realizado em 12 de junho de 2018 em Singapura. Espera-se como resultado um entendimento que pode ser, na expressão de Donald Trump, “o fim da Guerra da Coréia”.  Toda uma movimentação diplomática envolvendo principalmente a China, as duas Coreias e ainda Japão e a Rússia, como partícipes muito interessados, terminou  por conduzir ao encontro . Em um quadro de idas e vindas que já se arrasta por 65 anos, depois de encerrados os conflitos maiores, tem-se que esperar pelos próximos movimentos.

Os Arsenais Nucleares na Região

As Coreias se localizam em uma vizinhança onde a energia nuclear se destaca tanto pelo amplo uso energético (Figura 1) como sob a forma de armamentos (Figura 2).

Figura 1: Das centrais nucleares em construção no mundo 30 (53%) estão na região onde estão também 32% das atualmente existentes
Dados: PRIS/AIEA + 1 usina na DPRK, país não membro da AIEA

Figura 2: Ogivas nucleares por país na região que detém 50% do arsenal mundial – Fonte: Avaliação da Arms Control Association

As ogivas nucleares existentes também estão fortemente concentradas nos países da região (Figura 2), correspondendo à metade das existentes no mundo. Esta proporção está fortemente ligada à enorme participação do arsenal russo. Além disso, estão concentrados na região, três dos nove países possuidores de armas nucleares sendo que, alargando o círculo, encontram-se na Ásia seis dos nove países que se sabe possuírem armas nucleares.

Ou seja, esta é uma região onde a presença da energia nuclear é muito forte, marcada pelo trágico início do uso das bombas nucleares contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki e afetada também por um dos maiores acidentes ocorrido na utilização pacífica da energia nuclear (Fukushima, Japão). Possuidora de uma forte indústria nuclear em praticamente todos os seus países e reunindo os maiores exportadores de usinas núcleo – elétricas do mundo, não se admira que o tema adquira tal importância bélica.

Registre-se, no entanto, que tem sido quase ignorado no debate atual, o histórico da presença do armamento nuclear americano na Coreia do Sul e suas vizinhanças. Este histórico é particularmente bem descrito em “A History of US Nuclear Weapons in South Korea” (2). A ameaça do uso de armas nucleares, pelos americanos, data do início da Guerra da Coreia quando, é oportuno lembrar, as tropas americanas lutavam sob a bandeira da ONU. Com efeito, já em 1951, Truman ordenou a transferência de “nuclear capsules” ou “pits” para Guam[I] justificando a ameaça pela ofensiva militar chinesa, na Coréia durante a Guerra.

A partir de 1957, o Presidente Eisenhower aprovou a transferência de armas nucleares diretamente para a Coreia do Sul. O número de ogivas nucleares, naquele país, chegou a atingir 950 em 1967 que é superior ao arsenal nuclear estimado hoje por França, Reino Unido, China, e Índia, juntos. Tal arsenal revelava-se inteiramente desproporcional à ameaça que poderia representar um país então desprovido de armamento nuclear como a Coreia do Norte. As bases americanas localizadas na Coreia do Sul encontram-se a uma distância de apenas algumas centenas de quilômetros dos territórios da China e Rússia que, logicamente, seriam à época, também alvos potenciais verdadeiros desse formidável arsenal. A análise dos especialistas ressalta, no entanto, que dado o alcance na ocasião dos lançadores existentes (canhões nucleares), elas estariam majoritariamente dirigidas para a Coreia do Norte (Figura 3).

Figura 3: Uma grande variedade de armas táticas foi instalada na Região, algumas direcionadas claramente à Coreia do Norte (alcance de alguns quilômetros), entre as quais o projétil Davy Crockett, presente na Coreia do Sul entre julho de 1962 e junho 1968. O artefato era uma espécie de “canhão nuclear” com uma potência limitada a 0,25 kilotons, sendo que o projétil pesava apenas 34,5 kg (76 lbs). (Fonte: nukestrat.com).

O Movimento de Desarmamento Nuclear dos Anos Noventa

As ações diplomáticas na região das Coreias fazem lembrar o movimento mais amplo, ocorrido no início da década de noventa. Coincidindo com o desmonte da União Soviética e a queda do muro de Berlim, vários países tomaram iniciativas visando renunciar às armas nucleares. O Brasil e a Argentina formalizaram, na ocasião, acordo de uso somente pacífico da energia nuclear e assinaram um acordo de salvaguardas amplas com a AIEA. A África do Sul desmontou seu programa de produção de armamento nuclear. A Coreia do Norte já havia aderido ao TNP em 1985 (3), mas não havia assinado o acordo de salvaguardas abrangentes com a AIEA, alegando a presença de armas americanas na Coreia do Sul. Em setembro de 1991, o Presidente Bush (pai) determinou a retirada das armas nucleares da Coreia do Sul, criando condições para que a Coreia do Norte não se retirasse do TNP, como havia ameaçado. As duas Coreias também aceitaram a “desnuclearização” da Península em um encontro de altas autoridades dos dois países em 1992[II] (4). Na ocasião, o termo “desnuclearização” foi claramente definido como: não testar, manufaturar, produzir, receber, possuir, estocar, implantar ou usar armas atômicas; usar a energia nuclear somente para fins pacíficos e não possuir instalações de enriquecimento de urânio e reprocessamento de combustível irradiado. Ou seja, “desnuclearização” no contexto histórico coreano tem um significado mais amplo que a mera eliminação de armas nucleares e inclui a renúncia ao reprocessamento e enriquecimento. Não há certeza de que essa interpretação ampliada continue válida. De qualquer forma, ela significa a completa eliminação de armas nucleares da península coreana, incluindo, na ocasião, o arsenal americano instalado em território da Coreia do Sul durante trinta e três anos.

Na época, foi inclusive acertado um mecanismo de verificação entre as duas Coreias cujo principal obstáculo foi a insistência da Coreia do Norte em verificar a efetiva retirada de armas nucleares das bases americanas da Coreia do Sul. Existe uma semelhança dessa solução de inspeção mútua com a encontrada, também em 1992, para Brasil e Argentina com a criação da ABACC[III] que instituía um sistema de contabilidade e controle nuclear entre os dois países. Havia, por isso, a expectativa de que o sistema de verificação implantado pela ABACC pudesse se aplicar àquela conflagrada região. Tal hipótese propiciou vários contatos entre a equipe da ABACC e técnicos e autoridades da Coreia do Sul e do Japão, com apoio e participação de técnicos dos EUA. A situação entre Brasil e Argentina era notoriamente muito menos tensa que a entre as Coreias, mas havia algumas semelhanças, a maior delas talvez fosse que os dois países tinham, como ainda têm, muito interesse em se aproximar e buscavam aproveitar as profundas mudanças que estavam ocorrendo no mundo para resolver suas pendências. Lá como aqui, era mais fácil resolver os problemas bilateralmente do que cedendo a pressões internacionais.

Um grupo hexapartito do qual participavam China, Rússia e Japão, além de EUA e as duas Coreias, também tentou equacionar os problemas relacionados ao abastecimento elétrico da Coreia do Norte. Montou-se um esquema que incluía o fornecimento de óleo pelos EUA para a geração de energia elétrica e a construção de usinas nucleares de água leve cujo combustível irradiado não se presta à produção de plutônio para armas como o reator (gás-grafite) da usina construída pela Coreia do Norte. Este entendimento entre os seis países é conhecido, em inglês, como The Six-Party Talk (5).

Note-se que a Coreia do Norte estava, naquela ocasião, em uma situação econômica frágil, pois tinha perdido a proteção nuclear com a desintegração da União Soviética. Assim, aceitou paralisar e desmontar parcialmente o reator que estava sendo utilizado para a produção de plutônio, em troca de óleo fornecido pelos americanos para, no curto prazo, gerar energia elétrica com usinas térmicas convencionais; no futuro, seria abastecida por energia nuclear das usinas que seriam construídas por um consórcio a ser criado entre a Coreia do Sul e o Japão.

No final da década de 1990, no entanto, o Quadro Acordado entre EUA e Coreia do Norte como resultado das conversações multilaterais e entre os dois países (1994 Agreeded Fremework) encontrava dificuldades (6). Em parte devido à oposição do seu Congresso, os Estados Unidos atrasaram a entrega dos benefícios prometidos à Coréia do Norte. Em particular, se atrasaram na construção dos reatores de água leve (criando obstáculos à criação prometida do consórcio Japão Coréia do Sul, para tal fim) e repetidamente falharam no fornecimento de petróleo. Também levantaram apenas poucas das sanções existentes, mantendo ainda a Coreia do Norte incluída na lista de estados patrocinadores do terror.

Obstáculos aos Entendimentos Futuros

Em mais de uma ocasião, os compromissos assumidos em documentos firmados entre a Coreia do Norte, os Estados Unidos e outros países vizinhos não foram cumpridos. Isso explica, em parte, a desconfiança e as frequentes mudanças de atitude do governo norte-coreano.

A Coreia do Norte tem, em diferentes oportunidades, manifestado seu receio com as manobras conjuntas da Coreia do Sul e os EUA. Esta preocupação já manifesta à época, explica-se porque elas traziam de volta às águas e portos da região armamentos nucleares ou equipamentos (aviões como o B52 e submarinos) que, mesmo declaradamente sem armas nucleares, possuem capacidade para lançá-las. Lembrar que os EUA mantinham e mantêm na Coreia do Sul bases que ainda reúnem cerca de 30 mil militares americanos, possivelmente suficientes para sustentar uma infraestrutura de manutenção de armas nucleares.

Os entendimentos anteriores foram prejudicados também pela “falta de pressa”, como se queixou a DPRK, em resolver os problemas de suprimentos norte-coreanos e a implantação das medidas acertadas. Isso talvez se explique pela expectativa dos EUA principalmente, na década de noventa, de que, assim como acontecera com a Alemanha Oriental, a Coreia do Norte simplesmente viesse a desmoronar. Ocorre que a Coreia do Norte, certamente a exemplo da China não aceitou este jogo e continuava em paralelo a execução das atividades de seu plano de armamentos. A ação espetacular de explodir a torre de refrigeração da usina a gás-grafite (produtora de plutônio), por exemplo, considerava o fato de que eles já possuíam quantidades consideráveis de combustível irradiado, suficiente para a construção de vários artefatos e levava também em conta a possibilidade do uso da refrigeração direta do reator com água disponível de rio das proximidades. Aliás, a Coreia do Norte voltou a separar plutônio para bombas nucleares tão logo houve o rompimento com AIEA, decorrente de sua saída do TNP, fruto do tumultuado relacionamento estabelecido com aquela Agência. Parece bem provável que a Coreia do Norte nunca tenha verdadeiramente renunciado a seus planos armamentistas, mas que tenha apenas adequado sua execução para limitar ou adiar o que constituiriam violações diretas ao Acordo de Salvaguardas.

Também surgiram evidências de atividades de enriquecimento de urânio, que é a rota alternativa para obter o artefato nuclear. Diante dos indícios encontrados pelas inspeções da AIEA, o Japão suspendeu o financiamento das novas usinas PWR (7). Essas atividades para enriquecer urânio foram posteriormente confirmadas pela própria Coreia do Norte.

Na presente fase de negociações, a Coreia do Norte encontra-se em uma situação econômica tão ou mais difícil da que a afetou há 20 anos, no entanto dispondo agora do trunfo de haver comprovado sua posse de armamentos nucleares, bem como sua capacidade de lançamento de artefatos por mísseis de considerável alcance, embora não se tenha provas do suposto sucesso na miniaturização do armamento nuclear adequada ao referido transporte. Com a extraordinária capacidade de avançar tecnologicamente, evidenciada no setor do combustível nuclear, dos mísseis lançadores e na área de bombas nucleares (inclusive a bomba H), torna-se claro que a despeito do cerco montado contra ela nas áreas de armamentos nucleares e foguetes lançadores, não subsiste muita margem para se continuar considerando as afirmativas sobre o arsenal da Coreia do Norte como simples bravatas.

Registre-se que os entendimentos esboçados em 1992 também surgiram em um momento tenso onde a Coreia do Norte havia ameaçado deixar o TNP (o que acabou fazendo em 10/01/2003). O compromisso de “desnuclearização” conforme definido na época ia além dos compromissos dispostos no Tratado de Não Proliferação Nuclear – TNP e implicavam em abrir mão das etapas críticas de enriquecimento e reprocessamento (no entanto permitidos a outros países signatários do acordo). Sobre esses pontos, como se sabe, a Coreia do Norte alcançou o domínio do enriquecimento de urânio, do reprocessamento de plutônio e da fabricação e teste de explosivos nucleares.

Enquanto isso, a Coreia do Sul, não obstante seus avanços na área de uso pacífico da energia nuclear foi forçada por acordos com os EUA, a não desenvolver enriquecimento e reprocessamento que são necessidades naturais do seu programa nuclear que inclui a produção de reatores de água leve, que necessitam enriquecimento e reatores de água pesada cujo aproveitamento pleno do combustível necessita do reprocessamento. A renovação do acordo com os EUA deveria ser discutida em 2013, mas, suas diferenças eram grandes demais para serem resolvidas, levando-os a assinar um contrato separado para estender a data de seu vencimento. Depois de anos de negociações discretas, mas altamente sensíveis, em 2015 os Estados Unidos e a Coréia do Sul anunciaram um tratado revisado que continua a negar – mas não exclui permanentemente à Coreia do Sul o direito de enriquecer urânio ou reprocessar combustível nuclear irradiado, mesmo para fins pacíficos. Pelo ROK USA 123 Agreement (8) de 2017 houve a preocupação de assegurar à Coreia do Sul a capacidade externa de enriquecimento que necessita para seu vigoroso programa nuclear que inclui ações em curso para exportação de usinas para outros países. O abastecimento futuro dos reatores a água leve é outro ponto sobre o qual a Coreia do Norte também poderá exigir garantias para desmantelar ou limitar suas atuais capacidades. 

A lista de ações diplomáticas desenvolvidas há décadas pela Coreia do Norte junto a todos os outros países interessados chega a ser surpreendente para um regime tão fechado como se considera ser a DPRK. A linha adotada pela Coreia do Norte, ao longo de décadas, foi manter sempre abertos canais de diálogo com os diversos países envolvidos, ao mesmo tempo, pode-se observar, de parte a parte, uma longa sucessão de quebra de compromissos. Da parte da Coreia do Norte, é a tática de “um passo a trás e dois para frente”, uma variação pragmática da famosa frase leninista. Deve-se reconhecer, entretanto, que os EUA também não se notabilizaram pela manutenção dos passos acordados, havendo constantes pretextos para adiar ou cancelar compromissos. O recente histórico da Administração Trump e a atitude frente aos compromissos americanos anteriormente firmados com o Irã principalmente, não encoraja os acordos. Um fator importante a ser considerado é que a presente situação da Coreia do Norte é de menos fragilidade que as anteriores. Quem sabe tenha surgido agora uma oportunidade para a “Paz dos Fortes”, apesar da disparidade entre EUA e DPRK, mas contando possivelmente com o possível o apoio dos demais “fortes” da região.

Nota Complementar sobre o Andamento das Negociações:

Em 13 de Maio de 2018 o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo (9) disse que se a Coréia do Norte fizer um desmantelamento total de seu programa de armas nucleares, o governo Trump permitirá que o setor privado americano invista naquele país. Mesmo assim em 15 de maio Kim Jong-un declarou que talvez não mais se reunisse com o Presidente dos Estados Unidos (10), pois as manobras conjuntas da Coreia do Sul e EUA haviam recomeçado recentemente e a suspensão disso seria parte do acordo de “desnuclearização”.

Em maio de 2018, a Coreia do Norte suspendeu a reunião militar com a Coreia do Sul, justificada pelas manobras militares conjuntas ROK-USA, e também ameaçou suspender a reunião com o Presidente Americano. Como resultado, foi anunciado que os EUA teriam concedido que não houvesse participação de B-52 nos treinamentos o que demonstra a alta sensibilidade da DPRK quanto a vetores de armas nucleares[IV] (11).

 Em 23/05/2018 a Coreia do Norte anunciou o desmantelamento do campo subterrâneo de testes de explosões nucleares de Punggye, tendo convidado vários jornalistas estrangeiros que testemunharam o desmantelamento (explosão de túneis) noticiada em 24/05/2018 pela agência chinesa CGTN “DPRK ‘dismantles’ Punggye-ri nuclear test site”. É interessante notar as aspas colocadas pela agência chinesa que já havia noticiado que os últimos testes haviam desestabilizado o terreno o que causou inquietação na China já que o local de testes é muito próximo à sua fronteira com a DPRK. Também o The Guardian noticiou o colapso em North Korea nuclear test site has collapsed and may be out of action – China study (12).

Ainda em 24/05/2018 foi divulgada a carta do Presidente Trump cancelando (ou adiando) a reunião de 12 de junho de 2018 alegando linguagem hostil do chefe de estado norte coreano. A mensagem agradece a liberação de cidadãos americanos e deixa aberta a porta para futuro encontro. Não obstante esse tom, novas ameaças do uso da arma nuclear foram feitas entre os países. O NY Times noticiou a posição do president Americano: Trump Pulls Out of North Korea Summit Meeting with Kim Jong-un (13). As referências ao caso da Líbia feitas pelo Vice-Presidente Americano e a resposta norte-coreana azedaram de vez o clima entre os países e confirmam a falsa expectativa dos americanos que a Coreia no Norte estivesse simplesmente disposta a renunciar unilateralmente às armas nucleares quando pretendia negociar, em uma posição de força, em virtude do sucesso que acredita haver alcançado no desenvolvimento das armas e dos lançadores.

Após este evento, houve intensa movimentação diplomática envolvendo principalmente China, Japão e as duas Coreias que se empenham em viabilizar a reunião de Trump com Kim Jong-un. Encontros preparatórios entre delegações da Coreia do Norte e dos EUA foram  realizadas, mantendo-se a expectativa de que ocorresse a reunião. Finalmente, em 01/06/2018, o próprio presidente americano anunciou a confirmação da reunião para o dia 12/06/2018 em Singapura (Trump Announces That North Korea Summit Meeting Is Back On).

Em 12/06/2018 o Presidente dos Estados Unidos da América, Donald J. Trump e o Presidente Kim Jon-un da  República Democrática Popular da Coreia (DPRK)  realizaram em  Singapura uma reunião histórica conforme noticiado em jornais do mundo todo inclusive a agência chinesa CGTN de onde foi retirada a transcrição mostrada no Anexo 2 (tradução própria). A mensagem é bastante vaga, mas registra o compromisso de novas relações EUA/DPRK,  a união de esforços para uma paz duradoura na Península Coreana, reafirma o empenho na desnuclearização completa da Península Coreana da Declaração de Panmunjon (dos dois chefes de estado coreanos)  e se compromete com a recuperação dos prisioneiros e desaparecidos na Guerra da Coreia.

Trump disse após a reunião que a retirada das tropas americanas da República da Coréia ROK) era uma aspiração que não aconteceria no curto prazo,  mas acrescentou que os exercícios militares com Seul “muito caros” e “provocativos” cessariam.

As falas do Presidente Trump anunciam concessões justamente em pontos aqui analisados, ou seja: as manobras serão restringidas porque contêm simulações de atos contra a Coreia do Norte, inclusive a utilização de armamentos nucleares. Além disso, foi anunciada a possibilidade de reduzir ou eliminar as tropas estacionadas na Coreia do Sul. Dentro da concepção norte-coreana, isso faz parte da “desnuclearização” da Península.

Vale a pena lembrar, que o encontro presidencial entre as duas Coreias apresentou um roteiro detalhado e coerente de reaproximação e unificação da Península Coreana que é o objetivo final do Acordo. Na prática, o único cenário que parece plausível para essa união seria o de uma Coreia unificada neutra. Existe o precedente para a Áustria do pós Segunda Guerra Mundial, inicialmente dividida entre o bloco ocidental e soviético e depois unificada como país neutro.  

Sobre os autores:
(*) Carlos Feu Alvim e Olga Mafra são redatores da Revista E&E e integraram a equipe da ABACC desde sua fundação, nela permanecendo  por mais de 11 anos. O primeiro foi Secretário da ABACC do lado brasileiro, e a segunda Oficial de Operações e Apoio Técnico; e ambos participaram das discussões sobre a aplicação do modelo ABACC na Península Coreana e Japão com técnicos da Coreia do Sul, Japão e EUA.

(**) José Israel Vargas, foi Ministro da Ciência e Tecnologia nos governos Itamar e FHC (primeiro período), embaixador do Brasil junto a UNESCO e Presidente do seu Conselho e coordenou a chamada “Comissão Vargas” que analisou o Programa Nuclear Brasileiro no Governo Sarney cujo relatório propôs inspeções mútuas entre Brasil e Argentina, uma das bases do processo de verificação da ABACC. Foi ainda membro da Comissão Deliberativa da CNEN na administração de Marcelo Damy,  atuando como delegado brasileiro na Junta de Governadores da AIEA, onde também foi membro do International Nuclear Data Committee.

Bibliografia

  1. Sharman, Jon. Independent. Kprea Sumit: Read the Panmunjon Declaration in Full. [Online] April 27, 2018. https://www.independent.co.uk/news/world/asia/korea-summit-panmunjom-declaration-full-read-kim-jong-un-north-south-moon-jae-in-a8325181.html.
  2. Norris, Hans M. Kristensen and Robert S. A History of US Nuclear Weapons in South Korea. Globsl Research. [Online] Taylor & Francis on line, October 26, 2017. https://www.globalresearch.ca/a-history-of-us-nuclear-weapons-in-south-korea/5623878.
  3. Kirgis, Frederic L. Nort Korea’s withdrawal from the Nuclear Nonproliferation Treaty. American Society of International Law. [Online] ASIL, January 24, 2003. https://www.asil.org/insights/volume/8/issue/2/north-koreas-withdrawal-nuclear-nonproliferation-treaty.
  4.  joint declaration text from two Koreas. Joint Declaration of South and North Korea on the Denuclearization of the Korean Peninsula. Nuclear Threat Initiative . [Online] NTI, february 19, 1992. http://www.nti.org/media/pdfs/aptkoreanuc.pdf.
  5. Arms Control Association. The Six-Party Talks at a Glance. ArmsControl. [Online] ACA, july 2017. https://www.armscontrol.org/factsheets/6partytalks .
  6. The U.S.-North Korean Agreed Framework at a Glance. ArmsControl. [Online] ACA, august 2017. https://www.armscontrol.org/factsheets/agreedframework .
  7. Center of Nonproliferation Studies. CNS Resources on North Korea’s Ballistic Missile Program. Library of Congress (USA). [Online] Center of Nonproliferation Studies, august 31, 1998. http://webarchive.loc.gov/all/20011123193323/http://cns.miis.edu/research/korea/factsht.htm .
  8. US and ROK Agreement. US Department of State. U.S.-Republic of Korea (R.O.K.) Agreement for Peaceful Nuclear Cooperation. [Online] DOS, january 20, 2017. https://www.state.gov/t/isn/rls/fs/2017/266968.htm .
  9. CBSNEWS. Transcript: Secretary of State Mike Pompeo on “Face the Nation,” May 13, 2018. CBSNews. [Online] CBS, may 13, 2018. https://www.cbsnews.com/news/transcript-secretary-of-state-mike-pompeo-on-face-the-nation-may-13-2018/ .
  10. NY Times. North Korea Threatens to Call Off Summit Meeting With Trump. NYTimes. [Online] NYTimes, may 15, 2018.
  11. Vox. North Korea is already getting concessions ahead of Trump-Kim talks. vox. [Online] vox, may 18, 2018.
  12. The Guardian. North Korea nuclear test site has collapsed and may be out of action – China study. TheGuardian. [Online] The Guardian, april 26, 2018. https://www.theguardian.com/world/2018/apr/26/north-korea-nuclear-test-site-collapse-may-be-out-of-action-china .
  13. Landler, Mark. Trump Pulls Out of North Korea Summit Meeting With Kim Jong-un. NYTimes. [Online] NY Times, May 25, 2018. https://www.nytimes.com/2018/05/24/world/asia/north-korea-trump-summit.html .

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[I] Ilha no Pacífico (Micronésia) sob controle americano a 3400 km da capital da Coreia do Norte (Pyongyang). Guam esteve recentemente nos noticiários ao ser ameaçada de ataque pela Coreia do Norte.

[II] A Declaração de Desnuclearização da Península Coreana foi uma linha de ação acordada entre as Coreias do Sul e do Norte assinada em 20 de janeiro de 1992 e em vigência desde 19 de fevereiro do mesmo ano. A Coreia do Norte comprometeu-se a permanecer como parte do Tratado de Não Proliferação – TNP do qual havia anunciado sua retirada. A  versão em inglês da Joint Declaration on the Denuclearization of the Korean Peninsula   é mostrada no Anexo 3.

[III] Brasil e Argentina assinaram o Acordo Bilateral de Usos Somente Pacíficos da Energia Nuclear, que criou a Agência Brasileiro – Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares – ABACC com a qual assinaram o Acordo Quadripartito de Salvaguardas (abrangentes) com a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA; estas iniciativas interessaram diretamente a Coreia do Sul, Japão e aos EUA com quem os responsáveis pela ABACC mantiveram vários contatos, visando aproveitar sua experiência em uma esperada possível distensão entre as Coreias.

[IV] “Citing unnamed US officials, the Wall Street Journal reported on Friday that Seoul was worried Pyongyang might bristle at a joint US-South Korea-Japan air exercise, especially because the US planned to fly B-52 planes”.  
https://www.vox.com/2018/5/18/17368468/north-korea-trump-usa-south-korea-b52

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Anexo 1: Declaração das duas Coreias em 27 de Abril de 2018

Transcrição a  partir do Site da Agência Reuters 

Korea summit: Read the Panmunjom Declaration in full

Tradução própria a partir da transcrição do Site da Agência Reuters

Declaração da Panmunjom pela Paz, Prosperidade e Unificação da Península da Coreia

Abaixo está a declaração conjunta da Coréia do Norte e da Coréia do Sul, divulgada pelo gabinete presidencial sul-coreano em 27/04/2018, depois que o líder norte-coreano Kim Jong-un e o presidente sul-coreano Moon Jae-in se comprometeram a trabalhar para a “completa desnuclearização” da Península Coreana”. Ele pontuou um dia de sorrisos e apertos de mão no primeiro encontro inter-coreano em mais de uma década.

O presidente sul-coreano Moon Jae- in cumprimentou o líder norte-coreano Kim Jong-un durante a reunião na Casa da Paz na aldeia de Panmunjom, dentro da zona desmilitarizada que separa as duas Coreias, na Coreia do Sul, em 27 de abril de 2018. 

Durante este período de transformação histórica na península coreana, refletindo a aspiração duradoura do povo coreano pela paz, prosperidade e unificação, o Presidente Moon Jae-in da República da Coréia e o Presidente Kim Jong-un da ​​Comissão de Assuntos do Estado da República Popular Democrática da Coréia realizaram uma Reunião de Cúpula Inter-Coreana na ‘Casa da Paz’ em Panmunjom em 27 de abril de 2018.

Os dois líderes solenemente declararam, perante os 80 milhões de coreanos e o mundo inteiro, que não haverá mais guerra na península coreana e, portanto, uma nova era de paz começou.

Os dois líderes, compartilhando o firme compromisso de encerrar rapidamente a velha herança da Guerra Fria de divisão e confronto de longa data, abordam corajosamente uma nova era de reconciliação nacional, paz e prosperidade, e de melhorar e cultivar as relações intercoreanas na região de uma maneira mais ativa, declararam neste local histórico de Panmunjom conforme segue:

1. As Coreias do Sul e Norte reconectarão as relações de sangue do povo e anteciparão o futuro da co-prosperidade e unificação liderada pelos coreanos, facilitando um avanço abrangente e inovador nas relações entre as Coreias. Melhorar e cultivar as relações intercoreanas é o desejo predominante de toda a nação e o chamado urgente dos tempos que não podem mais ser retidos.

1) As Coreias do Norte e do Sul afirmaram o princípio de determinar o destino da nação coreana por conta própria e concordam em fazer do momento um divisor de águas para a melhoria das relações intercoreanas, implementando totalmente todos os acordos e declarações existentes entre os dois lados até agora.

2) As Coreias do Sul e Norte concordaram em manter diálogo e negociações em vários campos, inclusive no alto nível, e tomar medidas ativas para a implementação dos acordos alcançados na reunião de Cúpula.

3) As Coreias do Sul e Norte concordaram em estabelecer um escritório  conjunto com representantes residentes de ambos os lados na região de Gaeseong, a fim de facilitar a consulta próxima entre as autoridades, bem como o intercâmbio e cooperação entre os povos.

4) As Coreias do Sul e Norte concordaram em encorajar uma cooperação mais ativa, intercâmbios, visitas e contatos em todos os níveis, a fim de rejuvenescer o senso de reconciliação nacional e unidade. O Sul e o Norte, ambos os lados encorajarão entre eles a atmosfera de amizade e cooperação, organizando ativamente vários eventos conjuntos nas datas que têm significado especial para as Coreias do Sul e do Norte, como 15 de junho, em que participantes de todos os níveis, incluindo e os governos locais, parlamentos, partidos políticos e organizações civis estarão envolvidos. Na frente internacional, os dois lados concordaram em demonstrar sua sabedoria coletiva, talentos e solidariedade, participando conjuntamente em eventos esportivos internacionais, como os Jogos Asiáticos de 2018.

5) As Coreias do Sul e do Norte concordaram em resolver rapidamente as questões humanitárias que resultaram da divisão da nação, e convocar a Reunião da Cruz Vermelha Inter-Coreana para discutir e resolver várias questões, incluindo a reunião de famílias separadas. Nesse sentido, as Coreias do Norte e do Sul concordaram em prosseguir com os programas de reunião das famílias separadas por ocasião do Dia da Libertação Nacional de 15 de agosto deste ano.

6) As Coreias do Sul e Norte concordaram em implementar ativamente os projetos previamente acordados na Declaração de 4 de outubro de 2007, a fim de promover o crescimento econômico equilibrado e a co-prosperidade da nação. Como primeiro passo, os dois lados concordaram em adotar medidas práticas para a conexão e modernização das ferrovias e estradas no corredor leste de transporte, bem como entre Seul e Sinuiju para sua utilização.

2. As Coreias do Sul e do Norte farão esforços conjuntos para aliviar a aguda tensão militar e praticamente eliminar o perigo de guerra na península coreana.

1) As Coreias do Sul e Norte concordaram em cessar completamente todos os atos hostis uma contra a outra em todos os domínios, incluindo terra, ar e mar, que são a fonte de tensão e conflito militar. Neste sentido, os dois lados concordaram em transformar a zona desmilitarizada em uma zona de paz em um sentido genuíno, cessando em 2 de maio deste ano todos os atos hostis e eliminando seus meios, incluindo a transmissão através de alto-falantes e distribuição de folhetos, nas áreas ao longo Linha de Demarcação Militar.

2) As Coreias do Norte e do Sul concordaram em elaborar um esquema prático para transformar as áreas ao redor da Linha de Limite do Norte no Mar do Oeste em uma zona de paz marítima, a fim de prevenir confrontos militares acidentais e garantir atividades de pesca seguras.

3) As Coreias do Norte e do Sul concordaram em tomar várias medidas militares para garantir a cooperação mútua ativa, trocas, visitas e contatos. Os dois lados concordaram em realizar reuniões frequentes entre autoridades militares, incluindo a Reunião de Ministros da Defesa, para discutir e resolver imediatamente as questões militares que surgirem entre eles. A este respeito, os dois lados concordaram primeiramente em  convocar conversações militares, no nível hierárquico de general, em maio.

3. As Coreias do Sul e Norte cooperarão ativamente para estabelecer um regime de paz permanente e sólido na Península Coreana. Acabar com o atual estado antinatural de armistício e estabelecer um robusto regime de paz na Península Coreana é uma missão histórica que não deve mais ser adiada.

1) As Coreias do Norte e do Sul reafirmaram o Acordo de Não-Agressão que impede o uso da força de qualquer forma entre si e concordaram em aderir estritamente a este Acordo.

2) As Coreias do Norte e do Sul concordaram em realizar o desarmamento  em fases, à medida que a tensão militar é aliviada e são feitos progressos substanciais na construção da confiança militar.

3) Durante este ano que marca o 65º aniversário do Armistício, as Coreias do Norte e do Sul concordaram em realizar ativamente reuniões trilaterais envolvendo as duas Coreias e os Estados Unidos, ou reuniões quadrilaterais envolvendo as duas Coreias, os Estados Unidos e a China com vistas a declaração do fim da guerra e o estabelecimento de um regime de paz permanente e sólido.

4) As Coreias do Sul e Norte confirmam o objetivo comum de realizar, através da desnuclearização completa, uma península coreana livre de armas nucleares. As Coreias do Sul e do Norte compartilharam a opinião de que as medidas iniciadas pela Coréia do Norte são muito significativas e cruciais para a desnuclearização da península coreana e concordaram em desempenhar suas respectivas funções e responsabilidades a esse respeito. As Coreias do Sul e do Norte concordaram em buscar ativamente o apoio e a cooperação da comunidade internacional para a desnuclearização da península coreana.

Os dois líderes concordaram, através de reuniões regulares e conversas telefônicas diretas, em realizar discussões frequentes e francas sobre questões vitais para a nação, fortalecer a confiança mútua e em conjunto se esforçar para fortalecer o impulso positivo para o avanço contínuo das relações intercoreanas, bem como paz, prosperidade e unificação da península coreana.

Neste contexto, o Presidente Moon Jae-in concordou em visitar Pyongyang neste outono.

27 de abril de 2018

Realizado em Panmunjom

Moon Jae-in Presidente da República da Coréia

Kim Jong-un  Presidente da Comissão de Assuntos Estatais da República Democrática Popular da Coréia_________

Anexo 2: Declaração da Reunião Presidencial US X DPRK (Tradução Própria do original publicado pela agência chinesa CGTN)

 Reconhecendo que a criação de confiança mútua pode promover a desnuclearização da Península Coreana, o Presidente Trump e o Presidente Kim Jong-un firmaram o seguinte Compromisso:

1. Os Estados Unidos e a DPRK comprometem-se a estabelecer novas relações EUA-DPRK de acordo com o desejo dos povos dos dois países pela paz e prosperidade.
2. Os Estados Unidos e a DPRK unirão os seus esforços para construir um regime de paz duradouro e estável na Península da Coréia.
3. Reafirmando a Declaração de Panmunjom de 27 de abril de 2018, a DPRK compromete-se a trabalhar para a desnuclearização completa da península coreana.
4. Os Estados Unidos e a DPRK comprometem-se a recuperar prisioneiros de guerra e desaparecidos em ação, remanescentes, incluindo o repatriamento imediato daqueles já identificados.  

https://news.cgtn.com/news/3d3d414e7a63444d78457a6333566d54/share_p.html

Anexo 3: Declaração das duas Coreias em 20 de janeiro de 1992

Tradução própria a partir do artigo Joint Declaration on the Denuclearization of the Korean Peninsula   é mostrada a seguir.

“Desejando eliminar o perigo da guerra nuclear através da desnuclearização da península coreana, 

  • As Coreias do Sul e do Norte não devem testar, fabricar, produzir, receber, possuir, armazenar, implantar ou usar armas nucleares.
  • As Coreias do Sul e do Norte devem usar energia nuclear apenas para fins pacíficos. 
  • As Coreias do Sul e do Norte não devem possuir instalações nucleares de reprocessamento e enriquecimento de urânio. 

Assinado por Chung Won – Primeiro Ministro da República da Coreia; e Yon Hyong-muk,  Primeiro Ministro do Conselho de Administração da República Democrática Popular da Coreia (DPRK) ”

Aterro do Flamengo: Curiosidades

Hibisco do mar ou algodoeiro de praia

Introdução:

Quando comprei um apartamento no Flamengo, ainda um pouco pesaroso de perder os jardins do Condomínio Pedra de Itaúna na Barra, minha amiga Frida Eidelman me disse que eu estava comprando um apartamento e ganhando de bônus o Aterro do Flamengo. Achei que era bairrismo.

Praticamente não pude aproveitar tê-la como vizinha, mas hoje compreendo o que ela queria dizer. Ao escrever este pequeno texto, tomando emprestado uma página virtual da E&E, descobri que tem um grande espaço, nesse conturbado Rio de Janeiro, do qual eu só consigo falar bem (que Deus e os cariocas o preservem).

O Aterro, como é chamado nas vizinhanças, inscreve-se na paisagem monumental da margem esquerda da entrada da Baía da Guanabara; como seu nome faz lembrar, é uma contribuição humana (contrariando os ecologistas radicais) que alcançou perfeito equilíbrio com a paisagem dessa cidade que continua Ma-ra-vi-lho-sa.

O Hibiscus tilaceus

No Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, é possível ter contato com uma enorme variedade de árvores. Algumas nos chamam particular atenção, como essa que cresce deitada. Ela nasce erecta, mas com o tempo se inclina e cai. Se as raízes resistem a queda, ela continuar a crescer. Existem várias nesta situação.

Outra coisa que me chamou a atenção é que suas flores sempre caem com a face para cima:

Figura 1: Quase todas as flores caem no chão voltadas para cima

Deve-se pensar que isto seja devido a alguma propriedade aerodinâmica da flor, o  que pode ser verificado soltando flores recém caídas. 

A conclusão sobre por que as flores caem nessa posição não é imediata, já que as relativamente mais velhas (a duração das flores no pé é cerca de apenas um dia) caem com a face para baixo, justo ao contrário das novas! A direção do vértice do cone muda e o movimento rotatório continua assegurando um pouso suave que evita mudanças de posição no final da queda.  Elas também vão ficando mais escuras como pode ser visto na foto abaixo:

Figura 2: As pétalas cedem e as flores velhas, quando soltas, caem de face para baixo (Nota: os gatos são os donos do pedaço no Aterro)

Como sou apenas um curioso, fiquei imaginando como poderia saber que tipo de árvore era aquela e outras com que me deparo em passeios matinais. Procurei no Google árvore de flores amarelas, árvores do Aterro do Flamengo, etc. Emfim, encontrei um aplicativo interessantíssimo (com versão gratuita). É o Picture This . Você fotografa a flor com o celular, e ele envia sua foto para uma base de dados e te devolve sugestões sobre a classificação da planta e sua análise. O aplicativo coleta várias fotos, com folhas e outros detalhes, fiquei sabendo que tratava-se do Sea Hibiscus (em inglês) ou Hibiscus tiliaceus (em latim), mais conhecido no Brasil como Algodoeiro de Praia, o que foi   fácil de descobrir no Google a partir do nome em latim. Para as árvores com flores, o aplicativo mostrou-se bastante eficaz. Veja abaixo o resultado:

Tradução livre e tentativa:

Descrição

O Hibiscus tiliaceus alcança uma altura de 4 a10 m, com um tronco de até 15 cm de diâmetro. As flores do H. tiliaceus são de um amarelo brilhante com um vermelho escuro na parte central da corola.

Nota do curioso: Observando o tronco de nossa árvore caída, vi que ela tem, pelo menos, 70 cm de diâmetro.

Cultivo

A árvore em questão, cresce comumente nas praias, perto de rios e em pântanos e mangues. Cresce melhor em solos entre ligeiramente ácidos a alcalinos.

Usos

É considerada, por muitos, como uma madeira de alta qualidade para mobílias. Considera-se que, a parte de sua casca, pode ser convertida em uma substância resistente para selar rachaduras em botes. Cascas e raízes podem ser fervidas para elaborar um chá que serve para baixar febres e suas folhas tenras podem ser comidas como vegetais.

Significado

O significado de hibisco é “beleza delicada”

Conclusões de minha excursão

Deste artigo publicado no “saite” ecen.com.br veio a ideia deste sobre flores. Gostei de escrever sobre o assunto que desconheço mas tenho grande interesse e sobre um lugares que gosto. Quando estudante tinha uma certa ojeriza pelas ciências biológicas que me foram apresentadas como uma série de nomes para decorar. Não existia a internet, os “smartfones” e seus aplicativos. Não encontrei ainda nada sobre os hibiscus que crescem deitados e sobre as propriedades aerodinâmicas das suas flores.   Também gostei de escrever na primeira pessoa do singular.

Disse na época: Quem sabe me anime a escrever mais sobre essas coisas. 

Carlos Feu

ADENDO

Flor e Fruto:

Figura A1: Com a queda da flor (à esquerda), forma-se o fruto (à direita) no qual a árvore produzirá o “algodão” que lhe dá o nome.

O Futuro de Angra 3

Artigos e notícias sobre Angra 3. clicar nos destaques para acessar

 Desde que a usina Angra 2 entrou em funcionamento em 2001, minorando os efeitos do apagão naquele ano, a deliberação de dar prosseguimento da construção de Angra 3 começou a ser tomada. Naquele ano, a decisão n° 5 do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE autorizava a Eletronuclear “a retomar ações relativas ao empreendimento de geração termonuclear da Usina Angra 3”.  [1]

 A efetiva retomada de Angra 3 se arrastou por praticamente uma década, já que só em 2010 foram completadas as licenças ambientais da CNEN e IBAMA [2]. Recomeçadas em 2010, as obras foram interrompidas em 2015 por duas razões principais: A tarifa futura acertada para Angra 3 era insuficiente para cobrir os custos de construção, e isto levou a Eletronuclear a patrimônio negativo, aplicando-se uma norma nova internacional (de impairment),  de uma maneira que pode ser considerada duvidosa. A segunda razão foi uma redução arbitrária tarifa para Angra 1 e 2 que não permitia o aporte de recursos próprios. Com isso, chegou-se a inviabilidade de Angra 3.

A Revista E&E dedicou boa parte de seu número 98 a este debate. Neste “post” que antecipa parte das matérias do N° 99 chama-se, atenção também para outras contribuições sobre o tema.


[1] Resolução n° 5, de 5 de dezembro de 2001 que autoriza a Eletronuclear a retomar ações relativas ao empreendimento de geração   termonuclear da Usina de ANGRA III, e dá outras providências.

[2] Autorização do início das obras de Angra 3 pelo IBAMA através da Licença de Instalação nº 591/2009 de 05/03/2009 e Licença de Construção pela  Resolução CNEN  n° 077/2010, de 25/05/2010.

Proposta para a Política Nuclear Brasileira

A Folha de São Paulo sob o título  Temer retoma plano nuclear e governo prevê várias usinas .      O artigo menciona os resultados de Grupo de Trabalho instituído pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro – CDPNB, em 11/01/2018, por portaria do Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República GSI/PR cuja finalidade é elaborar um proposta para a Política Nuclear Brasileira. A proposta foi apreciada, como informa a Folha, em  reunião do CDPNB que reúne os principais ministros relacionados com a atividade nuclear, no último dia 05 de julho.

A E&E, em sua edição de nº 93, assinalou a necessidade de se chegar a uma Política Nuclear de Estado para o Brasil. Em boa hora surge uma proposta que, para ser efetiva, deve alcançar uma aprovação da Sociedade. Como indicado na reportagem, a proposta se atém (como deveria) às diretivas gerais para este setor estratégico da atividade industrial e tecnológica com profundas implicações na soberania nacional. Sua aprovação, por uma ampla gama de ministérios que vai da Defesa ao Meio Ambiente, indica que foi possível alcançar  um consenso dentro do Governo que deve facilitar sua adoção pela Sociedade.  

Moreira Franco visita Instalações Nucleares e defende a Retomada das  Obras de  Angra 3 (Petronoticias 01/07/2018)

 O ministro de Minas e Energia,Moreira Franco, fez uma visita à Central Nuclear de Angra dos Reis tendo sido recebido pelo Presidente da  Eletronuclear,  Leonam Guimaraes,  e considerou importante conhecer de perto as instalações nucleares do Brasil.

O Presidente da Eletronuclear acredita que para reiniciar a construção de Angra 3,  é preciso discutir primeiro  o contrato de venda da energia que será produzida pela usina – cujo  preço está defasado- e  equiparar os preços ao mercado internacional viabilizando o equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento.   A segunda questão é renegociar as dívidas decorrentes do financiamento.  Por último, a empresa precisa fechar um novo modelo de negócios para Angra 3, que permita a participação privada, mantendo o controle da União.

CNPE criou o Grupo de Trabalho para discutir o Contrato de Venda da Energia que será produzida por Angra 3 (29/06/2018)

De acordo com informação da  Petronoticias o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou recentemente um grupo de trabalho para discutir o contrato de venda da energia que será produzida por Angra 3.  O grupo, conforme determinado, conta com a participação de vários ministérios e inclui também a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Eletrobras. 

Com o valor atual  de tarifa defasado,  a usina de Angra 3 está impossibilitada de retomar as obras em virtude do comprometimento de seu equilíbrio econômico-financeiro . A Eletronuclear aguarda essa   revisão do valor da tarifa para  renegociar os financiamentos existentes e  escolher um parceiro privado que traga aportes essenciais para concluir Angra 3.

O Ministro de Minas e Energia Moreira Franco, visita a Central Nuclear de Angra dos Reis para conhecer a usina de Angra 2 e  o canteiro de obras de Angra 3 que se encontra paralisada desde 2015.

Perda de Validade de MP deixa o Setor Elétrico envolto em Questões Pendentes (Angra 3 inclusive) (Valor Econômico 19/06/2018)

Para o caso específico de Angra 3 (obras  atualmente paralisadas) a solução prevista na MP 814 era um aumento da tarifa para atingir valores internacionais de modo a retomar a viabilidade econômico – financeira do empreendimento.  Foi então decidida pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE)  a criação de um grupo de trabalho composto por vários Ministérios além da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da Eletronuclear,  braço de geração de energia nuclear da Eletrobras.

Embora  a resolução do CNPE, que formaliza a criação do grupo de trabalho  ainda não tenha sido publicada, o grupo já se encontrou esta semana com integrantes do Ministério de Minas e Energia (MME).  A principal alternativa em estudo  é a publicação de uma portaria do MME permitindo o reajuste tarifário de Angra 3,  após o aval do  CNPE.  Com a correção tarifaria, a Eletronuclear pode fechar a parceria com um sócio estrangeiro minoritário  para concluir a obra da usina.

Governo irá aumentar a Tarifa de Angra 3 e viabilizar Término da Usina sem Necessidade do Aval do Congresso (08/06/2018)

De acordo com informação da AGENCIAINFRA.COM e do jornal O Globo um grupo de trabalho, constituído por integrantes dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda, do GSI  (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República), da Eletrobras e da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), seria formado brevemente, com a finalidade de em até 60 dias buscar as melhores soluções para viabilizar a retomada de Angra 3. Essas medidas não necessitarão de lei aprovada pelo Congresso.

O total da medidas inclui aumento de tarifa de Angra 3 (ainda em construção), refinanciamento das dívidas e a possibilidade de entrada de um sócio no capital da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras.

A pressa em se procurar formas de refinanciar a dívida  ocorre porque a empresa tem custos muito altos para pagar os financiamentos obtidos em 2010 para custear o projeto Angra 3.  A usina nunca chegou a ser terminada para gerar energia e portanto caixa para pagar a dívida, já que as obras foram paralisadas em 2015 e até o presente não retomadas.

Medida Provisória 814/17 não será votada na Câmara (22/05/2018)

Em 22/05/2018 o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que a MP 814, a respeito da privatização da Eletrobras e que continha medidas relativas à conclusão de Angra 3, não será mais votada pela Câmara dos Deputados. Uma das alternativas em análise é enviar o conteúdo original da MP 814 ao Congresso por meio de um novo Projeto de Lei, porém, sem o polêmico artigo que incluía a Eletrobras no Programa Nacional de Desestatizações (PND), que encontra resistências no Congresso Nacional. A tramitação desse assunto através de projeto de lei, não resolverá os urgentes problemas que afetam a sobrevivência da Eletronuclear,  já que só terá validade depois de aprovado pelo Congresso e sancionado pela Presidência da República.

O Setor Nuclear necessita de uma solução urgente já que existe a possibilidade da Eletronuclear perder condições de seguir operando com segurança. Além disso existem os riscos implícitos na escassez de recursos para a manutenção, e é crescente a probabilidade da suspensão do fornecimento de energia nuclear ao Sistema, com graves inconvenientes para sua substituição (energia mais cara), ou mesmo risco de desabastecimento. 

Nossa Opinião sobre Medida Provisória 814/17 e Angra 3  (11/05/2018)

A Medida Provisória 814/17 tenta equacionar a urgente situação em que se encontra Angra 3. A solução parece eficiente para remediar o grave problema que apontamos para a situação da Eletronuclear que pode colocar em risco a operação da Central de Angra. Com efeito, estão sendo consumidos com pagamentos de juros recursos indispensáveis à operação das usinas Angra 1 e 2. É uma gravíssima situação que deveria merecer uma ação direta do Governo. 

A iniciativa do relator, deputado Julio Lopes (PP-RJ) é válida como também parecem válidos os argumentos que sua nota, aqui divulgada, expôs. Um dos pontos importantes é que ela fixa a eventual participação externa como de caráter minoritário que, ao mesmo tempo que não contraria preceitos constitucionais, preserva a geração nuclear como produção nacional.

Temos chamado a atenção para as normas de contabilidade do FMI, adotadas pelo Brasil para o Balanço de Pagamentos, que consideram estrangeira a produção no Brasil de energia elétrica por empresa com capital pertencente a não residentes. Este é, aliás, um aspecto importante que está, até agora, absolutamente fora da discussão sobre a privatização da Eletrobras.

Chamamos a atenção, inclusive, para o editorial da FGV Energia sobre “Privatizar ou não privatizar a Eletrobras, esta não é a questão!” o que demonstra que a dúvida não é, verdadeiramente, privatizar ou não, mas quando privatizar.  A presente ocasião seria inadequada, do ponto de vista do interesse público, por estarem os ativos desvalorizados por questões circunstanciais. Também deveria estar sendo discutida para quem privatizar, pois já estamos importando eletricidade produzida no próprio País. No caso da eletricidade nuclear, o problema parece bem encaminhado.

Ajuntando os dois problemas, para remediar uma mínima parte de nosso déficit interno, estamos criando uma fonte de déficit externo, por dezenas de anos, “importando” hidroeletricidade produzida dentro de nossas fronteiras, com investimentos pagos por nossos impostos.

MP 814/17 dá Condições de  Recuperação á  Eletronuclear e promove o Reequilíbrio Econômico da  Região  Costa Verde Fluminense       (09/05/2018 Deputado Julio Lopes)

As ações propostas em meu relatório da MP814/17, impediriam a Eletronuclear de quebrar de vez, o que tornaria a sua situação irreversível. A empresa já acumula uma dívida total em torno de R$ 11 bilhões, a deixando sem condições de sobreviver até junho.

A execução da MP 814/17, da forma proposta, possibilitará a continuidade das obras de Angra 3.
O texto estabelece meios para a adesão de um parceiro privado na conclusão da usina, através de uma licitação internacional (observa-se que sempre em ‘capital minoritários’); e ainda a correção da tarifa de Angra, considerando o início da operação comercial do empreendimento até o ano de 2026.

O preço não deverá superar o valor internacional da energia produzida por usinas nucleares que entraram em operação nos últimos dez anos e da energia a ser produzida por empreendimentos em construção.

A retomada da construção da usina daria fôlego e reequilíbrio a Eletronuclear, a permitindo reverter sua situação de inadimplência junto ao BNDES, à Caixa Economica Federal e aos demais credores.

Como há muito relato aqui, os municípios de Angra dos Reis, Parati, Mangaratiba e Rio Claro, na região Costa Verde do Rio, estão com seus investimentos sociais estagnados pela falta de cumprimento dos repasses da Eletronuclear.
Os repasses, que são uma contrapartida à exploração e construção das usinas de Angra, foram estabelecidos pelo Ministério Público para serem destinados à Saúde dos municípios. A situação dessa região hoje por falta desses recursos é desesperadora.

Com a retomada de Angra 3, mais de 9mil empregos diretos e indiretos seriam gerados e a economia da região, reestabelecida. A Eletronuclear é uma fonte de vital de contribuição em termos de arrecadação para o Estado do Rio. Lutar por sua sobrevivência é nossa obrigação e, assim, procede o meu relatório da MP814/17.

Julio Lopes é Deputado Federal pelo Rio de Janeiro e autor do relatório da MP 814/17, APROVADO ontem em Comissão Especial do Congresso.

Aprovado Relatório da MP que possibilita Retomada de Angra 3 e Privatização da Eletrobras  (Petronoticias 09/05/2018)

A Comissão Mista instalada no Senado que analisa a Medida Provisória 814/2017, que analisa  a privatização da Eletrobras e suas distribuidoras de energia provou o relatório do deputado Júlio Lopes. Conforme já noticiado o texto elaborado pelo relator também aborda a questão da retomada de Angra 3, permitindo o reajuste da tarifa de energia e também a realização de um leilão para escolher um parceiro privado para o empreendimento.

Comissão aprova Autorização para elevar Preço de Tarifa de Angra 3   (09/05/2018 Globo Economia)

O relatório final da medida provisória 814, que foi aprovado na quarta-feira (9) e trata do leilão das distribuidoras da Eletrobras, autoriza reajuste para a tarifa cobrada dos consumidores pela energia da Usina Nuclear de Angra 3.

As obras de Angra 3 foram paralisadas no final de 2015 . O projeto tem custo estimado em R$ 15 bilhões.

A Eletrobras tem argumentado que o governo e os bancos públicos não vão financiar a conclusão da obra e, para que a empresa busque os recursos necessários no mercado, será necessária uma revisão do valor da tarifa.

Sem Reajuste, Angra 3 ficará Inadimplente no Fim do Mês diz Relator da Medida Provisória 814, Julio Lopes   (Valor Econômico 03/05/2018) 

De acordo com o que declarou Julio Lopes ao  Valor Econômico,  ao deixar a audiência  da Comissão Especial da Câmara que discute  a privatização da Eletrobras,  “Se não for dada uma solução para Angra 3 ainda neste mês, o sistema entrará em default. A Eletrobras não tem  dinheiro para pagar o BNDES que será obrigado a declarar a inadimplência da Eletronuclear” .

Acredita-se que uma outra solução para Angra 3 deve ser encontrada pois há muitos problemas para que essa Medida Provisória seja aprovada na Câmara e uma solução para o problema é urgente.

Autorização para Mudança de Tarifa de Angra 3 Incluída na Medida Provisória nº 814 de 2017 
(25/04/2018: Relatório da Comissão Mista do Congresso que examina a MP)

O Relator, Deputado Julio Lopes, incluiu, nas proposições de emendas à MP n° 814 de 2017, “medidas necessárias para evitar o colapso financeiro da Eletronuclear, em razão dos problemas afetos ao financiamento da Usina de Angra 3, o que traria  graves consequências para o Grupo Eletrobras e para todo o setor elétrico”.  Fundamentalmente,  “o Ministério de Minas e Energia deverá propor ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE,  em até sessenta dias contados da publicação desta lei, ouvida a Empresa de Pesquisa Energética – EPE,  novo valor para o preço da energia a ser gerada pela usina nuclear Angra 3, tendo como referência o valor médio de comercialização da energia produzida por usinas nucleares recentemente comissionadas em outros países, bem como as projeções para valores médios de comercialização de energia a serem produzidas por usinas nucleares em construção em âmbito mundial.” (Art 6″. parágrafo 1°).  Esta é uma medida que pode solucionar o impasse relativo à tarifa de Angra 3 que não é suficiente para cobrir os custos previstos. Certamente as tarifas de usinas recentemente comissionadas tendem a ser uma referência realista, já as projeções  para valores médios de comercialização podem incluir “wishful thinking” de empresas  que desejam vender usinas.  

O jornal O GLOBO informou que a tarifa, que hoje está em US$ 75 por megawatt/hora, pode dobrar e atingir até US$ 150 – considerando o padrão para empreendimentos mundiais desse porte.

Modelagem de Angra 3,  Permitindo a Retomada das Obras, será Apresentada à Eletrobrás e ao MME em Breve
(Petronoticias, 19/04/ 18)

A Eletronuclear planeja assinar no ano que vem o contrato de parceria com um investidor privado para conclusão das obras de Angra 3.  O chefe do Departamento de Desenvolvimento de Novos Empreendimentos da Eletronuclear,  Marcelo Gomes da Silva, explicou que a empresa contratou uma consultoria americana ( a Alvarez & Marsal)  para desenvolver o estudo  de um modelo de negócio mais viável. Esse trabalho foi feito em conjunto com um escritório de advocacia, que realizou uma consultoria jurídica. Em função disso, chegou-se a alguns modelos que serão propostos ao mercado. A ideia então é buscar um parceiro que possa aportar capital e tecnologia para conclusão de Angra 3. 

Antes de mostrar esta modelagem aos potenciais parceiros, é preciso que ela seja validada pela Eletrobrás.  “Se houver consenso, [o documento] seria encaminhado ao Ministério de Minas e Energia para apreciação e também ao CNPE,  se for o caso” acrescentou Marcelo.

Governo trabalha em Novo Desenho para a Área Nuclear, afirma Moreira
(Valor Econômico  Brasil 17/04/2018)

O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, quer um novo desenho para a área nuclear do governo. O Valor Econômico informa que ele está convencido de que hoje existe uma sobreposição de estruturas. São muitos órgãos e autarquias, espalhados por vários ministérios diferentes, com funções parecidas e duplicidade de gastos: Eletronuclear, Nuclep, Indústrias Nucleares do Brasil  e estruturas subordinadas ao Comando da Marinha. O ministro considera isso “irracional”  e disse na entrevista ao Valor que “Você tem diversas empresas do governo, uma vendendo para outra, pagando impostos, produzindo, o que é um negócio despropositado” e que “Tudo isso tem que estar num canto só.” 

São citadas no artigo do Valor, além da Eletronuclear, que opera as usinas do complexo de Angra dos Reis (RJ), a Nuclep que projeta e fabrica bens de capital no setor, a INB que se dedica à mineração, ao enriquecimento do urânio e à montagem do combustível que abastece os reatores. Todas essas empresas atuam na área de energia nuclear. Também foi mencionada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) que pesquisa a aplicação de técnicas nucleares e regula o uso da energia no país,  e a Marinha que tem um programa nuclear próprio, com o desenvolvimento do submarino de propulsão atômica como auge. 

O redesenho do Setor Nuclear, mencionado pelo Ministro Moreira Franco, estaria a cargo de um grupo recém criado, sob coordenação do general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Câmara Federal pode Encontrar uma Saída para Retomada das Obras de Angra 3                                  (Petronoticias, 13/04/18)

Sobre a retomada de Angra 3,  o deputado federal Júlio Lopes disse que vai sugerir em seu relatório que Itaipu e a Eletronuclear  façam uma parceria na comercialização da energia da hidrelétrica binacional.  O relatório será apresentado na próxima semana e  nele deve constar a previsão de que o preço da energia vendida por Angra 3 passe por uma revisão, para refletir a média de preço internacional  cobrada pela energia nuclear. A revisão de preço da energia de Angra 3 deverá ser feita pelo Poder Executivo, segundo a proposta prevista no relatório, que será votado na comissão mista da MP e depois pelos plenários da Câmara e Senado. 

Dinheiro de Itaipu  vai Destravar Obras da Usina de Angra 3 (Gazeta do Povo Contabilidade Criativa  12/04/18)

A resposta para viabilizar a retomada da construção da usina nuclear Angra 3 pode vir da usina binacional Itaipu. O relator da medida provisória (MP) 814, deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ), vai sugerir em seu relatório que Itaipu e Eletronuclear (duas empresas ligadas à Eletrobras que não podem ser privatizadas) façam uma parceria na comercialização da energia da hidrelétrica binacional. Com isso, a receita de Itaipu proporcionará uma solução contábil que evitará a liquidação antecipada da dívida de Angra 3 com o BNDES e com a Caixa e o destravamento das obras. 

Crise Econômico-Financeira na Geração Nuclear (E&E 98)

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocaria virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. No presente o Brasil encontra-se novamente em uma encruzilhada em relação à Angra 3.

A interrupção das obras em 2015 gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores em valores de 55 milhões de R$ que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2. A desestruturação do Setor Nuclear Brasileiro, considerado estratégico para a Segurança Nacional, terá graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional. Também terá fortes impactos na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear, do qual depende não só o abastecimento de energia da Região Sudeste, mas também a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado.

O Ministro de Minas e Energia visita Central de Angra
(Resumo de material da Agência Brasil)

Fernando Coelho Filho, visitou dia 26/03 a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA). O ministro recebeu relatório técnico sobre a história do programa nuclear brasileiro e a situação atual, mas não deu declarações. A visita foi fechada à imprensa.

O presidente da Eletronuclear, estatal que administra e opera as usinas nucleares, Leonam dos Santos Guimarães, inteirou o ministro sobre os passos para levar à retomada de Angra 3, ressaltando a importância desse fato, inclusive para o processo de democratização do capital da Eletrobras. O projeto de lei que está em tramitação no Congresso referente à privatização da Eletrobras prevê a segregação da Eletronuclear,  junto com a Usina Binacional de Itaipu.

“Para fazer essa segregação, a Lei das Sociedades Anônimas requer que a empresa não pode ter patrimônio líquido negativo, que é o nosso caso”, ressaltou Guimarães, em entrevista à Agência Brasil. “Nós estamos nessa situação por causa do impairment (deterioração) de Angra 3, ou seja, pela projeção de prejuízos futuros de Angra 3”.

Segundo Leonam Guimarães, um item chave nesse processo é uma atualização do valor de venda do contrato de energia. Ele considera esse fator crucial para sanear o balanço da Eletronuclear para que ela possa ser, efetivamente, segregada, isto é, retirada do processo de privatização da holding Eletrobras. O “pontapé” inicial da solução do problema de Angra 3 passa por essa condição, disse.

Ministro de Minas e Energia e Representantes de Caixa e BNDES se reúnem para discutir Solução para Angra 3
(Petronotícias 20/03/2018)

Em busca de uma solução definitiva e necessária para a situação de Angra 3, o Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho, e o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, se reuniram em 20/03/2018 em Brasília com representantes da Caixa Econômica, do BNDES, do Tesouro Nacional e com o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa. A pauta do encontro foi a paralisação nas obras de Angra 3 e também a questão das dívidas da Eletronuclear com os bancos.

Como se sabe, a empresa está arcando com um custo de R$ 30 milhões mensais por conta de juros de financiamentos feitos para a construção de Angra 3.  A Eletronuclear está enfrentando dificuldades para honrar os pagamentos, já que além dos valores de tarifa de energia de Angra 1 e 2 estarem obsoletos, Angra 3 ainda não está concluída (ou seja, ainda não gera retorno financeiro à companhia).

 A Continuidade de Angra 3 (E&E 98)

Mais uma vez coloca-se a questão sobre dar prosseguimento ou não a Angra 3. Tem sido lembrado que Angra 3 é importante para o futuro da energia nuclear no Brasil. Justamente porque tem essa relevância, deve-se cuidar que o arranjo institucional e financeiro, a ser encontrado, não sacrifique esse futuro.  Alguns problemas cruciais são levantados como a viabilidade econômica que tem que considerar como externos atrasos por motivos político-administrativos alheios ao controle empresarial. Além da viabilidade econômica, chama-se atenção para o aspecto estratégico do domínio da indústria nuclear e da possível obsolescência da usina em termos técnicos e econômicos que é abordada no artigo seguinte.

Desmonte do Setor Nuclear exclui Brasil do Jogo no Mercado Global  (Conexão UFRJ – Energia, Corynto Baldez)

Ao lado dos Estados Unidos e da Rússia, o Brasil faz parte do seleto grupo de nações que domina o ciclo do combustível nuclear, de modo autossuficiente, para a geração de energia elétrica. Os outros países ou têm a tecnologia ou a matéria-prima, mas não as duas juntas. Além dos três citados, somente mais oito Estados nacionais completaram o ciclo tecnológico do enriquecimento do urânio – mas estes dependem da importação do minério.

Em breve, contudo, é provável que o Brasil seja expelido do topo dessa lista e assista ao completo abandono do seu programa nuclear, que enfrenta uma dramática crise de financiamento há cerca de três anos. “Esse desmonte só interessa aos países centrais. O Brasil estava na crista da onda há seis anos e era reconhecido internacionalmente. Hoje, isso mudou completamente com a paralisia dos investimentos no setor nuclear”, afirma Aquilino Senra, professor de Engenharia Nuclear da COPPE/UFRJ.

 Atualização do Padrão Técnico e de Segurança de Angra 3  (E&E 98)

A Eletronuclear divulgou em fevereiro deste ano um estudo intitulado “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” (finalizado em 2017), sobre as atualizações técnicas e de segurança acrescentadas ao projeto de Angra 3 com relação à segurança do empreendimento. Apesar de Angra 3 ter sido planejada nos anos 1970, ao longo do tempo, mudanças foram feitas na concepção original para incorporar modernizações tecnológicas, a experiência operacional do setor nuclear e as exigências das normas nacionais e internacionais, que foram revisadas no período.  Isto permite que Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões internacionais atuais.  Apresenta-se na revista o sumário executivo, o Relatório Completo está disponível no site da Eletronuclear.

Agentes Envolvidos na Construção de uma Usina Nuclear
(a ser publicado na E&E 99 e incluído neste “post”)

Leonam dos Santos Guimarães, Diretor Presidente da Eletronuclear, aborda assunto importante para as discussões sobre a retomada de Angra 3 e a expansão futura do parque nuclear brasileiro que possivelmente será concretizada com parceria externa. Para aclarar a terminologia usada para descrever os potenciais modelos de negócio para usinas nucleares, apresenta, resumidamente, os termos utilizados pela indústria núcleo elétrica para descrever os vários agentes importantes no processo de implantação de uma nova usina nuclear, que são: Proprietário,  Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E), Construtor,  Fornecedor do Sistema Nuclear de Geração de Vapor,  Fornecedor do Turbo-Gerador elétrico, Operador,  Regulador e Financiador.

Os modelos de negócio para a retomada de Angra 3 

O Assistente da Diretoria Técnica da Eletronuclear,  Roberto Cardoso Travassos,  apresentou no evento WNU/ABDAN/MB “The World Nuclear Industry Today” palestra sobre as soluções que a Eletronuclear está buscando para relançar o projeto de Angra 3.  As transparências da palestra estão acessíveis no site da ABDAN.

Também concedeu entrevista ao Petronoticias “Eletronuclear apresenta ao mercado modelos de negócios para retomada de Angra 3“. A Empresa está partindo do pressuposto que será necessário o aporte de capital externo e procura equacionar os modelos para essa participação que podem servir também para próximas centrais.  Existe interesse de empresas do exterior (França, Coreia, China, e Rússia) pelo projeto e seu possível segmento. A transparência abaixo ilustra o que já foi feito e a situação atual.

Conjunto de transparências no site WNU/ABDA

Agentes Envolvidos na Construção de uma Usina Nuclear

Ensaio:

Agentes Envolvidos na Construção de uma Usina Nuclear

Leonam dos Santos Guimarães

Resumo

A retomada de Angra 3 e a expansão futura do parque nuclear brasileiro possivelmente serão concretizadas com parceria externa. Para descrever os potenciais modelos de negócio para usinas nucleares, é útil aclarar a terminologia usada, pela  indústria nucleoelétrica.  Apresentam-se, resumidamente, os termos utilizados para descrever   os vários agentes importantes no processo de implantação de uma nova usina nuclear, que são: Proprietário, Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E), Construtor, Fornecedor do Sistema Nuclear de Geração de Vapor, Fornecedor do Turbo-Gerador elétrico, Operador, Regulador e Financiador.

Palavras Chave:

Angra 3,  indústria nuclear,   geração de eletricidade , Eletronuclear,  energia nuclear, Central de Angra


1. Introdução

As discussões sobre a retomada de Angra 3 e expansão futura do parque nuclear brasileiro muitas vezes não são muito claras quando se trata da terminologia usada para descrever os potenciais modelos de negócio para usinas nucleares. Tentando preencher esta lacuna, apresentaremos aqui resumidamente os termos utilizados pela indústria nucleoelétrica para descrever os vários agentes importantes no processo de implantação de uma nova usina nuclear, que são:

  • Proprietário
  • Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E)
  • Construtor
  • Fornecedor do Sistema Nuclear de Geração de Vapor
  • Fornecedor do Turbo-Gerador elétrico
  • Operador
  • Regulador
  • Financiador

Figura 1: Central Nuclear de Krsko, Eslovênia – 1 única unidade

Esta seria uma usina nuclear (Nuclear Power Plant – NPP ou Nuclear Power Station – NPS), com uma única unidade (no caso Krsko, na Eslovênia, “gêmea” de Angra 1). Em algumas partes do mundo, o termo “bloco de energia” (Power Block) ou simplesmente “bloco” (block) é sinônimo da palavra “unidade”, ou seja, uma combinação de “Sistema Nuclear de Geração de Vapor” (Nuclear Steam Supply System – NSSS ou N3S), do qual um reator nuclear é a fonte de calor, e seu Sistema de Geração Termelétrica, centrado no turbo-gerador (Balance of Plant – BoP). Uma central nuclear é um conjunto de usinas nucleares. No mundo hoje temos centrais de uma a oito unidades (Figuras 1 e 2).

Figura 2: Central Nuclear de Kashiwazaki Kariwa, Japão – 8 unidades.

2. O Triângulo da Construção

Podemos chamar de “triângulo da construção” à tríade de organizações composta pelo proprietário (Owner) da usina nuclear, por seu Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer – A&E) e pelo seu Construtor (Constructor).

Proprietário (Owner): Esta parte do triângulo da construção é óbvia, sendo a empresa de serviços públicos (utility) que está comprando a usina nuclear. Esta empresa tem que fornecer o terreno para localização da usina, pagar para tê-la construída, operá-la e conectá-la à rede elétrica nacional. Os proprietários de centrais nucleares podem ser empresas individuais ou grupos de empresas que atuem em conjunto, seja como sócios, seja como empresas separadas e autônomas com propriedade conjunta (em qualquer um dos acordos, distribuem-se os custos). Os proprietários geralmente tomam a decisão de que precisam de mais capacidade de geração, em primeiro lugar, e então realizam estudos para determinar qual a melhor alternativa para obter essa energia nova. Se os estudos mostram que uma usina nuclear é a melhor opção, então um processo é iniciado envolvendo outros agentes.

No caso de Angra 1 e início da construção de Angra 2, o Proprietário foi FURNAS. No caso da conclusão de Angra 2, o Proprietário foi a ELETRONUCLEAR, nascida da fusão da parte nuclear de FURNAS com a NUCLEN, empresa criada dentro da controladora NUCLEBRÁS para exercer o segundo lado do triângulo, o do Arquiteto – Projetista.

Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E): Esta é a empresa responsável pelo projeto da usina na sua totalidade. Na maioria dos casos, uma vez que um proprietário tomou a decisão de construir uma usina nuclear, ele contrata um A&E para conduzir o projeto. O A&E pode ou não ajudar o Proprietário na seleção de uma determinada tecnologia nuclear. Uma vez que o Sistema Nuclear de Geração de Vapor (Nuclear Steam Supply System – NSSS ou N3S) e outros detalhes foram especificados, o A&E projeta a usina como um todo. Isto incluirá, inevitavelmente, milhares de páginas de documentação técnica. Essa documentação corresponderá às especificações fornecidas tanto pelo fornecedor do N3S quanto pelo Proprietário para o projeto da usina em particular. O A&E precisa analisar, por exemplo, se um projeto em particular incluiria uma torre de resfriamento, ou seria o caso de usar diretamente um rio ou mesmo o mar. O trabalho do A&E está também associado ao gerenciamento da construção, terceiro lado do triângulo.

No caso de Angra 1, o A&E foi a empresa americana Gibbs & Hill. No caso de Angra 2, o A&E foi a NUCLEN. O gerenciamento da construção ficou ao cargo da NUCON, outra empresa controlada pela NUCLEBRÁS, extinta em 1988. Ambas foram sucedidas pela ELETRONUCLEAR. No caso de Angra 3, o A&E atualmente é a ELETRONUCLEAR.

Construtor: Esta é a empresa que constrói ou supervisiona a construção da usina nuclear. Normalmente, o construtor contrata dezenas de subcontratados para executar os trabalhos de lançamento de concreto, montagem de tubulações, instalação do cabeamento elétrico e de instrumentação e controle, etc. O Construtor constrói de acordo com a documentação técnica fornecida pelo A&E e age com base na paulatina disponibilidade dos componentes necessários para a instalação. Grandes problemas podem ser causados por um construtor que trabalha antes de receber a documentação final de projeto, apenas para verificar, depois que os desenhos finais chegam, que parte do trabalho foi feito de forma não conforme. Isso leva a ter que desfazer e refazer o trabalho. Em outras vezes, o próprio trabalho em si pode ter sido feito de forma errônea e isso ser identificado pelo controle de qualidade, o que leva também a desfazer e refazer o trabalho. Naturalmente, a entrega tardia de desenhos e especificações do A&E também levará a um atraso significativo.

No caso de Angra 2, e também de Angra 3, a ELETRONUCLEAR também desempenha o papel de Construtor, pois as obras civis e a montagem eletromecânica são contratadas em separado. 

3. Outros agentes importantes

Fornecedor do N3S: Esse em geral é o mais conhecido: Westinghouse – Toshiba, Framatome (ex-AREVA), GE – Hitachi, Rosatom, Mitsubishi, ATMEA, CNNC, etc. É a empresa que realmente projeta e fabrica o próprio reator nuclear e od demais componentes do Sistema Nuclear de Geração de Vapor – N3S a ele ligados. O N3S é montado dentro do edifício de contenção e tem muitas interfaces com o restante da usina. As duas interfaces mais importantes são o vapor que ele envia através de tubulações, que é utilizado para acionamento do turbo-gerador, e a água condensada que volta para o N3S para ser novamente transformada em vapor. Por mais importante que seja o N3S, seu fornecedor não é a entidade que define o projeto geral da usina, pois isso é da responsabilidade do A&E e do proprietário. Ao longo do tempo, tem havido uma tendência crescente para padronizar e multiplicar usinas de um local para o outro. Esta é a norma hoje em dia, de modo que é apropriado falar sobre um projeto particular em termos do próprio projeto do reator. No entanto, nos “velhos tempos”, o discurso geral não era de que uma usina fosse uma “Usina Westinghouse”, mas sim uma “Usina Bechtel” ou uma “Usina Stone & Webster”, para citar exemplos americanos, porque estas empresas de A&E definiam o projeto geral da usina em que um N3S e muitos outros componentes a ele integrados.

Em Angra 1 o fornecedor do N3S foi a Westinghouse. Em Angra 2 foi a Siemens – KWU. Em Angra 3 é a FRAMATOME (ex-AREVA), que adquiriu a Siemens – KWU.

Fornecedor do Turbo-Gerador: Poucos fornecedores no mundo são capazes de fabricar os turbo-geradores de grande porte associados às usinas nucleares, com potência superior a 1.000 MW. É uma lista curta, que inclui Alston, Mitsubishi, Siemens, GE, além de empresas russas e chinesas. Como cada equipamento deste tipo é feito sob encomenda, é possível combinar-se diferentes fornecedores de turbo-geradores com diferentes fornecedores de N3S.

O fornecedor do turbo-gerador de Angra 1 foi a Westinghouse e o de Angra 2 foi a Siemens. O turbo-gerador de Angra 3 também é Siemens.

Operador: Em geral, o Proprietário se confunde com o Operador. Entretanto, existem modelos modernos em que esses dois atores podem ser distintos. Por exemplo, na Espanha, as grandes empresas de geração elétrica, IBERDROLA e ENDESA, criaram empresas exclusivamente para operação de suas usinas nucleares com as quais mantêm contratos de gestão associados a transferências orçamentárias (caso da ANAV, que opera três usinas: Ascó 1 e 2 e Vandellós 2). Neste caso, o Operador tem a obrigação de entregar toda eletricidade gerada ao Proprietário, que se incumbe de sua comercialização. O Operador é uma empresa que não gera lucro e funciona com base num orçamento transferido pelo Proprietário. Note-se ainda que o Operador é o requerente das licenças nuclear e ambiental da usina, sendo responsável pela segurança operacional da mesma.

Regulador: O regulador é o órgão oficial de uma nação encarregado de garantir a segurança das usinas nucleares. Muitas palavras foram escritas sobre os reguladores, mas para o propósito desta discussão apenas diremos que as inspeções do regulador no projeto e construção de uma usina nuclear são frequentes e que ele tem autoridade para interromper os trabalhos e impor mudanças no projeto e construção. Alterações na regulamentação técnica enquanto uma usina está em construção podem contribuir com um atraso significativo, se o regulador exigir mudanças em trabalhos já concluídos.

Financiador: Obviamente, para que os agentes envolvidos na construção da usina executem as tarefas sob sua responsabilidade torna-se necessário um financiamento. Normalmente, o tomador desse financiamento é o Proprietário, que também aporta uma parcela de recursos como equity. O pagamento do serviço da dívida e da amortização do principal financiado como debt é feito com parte da receita auferida com a venda de energia, cujo preço deverá ser compatível com essa obrigação, a qual se adiciona aos custos operacionais propriamente ditos. No arranjo convencional, o Proprietário é uma única empresa elétrica (utility), que obtem o financiamento junto a instituições de crédito. Como a construção de uma usina nuclear é um empreendimento intensivo em capital e de longo prazo de maturação, novos arranjos de financiamento têm sido propostos e alguns deles efetivamente praticados.

A Tabela 1 resume a atuação dos diversos agentes para as usinas de Angra 1, Angra 2 (duas fases) e a Angra 3 na primeira fase.

Tabela 1: Agentes envolvidos na construção das usinas nucleares brasileiras:

 

ANGRA 1

ANGRA 2
(INÍCIO)

ANGRA 2
(CONCLU-SÃO)

ANGRA 3
(INÍCIO)

Proprietário

FURNAS

FURNAS

ETN*

ETN

A&E

GIBBS & HILL

NUCLEN

ETN

ETN

Construtor

FURNAS

NUCON

ETN

ETN

Fornecedor do NSSS

WESTING-HOUSE

KWU

KWU

AREVA

Fornecedor do TG

WESTING-HOUSE

SIEMENS

SIEMENS

SIEMENS

Operador

FURNAS

FURNAS

ETN

ETN

Regulador

CNEN

CNEN

CNEN / IBAMA

CNEN / IBAMA

(*) ETN: Eletrobras Eletronuclear

Informativo do Cembra 2017

O Centro de Excelência para o Mar Brasileiro – Cembra é referência em assuntos relacionados ao chamado Território Marítimo Brasileiro também referido como o Mar Brasileiro que diz respeito à região oceânica onde o Brasil detém direitos de soberania ou jurisdição, conforme estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. A Marinha do Brasil tem se referido a esse espaço como “Amazônia Azul” que relembra sua grandeza e importância estratégica. O termo tem também o mérito de nos chamar a atenção para  sua vulnerabilidade e necessidade de defesa.

O propósito essencial do Cembra é o de atender a anseios do País e da sociedade brasileira ligados ao seu desenvolvimento sócio-econômico e científico-tecnológico, alcançando e mantendo a vanguarda em campos escolhidos do conhecimento e da exploração ligados ao Mar Brasileiro.

Dentro desse propósito lançou a segunda edição do Livro O Brasil e o Mar no Século XXI que vem sendo atualizada em sua versão virtual

Esse trabalho se complementa com a edição periódica do Informativo do Cembra que passa a ser uma referência dessa importante parte de nosso Território Econômico.

O conceito de Território Econômico, vem sendo discutido nos últimos números de nossa revista e inclui, na metodologia atual das Contas Nacionais e do Balanço de Pagamentos, nosso território físico, nosso mar (o Mar Brasileiro), nosso espaço aéreo, menos “enclaves” econômicos de diversas naturezas.

O informativo do Cembra é um instrumento importante para os aspectos tecnológico-científicos relacionados com nossas águas territoriais que é também de grande importância econômica sendo, por exemplo, o depositário da quase totalidade do petróleo e gás natural brasileiros. O quinto número, bem como os anteriores estão disponíveis no site cembra.org.br  .

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Crise Econômico-Financeira na Geração Nuclear

Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017

José Israel Vargas,
Carlos Feu Alvim e
Olga Mafra

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Em 13 de Novembro do ano passado as direções da Eletronuclear e da INB reuniram-se com o Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para chamar a atenção sobre a grave situação econômico-financeira da área da geração de energia eletronuclear (1). O Diretor Presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães confirma que esta situação é fundamentalmente devida aos dispêndios induzidos pelo  estado em que se encontra o projeto de construção de Angra 3.

Os gastos com a interrupção de Angra 3 absorvem as tarifas geradas por  Angra 1 e 2,  já reduzidas em valor real de 14%, pela ação ANEEL. Embora os recursos gerados sejam suficientes para manter as duas usinas, em pleno funcionamento, a inadimplência das responsáveis contratuais pela construção de Angra 3 quais sejam a Eletrobras e os financiamentos dos  bancos BNDES e Caixa Econômica Federal, com a transferência dos encargos assumidos, tornou insustentável a situação da empresa.

De fato o não cumprimento pela Eletrobrás, tanto inicialmente de 20% ampliados posteriormente a 40%, dos encargos, bem como daqueles de responsabilidade dos referidos bancos, em decorrência da mencionada interrupção do projeto Angra 3, agravou-se mais ainda pelo início de cobrança pelos bancos de juros sobre os passados investimentos, atualmente em 30 milhões de reais mensais (do BNDES) e que alcançariam mensalmente 55 milhões de reais com a prevista incorporação dos pagamentos devidos à CEF.

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto  inicial de eventos provocara  virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. Com efeito, a declaração de “impairmen”(redução do valor de recuperação de um ativo) de 3,4 bilhões de reais reduziu a zero, naquele ano, o patrimônio líquido da Empresa. Além disso, a impossibilidade da controladora Eletrobrás de aportar, como apontado acima, recursos próprios conforme previsto em contrato tanto inicial como o posterior já tornara o empreendimento problemático. A situação do impairment  poderia ter sido, em princípio, resolvida com a repactuação da tarifa de Angra 3, persistindo, no entanto, o problema do aporte de recursos próprios cujo equacionamento estava em estudo.

Isso se tornou politicamente inviável quando as operações da Polícia Federal e Justiça Brasileira com as operações “Lava Jato” e “Pripyat” atingiram membros da alta direção da Empresa.

Foi nesse quadro que se decidiu suspender a construção de Angra 3, no entanto não motivada diretamente por essas operações, mas, pela incapacidade política de equacionar os problemas já existentes.

A paralisação da construção de Angra 3 (2) agravou a situação como esclarece o Presidente da Eletrobras,  Wilson Ferreira Jr., fazendo cessar o fluxo financeiro dos empréstimos assumidos e naturalmente, acrescentadas despesas com o adiantamento do vencimento de juros já referidos e exorbitantes na conjuntura, que seriam normalmente pagos após a conclusão do empreendimento, pela geração de recursos resultantes do funcionamento de Angra 3.

Além disto, a Empresa deve arcar com a manutenção do canteiro de obras que é uma obrigação que envolve a preservação do investimento já realizado com a construção de Angra 3 e os requerimentos de segurança das centrais em operação. Com a paralisação das obras, foram geradas obrigações vencidas com fornecedores, que atualmente alcançam 50 milhões de reais.

A crise atual envolve, em virtude dos encargos referidos, a própria produção de combustível nuclear pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil – INB com a qual a Eletronuclear já reduziu seus compromissos de pagamento de combustíveis, a partir de outubro deste ano, face à previsível  indisponibilidade de recursos. A situação da INB ficou crítica, além disto, em virtude dos cortes lineares realizados no orçamento limitarem seus gastos anuais, afetando, inclusive, a utilização dos recursos próprios gerados pela venda de combustíveis, inclusive decorrentes de exportação.

Concretamente, embora o combustível para 2018 já esteja assegurado (3) (4), a ser mantida a atual situação, a energia elétrica de origem nuclear poderia ter seu fornecimento suspenso a partir de 2019. Este atraso pode configurar irreversível pela antecedência necessária para a fabricação do combustível.

A produção de energia nuclear é um assunto da mais alta sensibilidade internacional e não pode estar sujeita a restrições que limitem a segurança do sistema, inclusive no que concerne a segurança da população. Ressalte-se enfaticamente que problemas de fluxo de recursos nessa indústria podem provocar tragédias humanas e ambientais de consequências imprevisíveis. O Brasil corre o risco de vir a violar (ou já estar fazendo) o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear da qual é signatário e onde se compromete, entre outras obrigações a:

  • Assegurar que os recursos financeiros adequados estejam disponíveis para apoiar a segurança de cada instalação nuclear ao longo de sua vida;
  • Assegurar que número suficiente de pessoal qualificado esteja disponível, para todas as atividades relacionadas com segurança para cada instalação, ao longo de sua vida.

A nomeação e o afastamento de sucessivos diretores-presidentes interinos claramente não ajudou o processo de recuperação da Empresa. A clara exposição da grave situação que vem fazendo, em diversos fora, o atual diretor-presidente Leonam Guimaraes e sua recente efetivação no cargo (5) criaram as condições para que o Governo Federal assuma sua responsabilidade para a urgente solução do problema.

Não fazê-lo implica desestruturar o estratégico Setor Nuclear brasileiro resultante de mais de 60 anos de esforços, com fortes impactos na Segurança Nacional, na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas a estabilidade do Sistema Elétrico  Interligado,  com  graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional, inclusive no que diz respeito os compromissos assumidos em Acordos Internacionais, e à saúde da população brasileira.

Claramente é necessário equacionar separadamente a situação de Angra 3, já que praticamente a totalidade dos agentes envolvidos está diretamente vinculada ao Governo Federal. Isso permitiria dar continuidade a geração segura de energia nuclear através das usinas  Angra 1 e 2 com os recursos provenientes da tarifa assim auferidas.

O Setor Nuclear necessita de urgente reestruturação que o fortaleça para garantir o cumprimento das atividades de sua responsabilidade, inclusive constitucionais. A geração de energia nuclear elétrica é seu principal eixo econômico e esta reestruturação deve levar em conta este amplo papel.

Recorde-se ainda que o Setor Nuclear, em todos os países onde essa atividade é relevante, vincula-se diretamente à alta esfera do Governo Central que assume também toda responsabilidade por sua estratégia.

No Brasil, a responsabilidade pela proteção das atividades do Programa Nuclear, bem como, da Secretaria Executiva do Comitê Interministerial que cuida do assunto está concentrada no Gabinete de Segurança Institucional, na Presidência da República.

Pode-se resumir assim as medidas urgentes necessárias

  • Equacionar separadamente a situação de Angra 3 da produção de energia por Angra 1 e 2 possibilitando a utilização integral da tarifa à destinação prevista,
  • Complementar o orçamento da INB de maneira a possibilitar, pelo menos, o uso dos recursos da venda de combustível para assegurar a geração nuclear em 2019,
  • Cuidar para que sejam mantidas as condições técnicas, pessoais e financeiras para operação com mínimo risco das centrais existentes e do canteiro de obras.

Adicionalmente é necessário tomar medidas para equacionar problemas emergentes

  • Encaminhar a decisão sobre o prosseguimento da construção de Angra 3 através de decisão do Conselho Nacional de Política Energética CNPE,
  • Iniciar a reestruturação do Setor Nuclear para impedir sua deterioração administrativa e técnica e aproveitar suas potencialidades e oportunidades comerciais, facilitando a participação do setor privado e a operação dos organismos do Estado nas tarefas de sua responsabilidade.
  • Reunir os elementos par a formulação de uma política nuclear de longo prazo, coerente com a importância estratégica dos assuntos do Setor.

Bibliografia

  1. Petronotícias. A grave crise da Eletronuclear e INB é levada ao Presidente da Câmara que promete ajuda para uma solução . Petronotícias. [Online] 13 de novembro de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/105361 .
  2. Pamplona, Nicola. Parada, Angra 3 dá prejuízo adicional de R$ 30 milhões por mês à Eletrobras. UOl Folha de São Paulo. [Online] 14 de novembro de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1935328-parada-angra-3-da-prejuizo-adicional-de-r-30-milhoes-por-mes-a-eletrobras.shtml .
  3. Petronoticias. INB recebe aporte de R$ 190 milhões que garante o abastecimento de combustível para Angra e Angra 2. Petronoticias. [Online] 04 de janeiro de 2018. https://petronoticias.com.br/archives/107162 .
  4. Luna, Denise. Governo faz aporte de R$ 190 mi para garantir abastecimento de usinas de Angra em 2018. Estadão. [Online] 04 de janeiro de 2018. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-faz-aporte-de-r-190-mi-para-garantir-abastecimento-de-usinas-de-angra-em-2018,70002138572 .
  5. Petronotícias. Governo acaba a interinicade e confirma Leonam Guimarães como presidente da Eletronuclear. Petronoticias. [Online] dezembro de 20 de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/106678 .

 

 

O Tratado de Proibição de Armas Nucleares pode ser prejudicial ao Brasil?

O Tratado de Proibição de Armas Nucleares que o Brasil Assinou obriga a aderir ao Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas?

Carlos Feu Alvim

Sobre a notícia “Temer entregou na ONU nossa tecnologia nuclear!”[1] escrito por Fernando Brito veiculada pelo Site “Conversa Afiada” deve-se assinalar que houve um engano já parcialmente corrigido pelo autor. O Brasil não assinou o Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas com a AIEA  como reconhece o próprio autor[2] . Teria assinado o Tratado de Proibição de Armas Nucleares que o induziria a assinar o citado Protocolo . Aborda-se aqui a questão:  O Tratado assinado cria alguma obrigação do Brasil aderir ao Protocolo Adicional?.

O Brasil assinou, através de ato do seu Presidente da República, em 20/09/2017o “Tratado de Proibição de Armas Atômicas[3] aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 07 de Julho de 2017. O Tratado foi aprovado por 122 países [4] como um voto em contra (Holanda) e uma abstenção. Os países armados ou que compartilham armas não votaram, além de de outros países entre o quais estão praticamente toda a Europa e todos os países da OTAN.

Cinquenta países[5], juntamente com o Brasil através do Presidente Temer, aderiram ao Tratado em 20/09/2017 na ONU. Assinaram o documento vários países da América Latina entre os quais devem ser destacados Brasil, Argentina e México que utilizam comercialmente a energia elétrica nuclear. Destaque entre os países signatários a África do Sul, que já construiu armas nucleares e as desmontou, além da Indonésia e Tailândia. Três países já depositaram simultaneamente a ratificação (Guiana, Santa Sé e Tailândia).

O Tratado em seu Artigo 1 proíbe amplamente atividades relacionadas com o desenvolvimento, teste, produção, fabricação, aquisição, posse, armazenamento de armas ou explosivos nucleares.

“Article 1

Prohibitions

  1. Each State Party undertakes never under any circumstances to:

(a)      Develop, test, produce, manufacture, otherwise acquire, possess or stockpile nuclear weapons or other nuclear explosive devices;

(b)      Transfer to any recipient whatsoever nuclear weapons or other nuclear explosive devices or control over such weapons or explosive devices directly or indirectly;

(c)      Receive the transfer of or control over nuclear weapons or other nuclear explosive devices directly or indirectly;

(d)      Use or threaten to use nuclear weapons or other nuclear explosive devices;

(e)      Assist, encourage or induce, in any way, anyone to engage in any activity prohibited to a State Party under this Treaty;

(f)       Seek or receive any assistance, in any way, from anyone to engage in any activity prohibited to a State Party under this Treaty;

(g)      Allow any stationing, installation or deployment of any nuclear weapons or other nuclear explosive devices in its territory or at any place under its jurisdiction or control.”

Do ponto de vista moral, o tratado é altamente positivo já que consagra, por uma grande maioria de países, o banimento de armas nucleares. Do ponto de vista prático é mais uma iniciativa de desarmar os desarmados já que nenhum país que possui ou compartilha armas nucleares ou é protegido pelos chamados guarda-chuvas nucleares aprovou ou assinou e/ou ratificou o Tratado. Além disto, na lista de maiores economias, só Brasil e Indonésia aderiram ao tratado. Mesmo a Austrália, normalmente incluída nos “anjos brancos” da não proliferação votou a favor do Tratado.

O lado B da história seria que o Tratado impõe aos seus signatários obrigações. As que mais preocupam, no caso de Brasil e Argentina, são as relacionadas ao Acordo de Salvaguardas.

A preocupação é pertinente porque a assinatura do Protocolo pode prejudicar as atividades do programa do submarino nuclear que não é considerada uma arma nuclear mas que encerra uma aplicação militar (da propulsão que nuclear não é prescrita). Com efeito o submarino nuclear não é uma arma de destruição em massa e, no caso brasileiro, não seria provido de explosivos nucleares aos quais o Brasil renunciou. Note-se que o presente acordo de salvaguardas não exclui o submarino e seu material da aplicação de salvaguardas , mas oferece proteções em sua aplicação.

As inspeções do Protocolo Adicional podem ser bastante intrusivas e o Brasil, dentro de sua Política de Defesa, renunciou a tratar qualquer medida adicional na área de não proliferação até que os países armados descem sinal efetivo de cumprirem suas declaradas intensões de caminhar no sentido do desarmamento.

Entre as obrigações no âmbito da salvaguardas estão as indicadas no Artigo 3:

“Article 3

Safeguards

  1. Each State Party to which Article 4, paragraph 1 or 2, does not apply shall, at a minimum, maintain its International Atomic Energy Agency safeguards obligations in force at the time of entry into force of this Treaty, without prejudice to any additional relevant instruments that it may adopt in the future.
  2. Each State Party to which Article 4, paragraph 1 or 2, does not apply that has not yet done so shall conclude with the International Atomic Energy Agency and bring into force a comprehensive safeguards agreement (INFCIRC/153 (Corrected)). Negotiation of such agreement shall commence within 180 days from the entry into force of this Treaty for that State Party. The agreement shall enter into force no later than 18 months from the entry into force of this Treaty for that State Party. Each State Party shall thereafter maintain such obligations, without prejudice to any additional relevant instruments that it may adopt in the future.”

O Artigo 4 trata de casos especiais de países que tiveram armas nucleares (parágrafo 2, caso da África do Sul) e os que possuem armas nucleares. O Brasil e Argentina (que não se enquadram neste artigo mas no Artigo 2), já têm um acordo de salvaguardas abrangentes com a AIEA que inclui, além dos dois países, a AIEA e ABACC. Esse acordo, embora inspirado na INFCIRC/153[6], é de diferente redação. Disto deve ter originado a afirmação de que o Brasil aderira ao Protocolo Adicional como consequência da obrigação de aderir a um Acordo Abrangente. As salvaguardas do Acordo de Salvaguardas que rege as salvaguardas nucleares de Brasil-Argentina são perfeitamente compatíveis com os da INFCIRC 153 como reconhece a própria AIEA e a comunidade internacional,

O Brasil e Argentina já tem um Acordo de Salvaguardas do tipo abrangente que submete todas as instalações e materiais à inspeções da AIEA e da ABACC que a agência bilateral entre os dois países. Esta redação não inclui o chamado o Protocolo Adiciona aos acordos de salvaguardas (INFCIRC/540). A mera menção do INFCIR 153 não implica na assinatura do Protocolo Adicional  e mesmo sua posterior correção.

A rigor, a única implicação encontrada para nossos acordos de salvaguardas é que tanto os países que desistiram de suas armas nucleares como os países que as possuem e que vierem a aderir ao Tratado devem assinar com a AIEA um Acordo de Salvaguardas satisfazendo as condições expressas no Artigo 4, parágrafo 1 e 2:

Artigo 4, parágrafo 1: The competent international authority shall report to the States Parties. Such a State Party shall conclude a safeguards agreement with the International Atomic Energy Agency sufficient to provide credible assurance of the non-diversion of declared nuclear material from peaceful nuclear activities and of the absence of undeclared nuclear material or activities in that State Party as a whole.

Esta é a linguagem usada para acordos que incluem as disposições do Protocolo Adicional. Isso poderia induzir a que todos os países deveriam se enquadrar neste modelo. Não parece, entretanto, nenhuma vinculação direta com o caso de nossos países que têm, ademais, uma proteção adicional que são as inspeções cruzadas entre Argentina e Brasil que vem sendo considerada, como o fez, o Nuclear Suppliers Group – NSG como sucedâneo (ao menos provisório) a assinatura do Protocolo Adicional.

Como conclusão, não se pode dizer que o Tratado Proibição de Armas Nucleares obrigue o País a aderir ao Protocolo Adicional. Ele, no entanto, fortalece a noção que o modelo INFCIRC 153 + 540 seja o padrão de Acordo de Salvaguardas desejado pela AIEA. No caso do presente Tratado se,  por algum acontecimento não esperado, os países armados aderissem ao Tratado de Proibição das Armas Nucleares e, por consequência, ao Protocolo Adicional, o Brasil certamente não teria dificuldade de também aderir a ele porque haveria cessado o motivo de negar sua adesão.

[1] Tijolaçõ http://www.tijolaco.com.br/blog/o-que-temer-entregou-na-onu/

[2] Conversa Afiada  https://www.conversaafiada.com.br/mundo/temer-entregou-na-onu-nossa-tecnologia-nuclear

[3] Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons http://undocs.org/A/CONF.229/2017/8

[4] Vote name https://s3.amazonaws.com/unoda-web/wp-content/uploads/2017/07/A.Conf_.229.2017.L.3.Rev_.1.pdf

[5] Signature/ratification status of the Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons http://www.icanw.org/status-of-the-treaty-on-the-prohibition-of-nuclear-weapons/

[6] THE STRUCTURE AND CONTENT OF AGREEMENTS BETWEEN THE AGENCY AND STATES REQUIRED IN CONNECTION WITH THE TREATY ON THE NON-PROLIFERATION OF NUCLEAR WEAPONS

https://www.iaea.org/sites/default/files/publications/documents/infcircs/1972/infcirc153.pdf

Apresentação

Esta é a Edição no Brasil da Revista Economia e Energia. Já trouxemos para este site todos os exemplares na forma pdf que estão disponíveis na aba Números Anteriores. As antigas edições e matérias complementares estão disponíveis, bem como números anteriores  em Inglês (vários números), em http://ecen.com

A Revista E&E vem sendo editada há mais de 20 anos e busca apresentar estudos e reflexões sobre os temas Energia e Economia e, sobretudo, sobre a estreita ligação entre essas duas áreas de conhecimento. Na fase anterior, foram editados mais de noventa números na internet e na forma impressa.

Esperamos continuar contando com o interesse e colaboração de nossos leitores.

Carlos Feu Alvim

E&E 96:  julho a setembro de 2017 – Ano XXI

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