Academia Brasileira de Ciências condecora Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva

Resumo

O texto destaca a biografia e contribuições de Othon Luiz Pinheiro da Silva, Vice-Almirante da Marinha R1 e engenheiro reconhecido por seu trabalho significativo na ciência, tecnologia e inovação no Brasil, especialmente na área nuclear. Formado em engenharia naval e nuclear, Othon projetou navios e submarinos e liderou o desenvolvimento do ciclo de combustível nuclear brasileiro. Recebeu o título de Master in Science pelo MIT e elaborou relatórios fundamentais que moldaram a política nuclear brasileira. Sua carreira incluiu também a presidência da Eletronuclear, onde melhorou a eficiência da Central de Angra. Em reconhecimento a seu trabalho, a Academia Brasileira de Ciências concedeu-lhe a Medalha Henrique Morize. O texto também menciona desafios políticos e técnicos enfrentados, como resistências internacionais ao repasse de tecnologias nucleares críticas, e suas contribuições para a autossuficiência do Brasil em tecnologia nuclear, culminando na fabricação de centrífugas avançadas e na construção de um reator inteiramente brasileiro.

Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva

Em 22 de Agosto deste ano de 2024 a Diretoria da Academia Brasileira de Ciências – ABC decidiu, por unanimidade conceder ao Vice-Almirante e Engenheiro Othon Luiz Pinheiro da Silva a Medalha Henrique Morize “em reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados à Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, especialmente no campo da energia nuclear”.

A carta da Presidente Helena Bonciani Nader é dirigida ao Engenheiro Othon, como ele mesmo prefere ser chamado em suas atividades civis. É  esse aspecto de sua profícua atividade que preferimos destacar aqui. 

Nascimento: 1939 em Sumidouro – RJ

Graduação: Escola Naval 1960

Vice-Almirante R 1do Corpo de Engenharia da Marinha

Engenharia Naval: Formado em Engenharia Naval pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em dezembro de 1966,
A partir de 1967 até 1990

  • Coordenou a construção dos dois navios de Patrulha Fluvial Pedro Teixeira e Raposo Tavares e as Fragatas Independência e União;
  • Projetou os 3 navios de Instrução de Manobras da Classe Aspirante Nascimento para a Escola Naval;
  • Liderou, em 1990, o Projeto de Concepção do Estaleiro de Construção de Submarinos da Marinha em Itaguaí Rio de Janeiro.

Engenharia Nuclear :

  • Em dezembro de 1977, recebe o título de Master in Science e Nuclear Engineers Degree no MIT- Massachusetts Institute of Technology tendo apresentado tese classificada naquela instituição no nível de Doutorado
  • Em 1978, elaborou o relatório que serviu como base para o Programa de Desenvolvimento da Propulsão Nuclear para Submarinos e do Ciclo do Combustível Nuclear genuinamente brasileiro usando usinas de enriquecimento com ultracentrífugas projetadas e fabricadas no Brasil por brasileiros sendo autor do Projeto de Concepção e Coordenador do processo de Industrialização
  • A partir de 1979 até 1994 passou a trabalhar no projeto, da Marinha coordenando a Comissão de Projetos Especiais (COPESP) a partir da qual concebeu e coordenou a construção do  Centro de Tecnologia da Marinha em São Paulo (CTMSP) e a construção do Centro Experimental ARAMAR para instalação das Usinas de Demonstração Industrial do Ciclo de Combustível Nuclear e para a Instalação de Protótipo de Terra da Instalação de Propulsão Nuclear para Submarinos
  • Entre 1982 e 1994, acumulou a função de Diretor de Pesquisas de Reatores do Instituto de Pesquisas de Reatores do IPEN – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, em cuja gestão foi projetado e construído o Reator Nuclear de Pesquisas IPEN-MB 01, único reator de pesquisas inteiramente projetado e construído no Brasil; Coordenou a modernização do Reator de Pesquisas IEA-R1 melhorando a segurança e aumentando a potência de 2 para cinco Megawatts para aumentar a produção de radioisótopos no país.

Engenharia Mecânica: Master in Science no MIT – Massachusetts Institute of Technology em 1977.

De 1995 a 2005, em sua empresa  de consultoria ARATEC, na área de engenharia,  Othon dedicou-se a uma série de projetos de consultoria para entidades públicas e privadas a maioria deles não vinculados à energia nuclear. Não se furtou a manifestar, no exercício de cidadania, sua opinião, algumas vezes polêmicas, sobre assuntos energéticos, navais e nucleares. Também desenvolveu e patenteou uma turbina de geração hidroelétrica construiu um protótipo obtendo o apoio de empresários para esse empreendimento.

Sob demanda do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) efetuou uma avaliação do ponto de vista técnico e econômico sobre o reator da KWU alemã, do tipo Angra 2 bastante positiva. Também defendia a necessidade da energia nuclear na Matriz Energética Brasileira o que interessou a empresas de engenharia brasileira, com interesse na retomada da construção de Angra 3.

Por seu prestígio na área nuclear e sua posição favorável a expansão da energia nuclear ele foi escolhido para Diretor Presidente da Eletronuclear e permaneceu à frente da estatal de 2005 a 2015. Em sua gestão houve uma sensível melhora no desempenho da Central de Angra que passou a ter um dos melhores desempenhos no nível mundial, em termos médios, a produção de energia elétrica passou de 68% para 89% da capacidade teórica ao ano. 

Problemas persistentes como o depositório para rejeitos de alta atividade foram equacionados do ponto de vista conceitual. A cooperação com as universidades e outras instituições de pesquisa foram incentivadas em sua gestão que também reativou a construção de Angra 3 infelizmente interrompida por sua saída.

A concessão da Medalha Henrique Morize é muito oportuna pelo reconhecimento da importância  do engenheiro e almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva para a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. É um passo importante no resgate de seu valor como o  grande brasileiro que é.

Relembrando a frase de desejo e esperança atribuída a Tiradentes:
Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação
O engenheira  e almirante Othon quis e fez.

Participação no Programa Autônomo de Energia Nuclear

No projeto, inicialmente secreto, que buscava o domínio do ciclo de combustível e, desta forma, criar bases para a construção de um submarino nuclear, surgiram as maiores conquistas alcançadas no Brasil na área nuclear. Elas são o principal motivo da homenagem que o engenheiro Othon recebe hoje da ABC.

Vale lembrar que, em 1975, o Governo Geisel firmara um ambicioso programa nuclear com a Alemanha cujo objetivo principal era alcançar autonomia na geração de Energia Nuclear, incluindo o domínio do ciclo de combustível e a construção de 8 reatores de potência para a geração de energia elétrica de origem nuclear. Já na época, criticava-se a projeção de demanda elétrica que justificaria a aquisição das centrais previstas como exagerada. Este seria, entretanto o preço que se pagaria pelo domínio completo do ciclo de combustível que incluía enriquecimento e reprocessamento. Nenhum desses avanços foram alcançados já que o primeiro dependia de uma tecnologia não testada, quanto ao segundo, houve muitas objeções externas e internas e praticamente nada foi feito, nem no nível laboratorial.

O principal ganho tecnológico que o Brasil esperava do Acordo Nuclear com a Alemanha era obter o processo de enriquecimento de urânio utilizado nas ultracentrífugas da URENCO, consórcio europeu com a participação da Alemanha, Países Baixos e Reino Unido. Essa transferência de tecnologia das ultracentrífugas foi vetada pelos Países Baixos, tendo sido oferecida ao Brasil a tecnologia alternativa do jetnozzle ainda em desenvolvimento pela Alemanha e implicava grandes gastos de energia.

Mesmo sujeita a salvaguardas inéditas que além de materiais e equipamentos, incluía o uso, em outras atividades, das chamadas  “informações técnicas relevantes” que representavam o próprio conhecimento transmitido, os EUA pressionaram fortemente o governo alemão e o brasileiro contra o Acordo entre os dois países. Chegaram a romper o contrato feito para o reator de Angra 1 de fabricação Westinghouse que incluía a obrigação dos EUA fornecessem o combustível do reator por 30 anos. Essa dupla negativa fez parte da pressão política do Governo Carter que foi contornada com a compra de elementos combustíveis fornecidos pelos alemães. Estes elementos combustíveis apresentaram defeitos graves obrigaram uma redução na energia gerada e sua substituição prematura.

Foi a frustração com o não repasse de tecnologia prometida para o enriquecimento e a recusa prática de fornecimento da tecnologia de reprocessamento que criou um movimento contra as restrições estadunidenses e levou ao Governo Figueiredo a deflagrar o programa “paralelo” com atividades nas três forças militares.

O Brasil lançou-se em iniciativas, coordenadas por Rex Nazaré na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), no sentido de encontrar um caminho autônomo para o desenvolvimento nuclear. O Exército ficou encarregado do reator  moderado a grafite que poderia vir a fornecer plutônio, com combustível de urânio natural metálico e refrigerado a ar, a Aeronáutica  investiu no enriquecimento por laser. A Marinha se propôs a completar o desenvolvimento do ciclo de combustível acrescentando a etapa mais difícil de enriquecer o urânio, também alcançou a construção do primeiro reator inteiramente concebido e fabricado no Brasil e lançou as bases para a construção do submarino nuclear.

Foi nesse cenário, que a partir de um estudo inicial de três meses, encomendado ao jovem oficial Othon, foi lançada a ideia de buscar a construção de um submarino convencionalmente armado com propulsão nuclear e a independência no ciclo de combustível. A Marinha praticamente não se dedicava ainda à energia nuclear, mas a Aeronáutica sim, havendo um esforço coordenado pelo Coronel José Albano Alberto do Amarante para o enriquecimento usando laser. Esse brilhante cientista, prestou ajuda ao programa da Marinha e veio a falecer prematuramente vítima de uma leucemia galopante.

Com a redemocratização do País, e a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 e a adesão a acordos internacionais que reafirmaram os usos unicamente pacíficos da energia nuclear e a renúncia às explosões nucleares ditas pacíficas, foram revistas algumas das iniciativas em curso na área nuclear. Como resultado, o Exército e a Aeronáutica optaram por interromper seus programas

 A abertura política e as inspeções decorrentes dos acordos internacionais demonstraram, no entanto, que o Brasil nunca ultrapassara os  limites definidos pela Constituição e os acordos de uso exclusivamente pacíficos da energia nuclear nem contribuira para a proliferação nuclear em outros países.

O Enriquecimento do Urânio

O Programa Nuclear Brasileiro passou por uma análise profunda tanto no âmbito do Congresso, no do Executivo como da chamada Comissão Vargas, com participação de vários membros da ABC. No programa da Marinha, não  foi necessária nenhuma correção de rumo já que eles sempre estiveram de acordo com os compromissos à época vigentes e aqueles que o Brasil veio a assumir na própria Constituição e em acordos regionais e internacionais.

A aquisição da capacidade de enriquecer o urânio e o domínio de todo o ciclo de combustível provocou uma mudança de  status do Brasil que é hoje considerado um país nuclearmente maduro e com compromisso firme com o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear. Ou seja, o Brasil é considerado um país capaz de fabricar seus elementos combustíveis, inclusive os que iriam serão necessários para a construção do reator do submarino nuclear, e com capacidade de construir o próprio reator.  

O Brasil, logo após a Segunda Guerra Mundial, já havia, através do Almirante Álvaro Alberto, tentado adquirir a tecnologia de centrífugas mediante a importação de três unidades alemãs. A remessa dessas centrífugas foram proibidas pelas autoridades ocidentais de ocupação da Alemanha no Pós-Guerra. Afinal, elas foram remetidas para o Brasil e usadas na separação de argônio e até  escaparam da destruição requeridas por agentes externos  ao serem emparedadas no IPT, até que o próprio Othon as resgatou para treinamento e estudo  de sua equipe. Na verdade, elas não eram adequadas para enriquecer urânio em quantidades significativas, mas acabaram sendo úteis para fins didáticos.

A conquista do enriquecimento isotópico do urânio foi resultado de um dos projetos mais bem sucedidos e resultou na verdadeira independência do País na área nuclear. Tudo isto foi realizado em um quadro econômico difícil do início do Governo Figueiredo, na crise de 1979.  Mesmo em um processo de restrição orçamentária que impedia novas contratações, um novo Centro de Pesquisas foi constituído sendo que os recursos vieram de verba secreta.  Um processo de contratação de jovens promissores pelo Governo de São Paulo para trabalhar no projeto necessitou contar com uma improvável aliança que reuniu o Governador Montoro de São Paulo, do partido de oposição (MDB), e o último presidente do regime militar, o general Figueiredo.

Naquela época, o IPEN tinha uma tripla dependência que envolvia o Estado de São Paulo, o Governo Federal via CNEN e a Universidade de São Paulo. O IPEN era o mais importante dos instituto vinculados à CNEN e o único a não ser absorvido pela toda poderosa, à época, Nuclebras justamente por essa tripla dependência.

As peripécias que envolveram esta improvável aliança mostraram uma habilidade na condução do projeto que demonstram a grande capacidade de captar simpatizantes e colaboradores do engenheiro Othon. A esta jovem safra de colaboradores foi oferecida um grau de liberdade muito difícil de ser alcançada em uma instituição militar. Também é extensa a lista de colaboradores mais experientes, principalmente do IPEN, mas que incluiu pessoal de vários departamentos de universidades que adotaram com entusiasmo a possibilidade de concretizar projetos desafiadores que foram abraçados com grande entusiasmo e sem nenhum vazamento de informações por parte dos pesquisadores.

O caso do professor Alcídio Abraão é emblemático porque ele já trazia uma extensa bagagem tendo se dedicado ao estudo para obtenção e purificação de tório, urânio e terras raras. Ele mesmo relatou ao jornal Órbita Ipen, em 2003 sobre o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear.

“Tudo começou pequeno e depois foi crescendo. Projetamos e construímos unidades para a produção de diversos compostos de urânio, necessários para o processo de enriquecimento isotópico. Fomos pioneiros no Brasil a desenvolver a complexa tecnologia do flúor, uma condição necessária para conseguirmos a tecnologia de fabricação do hexafluoreto de urânio. Repassamos todo esse conhecimento, essencial para o enriquecimento do urânio, para a Marinha. Geramos várias patentes. Pode-se escrever um belo livro sobre a história do desenvolvimento científico e tecnológico feito no Ipen. Uma verdadeira epopeia.”

No Brasil houve, na parte do enriquecimento, um confronto vital entre duas visões na abordagem de um problema em um país ainda em desenvolvimento. A tradicional, de recorrer ao conhecimento externo considerado superior. Uma outra abordagem é a da “engenharia reversa” para reproduzir um processo  já tradicional como seria o caso do  dispendioso processo de difusão gasosa (como tentava a Argentina naquele momento).

A outra abordagem, adotada pelo engenheiro Othon, foi a de reunir as melhores capacidades existentes no país para tentar uma solução de ponta. Nesse caso, se trata de tentar competir com a tecnologia mais avançada existente na época que era a ultracentrifugação com suspensão magnética e, se possível, aperfeiçoá-la.

O engenheiro Othon conta de onde retirou o conceito das centrífugas que foram construídas no Brasil.

“As nossas ultracentrífugas foram resultado de uma palestra de segunda feira à tarde no MIT feita por um Engenheiro da Empresa Martin Marietta e eu achei que era espetacular demais e se simplificada daria certa . Na palestra um estudante inteligente perguntou como eles iriam fabricar os mancais com pivô ele respondeu que o assunto era muito classificado e que eles usariam mancais especiais que haviam sido desenvolvidos no Drapper Lab para a NASA . Um mês depois na revista do Drapper Lab ( que pertencia ao MIT) li que eles haviam desenvolvido mancais magnéticos ativos para a NASA . Essa foi a pista que eu resolvi percorrer e deu certo. Vale dizer que a URENCO usa mancais magnéticos passivos na parte superior e o pivô na parte inferior usando óleo fomblim saturado com flúor para resistir aos resíduos de flúor no hexafluoreto de urânio!”

Em outro relato ele se refere a produção das primeiras centrífugas que usavam como material o aço maraging. O material inicial foi repassado para ele pelo Coronel Amarante da Aeronáutica que trabalhava com o enriquecimento a laser . Othon também conta os obstáculos para poder usinar esse material e as dificuldades de obter a máquina para usiná-lo. Sempre que possível, ele buscava no mercado local alguma empresa capaz de fornecer o material requerido e quem poderia repassar para a empresa a tecnologia necessária:

“Posteriormente a Eletro Etal, em Campinas, passou a produzir Maraging (liga ferro titânio) com ajuda do Grupo de Engenharia de Materiais formado pelo saudoso Professor Sérgio Mascarenhas na Federal de Engenharia de São Carlos.”

Em continuação, ele revela outro importante avanço tecnológico para as centrífugas;

“Mesmo evoluindo para cilindros de fibra de carbono usando resina resistente a flúor, as ultracentrífugas usam algumas peças de Maraging, liga muito sofisticada!!”

A adoção das fibras de carbono na fabricação de centrífugas foi outra conquista extraordinária nesse processo. Isto fez que as centrífugas usadas na unidade de enriquecimento que agora funcionam na Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) sejam comercialmente competitivas com as mais avançadas do mundo.

A saída do engenheiro Othon do se deu por ocasião de sua aposentadoria, ele chegou a ser aprovado em concurso no IPEN, mas  o projeto do submarino nuclear havia perdido prioridade dentro e fora da Marinha. Felizmente essa prioridade foi recuperada mais adiante. Honra seja feita, o projeto foi salvo por sua qualidade e pela saudável inércia institucional que impede atitudes extremas nas organizações e que propiciou ao CTMSP sobreviver.

Isto não impediu uma lamentável quebra de continuidade. Quantos avanços poderiam ter sido alcançados nos dez anos que passou como consultor, nos dez anos que passou na presidência da Eletronuclear. É certo que isto possibilitou a outros setores desfrutarem de sua competência. Nada, porém, poderá compensar  os lamentáveis últimos dez anos que amargou entre acusações inconsistentes, prisão sem condenação, penas arbitrárias e desprezo de parcela da sociedade. Temos que agradecer a Academia Brasileira de Ciências por demonstrar a ele o reconhecimento de seu mérito.

Carlos Feu Alvim 12/12/24

Ver ainda: Número especial da E&E 112 sobre o almirante Othon

Aplicando a “Metodologia Marchetti”

ajuste logístico da curva integral das publicações

Artigo:

Aplicando a “Metodologia Marchetti” a publicações de Cesare Marchetti

Carlos Feu Alvim

Resumo:

A metodologia de Cesare Marchetti de ajuste de dados históricos, envolvendo uma variada gama de variáveis, por uma curva logística para projetar seu comportamento é descrita aqui tomando como dados os artigos publicados por ele ao longo de sua vida.

O tratamento dos dados é descrito de uma forma didática com objetivo de ajudar a difundir a metodologia. Um cuidado especial é dedicado para a definição do valor máximo a ser alcançado pela variável estudada comumente denominado “nicho”, sendo apresentada uma técnica simples de determinar esta variável crucial dentro da metodologia adotada.

Palavras chave:

Cesare Marchetti, C. Marchetti, logística, ajuste de dados, publicações, análise de sistemas, determinação do nicho

A Metodologia

Buscando prestar uma homenagem a C. Marchetti e difundir sua metodologia, expomos aqui, de uma forma didática, como tratamos a evolução numérica de suas próprias publicações. Ele já havia feito isto com publicações de outros autores e obras de artistas famosos. A lista de publicações do físico italiano, está disponível no portal Cesare Marchetti [1].

Na Figura 1, está representado o número anual de publicações de C. Marchetti de 1952 a 2007. Ele publicou alguns artigos logo após sua graduação em Pisa (1948), enquanto era pesquisador no Centro Informazioni Studi Esperienze – CISE, em Milão 1950-1955.

Nos anos seguintes, ele esteve trabalhando em laboratórios de empresas industriais ou em áreas como a nuclear onde a divulgação pública de informações é restrita. Certamente era o caso de seus estudos sobre a produção de água pesada, considerada como tecnologia sensível.

O número de publicações por ano, (Figura 1), está também representado, na forma cumulativa, na Figura 2. O gráfico dessa figura tem  a forma conhecida da curva logística.

Gráfico das publicações anuais de C. Marchetti
Figura 1: Publicações anuais de Cesare Marchetti
Figura das publicações de C. Marchetti na forma cumulativa
Figura 2: Publicações de Cesare Marchetti, acumuladas até o ano

Nossa análise se concentra no período a partir de 1969 que marca o mais importante ciclo de publicação do autor. Foi a partir de sua vinculação ao International Institute for Applied Systems Analysis – IIASA, em Viena, Áustria, em 1974, que sua produção de artigos se tornou mais intensa.

Equações usadas

O tipo de curva logística, mostrado na Figura 1, toma por base a equação diferencial.

dN/dt = c.N.(N*-N)      [1]

No caso, dN representa o acréscimo de publicações no espaço de tempo dt tomado aqui como um ano ( dt =1 ano). No exemplo, c é uma constante, N o número acumulado de publicações e N* é o número total das publicações do autor.

Ou seja, o número de publicações, ao longo do tempo, é proporcional ao número das já publicadas (N) e ao número das publicações que falta publicar (N*-N). Assim, a equação tem um termo crescente e outro decrescente.

Isto significa que um autor que já publicou N artigos tem probabilidade maior de publicar novas obras que um que, na mesma fase da vida, publicou um número menor. Este fator crescente é compensado por um fator decrescente que é o número das que faltam publicar. Isso resulta, na prática, em uma função que cresce nos primeiros anos e decresce nos últimos anos, passando por um máximo que coincide com o ano em que completa a metade do total N*.

Se quisermos usar a metodologia para fazer previsões temos uma aparente incoerência já que um dado futuro (N*) é utilizado nessa previsão. A resposta vem da regularidade das curvas que descrevem a trajetória de publicações tanto para casos similares ao que estamos abordando como para outros fenômenos que apresentam uma dinâmica semelhante. No presente caso, com o autor já falecido, a precisão do método já pode ser testada praticamente para todas, ou quase todas, as publicações.

Em todo o caso, como a última publicação registrada foi de 2007, ainda consideramos como se o número total não estivesse fechado e fazemos projeções para o total que não são muito diferentes entre si e tampouco diferem muito do número registrado na lista usada, de 208 publicações.

A equação que representa uma logística decorre da equação diferencial (1) expressa por

N(t) = N* / [1+ Exp (- (a.t +b))]   [2]

onde a e b são constantes do ajuste.

O ajuste dos dados de publicações ao longo dos anos é feito usando a representação de Fisher-Pry que lineariza a equação

Log [F / (1-F)] = at + b           [3] onde F = N/N*.

Observação: Para facilidade da representação gráfica utilizamos Log10 (logaritmo na base 10) ao invés do LN (logaritmo natural). Isto facilita a correspondência com a escala linear. Naturalmente, na equação [2] deve-se usar, ao invés de exponencial, a potência com base 10.

Ferramentas para a projeção

A principal ferramenta utilizada é a representação dos dados usando a transformada Fisher-Pry para obter as constantes da reta. Esta representação é feita na Figura 3 onde pode-se observar que são mostrados, no eixo vertical, a dupla escala em Log10 (F/(1-F) e o valor de F expresso em percentual.

Ajuste com a escala de Fisher-Pray dos dados cumulativos
Figura 3: Ajuste de curva logística na notação Fisher-Pray que lineariza a curva, são mostrados os parâmetros da curva, o valor esperado para o total das publicações e o tempo Δt de passar de 10% para 90% das publicações de 24 anos.

Como pode ser visto na Figura 3 e nos parâmetros relativos ao ajuste, a concordância é muito boa com índice de desvios quadrados R2 = 0,995.

gráfico da curva logística diferencial e seu ajuste logístico

ajuste logístico da curva integral das publicações
Figura 4: Valores reais e ajuste por equações logísticas do número de publicações de C. Marchetti, anual (acima) e acumulado (abaixo)

O intervalo de tempo em que o autor levou para passar de 10% de suas publicações para 90% foi de 24 anos, o número total de publicações estimado no ajuste por mínimos quadrados foi de 212, as registradas até o ano de 2007 eram de 208 publicações.

A Figura 4 mostra, em escala linear, a comparação da curva logística em “esse” com o valor acumulado do número de publicações. Também mostramos a curva diferencial, na forma de “sino”, comparada com os valores anuais. Ambas as curvas ajustadas apresentam boa aderência aos dados reais.

As figuras anteriores foram expressas ao longo do tempo (em anos). Na equação diferencial [1] temos o valor das publicações anuais (dN/dt) apenas dependente de N e de duas constantes N* e c.

Podemos apresentar os dados em um gráfico cujo eixo horizontal representa o número N de publicações acumuladas e o eixo vertical representa os valores anuais de publicação (dN/dt). Esta representação fornece informações úteis para a determinação do valor total de publicações ao longo da vida do pesquisador.

A Figura 5 mostra os valores do número de publicações a cada ano. Para eludir as variações anuais muito rápidas os valores de N são representados por uma média móvel 3, centradas para cada ponto[2].

O uso dessa aproximação para determinar N* foi sugerido por Omar Campos Ferreira na E&E n° 46 e aplicado em vários dos artigos publicados nessa revista.

Gráfico das publicações por ano em função de N
Figura 5: Ajuste de uma curva de segundo grau para obtenção do valor total de publicações N* = 216

A equação representada é dN/dt = c.N.(N*-N)

que também pode ser expressa como

ΔN =dN/dt = c.N^2 – c.N*.N ou

ΔN = a.N^2 – b.N

onde ΔN é a variação anual onde dt foi tomado como 1 (ano), a e b são as constantes. A fórmula nos permite identificar uma equação de segundo grau que representa uma parábola que passa pelo ponto zero. O ajuste de uma curva de segundo grau nos conduz ao resultado mostrado na Figura 5. Determina-se centro da parábola corresponde N*/2 = 106 que corresponde a N* = 212.

Uma alternativa a esta técnica é representar os dados de ΔN/N, em função de N e obter os parâmetros a e b pelo ajuste de uma reta. O resultado dessa abordagem é mostrado na Figura 6.

Mostra o gráfico da variação de N anual dividida por N, em função de N e ajuste de reta
Figura 6: [Valor anual/valor acumulado de publicações[ em função do valor acumulado, a estimativa do total de publicações é N*= 210.

O valor do número de publicações de Cesare Marchetti avaliados por essa metodologia seria de 210 artigos.

Os valores estimados obtidos para o número de publicações total de Cesare Marchetti, recentemente falecido, baseado nos dados disponíveis até 2007 são mostrados na Tabela 1. Observa-se uma boa coincidência nos valores o que é normal por se dispor praticamente do número total ou de um valor muito próximo a ele até aquele ano.

Também mostramos na Tabela 1 o resultado da aplicação das diferentes técnicas aos valores até 1990, quando sabemos que o número de publicações acumuladas atingiu quase 2/3 das publicações totais, os resultados são bastante aceitáveis. As apurações usando as três técnicas para 1990 são mostrados no Anexo. Já os resultados para 1987, que corresponde a cerca da metade do total, estão naturalmente, sujeitos a maiores incertezas e são também mostrados na Tabela 1.

Tabela 1: Valores encontrados para o total de publicações de Cesare Marchetti usando as diversas técnicas

Técnicas

Dados até 2007

Dados até 1990

Dados até 1987

Interativo Fisher-Pry

212

175

142

Omar

216

237

432

Este trabalho

210

183

164

Publicações até o ano

208

139

112

Percentual das publicações até 2007

100%

54%

67%

Observação: Em alguns casos, pode-se obter melhores resultados combinando uma das duas últimas técnicas para introduzir o valor inicial de N* no processo iterativo que usa a transformada de Fisher Pry.

Conclusão

A aplicação da Metodologia Marchetti às obras do próprio autor funcionou perfeitamente como mostram as Figuras 3 e 4.

A abordagem de Marchetti tem por finalidade fazer previsões do comportamento de uma variável examinando seu histórico ao longo do tempo.

A aplicação da metodologia a muitos casos, mostra que é necessário chegar ou ultrapassar à metade dos eventos observáveis para que a previsão seja confiável.

Este trabalho propõe uma abordagem, que nos parece inédita, para estimar o parâmetro N* que representa o valor total a ser alcançado em um processo que segue a equação logística. No único conjunto de dados aqui analisados a previsão do total foi melhor que nos outros dois. Além disso, trata-se de uma metodologia mais simples já que envolve apenas o ajuste de uma reta.

Cesare Marchetti que era físico de profissão, nos deixou uma metodologia aplicável a vários sistemas complexos em várias áreas. Sua maior lição é que o futuro é fortemente dependente do passado e que não existem mudanças realmente bruscas em variáveis socioeconômicas e existe um padrão de comportamento que rege a maioria delas.

Anexo: Uso dos dados até 1990 (pouco mais da metade dos pontos) para previsões do total de publicações

Rapidamente, podemos utilizar as ´diferentes técnicas com os dados até o ano de 1990 para testar a capacidade de previsão com o uso das diferentes técnicas apresentadas.

A Figura A1 mostra a aplicação do transformada de Fisher-Pry aos dados até 1990. Os resultados, em termos de previsão, para os anos seguintes foram mostrados na Tabela 1.

Técnica de melhor ajuste da logística aplicada a publicações de Marchetti na escala Fisher-PraY
Figura A1: Ajuste de dados 1969 -1990, resultando N* = 142 publicações e tempo para passar de 10% para 90%, 21 anos

Figura A1: Ajuste de dados 1969 -1990, resultando N* = 142 publicações e tempo para passar de 10% para 90%, 21 anos

A segunda técnica é a utilização da técnica sugerida por Omar Campos Ferreira que consiste em representar os dados anuais em função do número de artigos acumulados até o ano N. A técnica consiste em ajustar uma parábola aos dados disponíveis até 1990, como mostrado na Figura A2.

Os valores ajustados estão mostrados Figura A2 e os dados usados são os da média móvel, assim como foi feito na Figura 5.

Figura mostrando ajuste de uma parábola aos dados anuais em função dos dados acumulados
Figura A2: Aplicação da técnica de ajuste de uma parábola que indica N* = 237

Figura A2: Aplicação da técnica de ajuste de uma parábola que indica N* = 237

O ajuste usando a parábola é muito sensível aos últimos valores da série, o obtido até 1990 (237) está dentro do esperado. Como foi indicado na Tabela 1, o resultado, quando se usa dados até 1987 (432), é muito maior que o obtido com as outras técnicas. Isto pode ser atribuído à grande variação das projeções nos últimos anos quando consideramos o caso “até 1987”.

Enfim, na Figura A3, mostramos os resultados com a técnica de representar o valor de ΔN/N (valor anual / valor acumulado) em função de N e ajustar por eles uma reta.

A intersecção da reta com o eixo horizontal permite estimar o valor de N* ou para y = 0 x = -b/a

Ajuste linear para dados variação de dN / N
Figura A3: Técnica para estimar o valor de publicações total, o resultado encontrado é N* = 183

Como pode ser visto na Tabela 1 os valores das diferentes técnicas se aproximam muito, já a de 3 anos antes (1987) apresenta valores bem dispersos. De modo geral, no conjunto de casos que tratamos, observa-se que é necessário ultrapassar o ponto de inflexão dos valores acumulados, metade de N*, para que se tenha uma melhor aproximação da trajetória futura.

_______________________

[1]http://cesaremarchetti.altervista.org/?doing_wp_cron=1687219301.6809539794921875000000  

[2] A média móvel centrada é a média do valor do próprio ponto e os dois valores vizinhos.

Cesare Marchetti – Obituário

Foto de Cesare Marchetti

Cesare Marchetti 

  

O físico Cesare Marchetti faleceu em 16 de abril deste ano em Toscana, pouco antes de completar 96 anos tendo nascido em Lucca, Itália em 12 de maio de 1927. Ele ficou conhecido principalmente por seus trabalhos na área de tecnologias energéticas e análise de sistemas com aplicação de equações logísticas.

No ano de 1948, ele formou-se em Física pela Scuola Normale Superiore em Pisa e, em 1949, obteve uma bolsa de estudos no Instituto Niels Bohr em Copenhague.

Desenvolveu a descrição de fenômenos complexos em diversos ramos do conhecimento aplicando, muitas vezes, uma abordagem matemática simples, a partir das equações de Lotka-Volterra. Também se interessou pela análise de ciclos temporais associados a diversos fenômenos socioeconômicos, a maioria relacionados ao hemisfério ocidental.

No Brasil, o também físico José Israel Vargas[1] que manteve com ele profícuo diálogo, aplicou sua metodologia a vários casos, muitos deles envolvendo fenômenos brasileiros como consta em artigo seu no livro Science in Brazil editado pela Academia Brasileira de Ciências – ABC em 2002. A seu convite, Cesare Marchetti esteve no Brasil, no ano de 1986, em programa patrocinado pela IBM que incluiu palestras na Academia Brasileira de Ciências (09/11/1986) e em outras instituições governamentais e de pesquisa.

Muitos dos trabalhos do ex-ministro Vargas, aplicando a metodologia de Marchetti. como “A Prospectiva Tecnológica: Previsão com um Simples Modelo Matemático” (em 2004) foram publicados na Revista Economia Energia – E&E tendo como autores o próprio ex- ministro e outros colaboradores.

A partir de 1974, Marchetti trabalhou como analista de sistemas no IIASA – International Institute for Applied System Analysis, em Laxenburg, Áustria. Nos primeiros 10 anos dedicou particular atenção ao domínio da energia, alargando depois a área de investigação e aplicação da Análise de Sistemas em domínios muito diversificados como: inovação tecnológica, evolução dos sistemas económicos e sociais, dinâmica da população, sistemas de transporte, processos históricos, eventos bélicos, sistemas bancários, bem como os ciclos criativos de músicos, pintores e cientistas, a evolução dos limites do conhecimento e a dinâmica dos impérios e das religiões. Essas análises revelaram o papel fundamental das equações logísticas na descrição e previsão nessas áreas.

Ele ainda manteve seu relacionamento com o IIASA como pesquisador sênior, dividindo seu tempo entre Laxemburg e sua villa entre vinhedos e olivais nas colinas ao norte de Florença.

Antes de dedicar-se a estes temas Cesare Marchetti trabalhou na área energética com destaque para a área nuclear e de uso do hidrogênio.

Entre 1950 e 1955, em Milão, no Instituto CISE (Centro de Estudos de Informação Enel e Montecatini) foi pesquisador no campo da energia nuclear e estudou os métodos de produção de água pesada e colaborou com o Instituto de Bariloche na Argentina.

De 1956 a 1958 no Battelle Institute, em Genebra, trabalhou em química aplicada aos sistemas mecânicos de relógios e em particular em lubrificantes e fricção, tendo concebido um lubrificante gasoso selado no interior de relógios mecânicos.

Em 1958 foi chefe da Divisão de Físico-Química da empresa Agip Nucleare, com pesquisas aplicadas a sistemas de geração nuclear.

De 1959 a 1973, foi Diretor da Divisão de Materiais nos Centros de Pesquisa de Ispra (Itália) e Petten (Holanda), que fazem parte do Joint Research Center (JRC) da EURATOM. No início deste período (1959-60), passou dois anos no Canadá como representante da EURATOM para pesquisas sobre otimização de reatores nucleares.

Nesse ínterim, a partir de 1950, ele prestou vinte anos de consultoria à General Electric em Schenectady e Fairfield (EUA) para previsão e solução de problemas. Um desenvolvimento notável na GE foi a aplicação da tecnologia de turbinas a gás, já utilizadas como motores de aviões, para produzir eletricidade. Na versão aperfeiçoada por Marchetti, o rendimento subiu de 40 para 65%.

As curvas logísticas de Marchetti têm o perfil em esse alongado onde o crescimento de uma variável na natureza acaba encontrando um ponto de máximo. Um dos exemplos pelo qual ele ficou mais conhecido é a chamada Constante de Marchetti, que postula que a quantidade de tempo que o homem dedica, diariamente, para viagens é um pouco acima de uma hora, desde o início de sua existência e em todos os lugares. Assim o raio de crescimento das aglomerações humanas (hoje cidades) é determinado por esse tempo de deslocamento que antes era a distância que o homem percorria a pé e foi aumentando com a velocidade do transporte. Isto estaria antropologicamente enraizado no homo sapiens a partir dos perigos que ele enfrenta quando está fora de um ambiente protegido.

Entre seus achados estatísticos ele comentou com o professor Vargas que, como ele, tinha sempre as mãos frias e que isto estaria associado a uma frequência de batidas do coração abaixo da média. Haveria, como na maioria dos outros casos que estudou, um “nicho” a ser ocupado. No caso, haveria um limite no número total de batidas para o coração humano durante a vida. Ele prognosticava para os dois uma longa vida. Ele tinha razão, o que não se sabe é se isto incluía o item lucidez que ambos conservam ou conservaram.

Este obituário foi publicado pela Academia de Ciências do Brasil em julho de 2023

_______________________________

Nota: Grande parte das informações aqui incluídas estão disponíveis no “saite” do próprio Marchetti http://cesaremarchetti.altervista.org/

 

[1] J. I. Vargas é químico de formação, mas a maior parte de seus trabalhos acadêmicos foram na área de Física.

O Ciclo do Petróleo

Procução de petróleo no Brasil

Editorial do N° 108 E&E:

A descoberta do Pré-Sal despertou a esperança de que estaríamos iniciando, nesta terceira década do século 21, um novo ciclo de riqueza no Brasil, alavancado pelo petróleo.

Nosso sonho era que o ciclo de petróleo não seria como os demais ciclos econômicos de nossa História. Neles, na fase de ascensão, os excedentes gerados enriqueciam uns poucos e, na decadência, ficávamos expostos a um problema duplo: a queda nos excedentes e os problemas sociais da má distribuição de renda gerada no ciclo. Além disso, em quase todos os ciclos a maior parte da riqueza foi acumulada no exterior.

Um bom exemplo histórico é o do ciclo do ouro que durou todo o século dezoito. O uruguaio Eduardo Galeano sintetizou bem esse ciclo na frase: “O ouro brasileiro deixou buracos no Brasil, templos em Portugal e fábricas na Inglaterra.”

O nº 108 da Revista E&E pretende reabrir o debate sobre as perspectivas para o Ciclo de Petróleo no qual supostamente estamos ingressando. O modelo, concebido para a exploração do petróleo do Pré-Sal, foi exposto nesta revista em vários artigos.

Uma compilação do que publicamos está reunida no livro “O Pré-Sal e o desenvolvimento do Brasil: Rompendo as Amarras” disponível no site Brasil 2049. Este modelo influenciou o arcabouço legal construído para o Setor que, nesses anos de obscurantismo, vem sendo criminosamente desmontado.

Com o petróleo do Pré-Sal podia e ainda pode ser diferente. Esse petróleo de águas e solos profundos não é uma commoditie qualquer. Exige a montante e a jusante uma sofisticada tecnologia na qual a Petrobrás é internacionalmente reconhecida como pioneira. Na linguagem da indústria do petróleo, a Petrobras dominou as fases upstream, midstream e downstream ou seja, todas as fases da cadeia do petróleo.

Isso quer dizer que a empresa petrolífera brasileira domina o cerne da tecnologia. Com isso, é capaz de especificar suas necessidades a fornecedores aqui e no exterior e, quando necessário, de formar uma rede industrial local de fornecedores e sócios privados para atender suas necessidades. Para isso, conta também com excelente Centro de Pesquisa associado a redes tecnológicas universitárias.

Como exemplo dessa capacidade de mobilização, está a indústria da Construção Naval que teve uma fase de ouro com as encomendas realizadas a partir da exigência de conteúdo local e está hoje quase inteiramente ociosa.

Na exploração do pré-sal estávamos diante de dois modelos: o da Noruega e o da Holanda. No primeiro país, a exploração do petróleo serviu de base para instalar uma indústria petrolífera pujante, sob a liderança da estatal Statoiol (hoje Equinor). Na expansão da extração a preferência foi dada para empresa nacional. A Equinor hoje exerce atividade mundial, inclusive no Brasil. No segundo, o afluxo de divisas tornou não competitiva a produção local e provocou uma crise social. Terminada a entrada de recursos oriundos do petróleo, a Holanda se viu mais pobre que antes. Imaginávamos que o Brasil seria a Noruega dos trópicos. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a Nigéria e outros países, beneficiados com excelentes reservas, tomavam o caminho contrário, radicalizando a “doença holandesa”.

De 2015 para cá, demos passos catastróficos para anular esse sonho que parece estar acabando justamente quando o petróleo do pré-sal já é uma realidade e domina a produção nacional. Esse petróleo, que ainda pode ser nosso, é um definitivo caminho para romper as amarras para o desenvolvimento.

O Petróleo e a Eletricidade foram energias, em torno das quais se uniram todas as forças da brasilidade, civil e militar e os capitais públicos e privados.

Através das empresas mistas Petrobras e Eletrobras, o Brasil alcançou o domínio de toda a cadeia produtiva do Petróleo e Gás e estabeleceu a maior rede mundial integrada de energia elétrica. Na verdade, Petrobras e Eletrobras foram pontes que atravessaram, em trajetória surpreendente e quase inexplicável, a rota que começou com Vargas, se consolidou no Regime Militar, chegando até tempos mais democráticos, consagrada na Constituição de 1988.

Nestes tempos difíceis, a brasilidade ainda resiste à obscuridade e aos que querem entregar por uma ninharia o controle do patrimônio construído com nosso capital a não residentes e até estatais de outros países.

Lá se vão, ardilosamente, pedaços da Petrobras. Já a Eletrobras, está por pouco de ser varrida da história nacional. Em ambos os casos, deixando lugar a monopólios ou oligopólios que tendem a ficar sob controle de não residentes.

Só em torno da brasilidade podemos reunir de novo os brasileiros que, nascidos aqui ou não, escolheram construir aqui sua vida, família e residência.

Carlos Feu Alvim

Nota da revisão deste número da E&E em Abril de 2023:

Esta apresentação teve como ponto de partida palestra sobre o ciclo do petróleo apresentada no “Webinário” do Cembra – Centro de Excelência para o Mar Brasileiro em 18 de março de 2021 como preparação para a 3ª Edição do livro Brasil e o Mar no Século XXI. Nossa intenção é apresentar uma versão completa e ampliada de toda a palestra. Outros pontos deverão ser aprofundados em próximos artigos.

Vídeo Cembra Energia nos oceanos: https://www.youtube.com/watch?v=ce43-jG7FbU&t=10997s

Carlos Feu Alvim

Livro disponível na internet:
O Pré-Sal e o desenvolvimento do Brasil:
Rompendo as Amarras

José Fantine e Carlos Feu Alvim
https://brasil2049.com/o-pre-sal-e-o-desenvolvimento-do-brasil/

 

Livro: Poder Econômico via Contabilidade

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Apresentação

Carlos Feu Alvim é físico, mestre em ciências técnicas nucleares, doutor em Física pela Universidade de Grenoble, professor e autor de diversos artigos sobre planejamento estratégico.

Com a participação das eminentes pesquisadoras Olga Mafra, Patricia Sena e Mirian Lepsch, levanta, com detalhes e extrema argúcia, intrigante problema que evoluiu da Economia para a Contabilidade.

Dispositivos fixados principalmente pelo FMI alteraram, de modo substancial, os critérios para a fixação das contas nacionais e do balanço de pagamentos – os dois, de resto, muito danosos para o País.

Evidentes e sutis artifícios contábeis, no sentido de transferir lucros e exportações para o PIB de países de empresas não-residentes, fazem com que o Brasil tenha automática e vertiginosa redução do PIB e do saldo comercial. E, claro, imenso aumento da dívida externa.

Esses nefastos critérios afetam o conceito de Território Econômico e, em decorrência, da Segurança Nacional.

O quadro altamente prejudicial ao Brasil merece cuidadosa, completa e profunda análise pelas autoridades governantes do País, sobretudo nas áreas da Defesa, Economia e Relações Exteriores.

Almirante de Esquadra Marcos Augusto Leal de Azevedo
Almirante de Esquadra (Ref.), Coordenador Executivo do Cembra,
ex Ministro do Superemo Tribunal Militar

Autores:

Patrícia J. Sena Martins

Contadora, Empresária e
Conselheira do Conselho Regional de Contabilidade CRC-RJ

Foto MiriamMiriam Assunção de S. Lepesch

Doutora em Ciências Empresariais, Contadora e
Professora Adjunta da UFF

Olga Mafra

Doutora e Mestre pela EPUSP
Redatora E&E

Foto Carlos Feu

Carlos Feu Alvim (Coordenador)

Doutor em Física e
Diretor da Revista E&E

Currículos dos Autores

Patrícia J. Sena Martins

Patrícia Januário de Sena Lemos Martins  
CRC-RJ: 076125/O-0

Bacharel em Ciências Contábeis pela Moraes Jr., Perita Judicial, Coach,  Empresária, atua há 30 anos na área Fisco-Tributária; Foi Diretora do SESCON-RJ (2012 a 2018), Agente de Desenvolvimento do CGSN (2011-2013); Fundadora da ANALITICA DO BRASIL CONTADORES e IPS BRASIL – INSTITUTO DE EDUCACAO EXECUTIVA; CEO da CEU-UP Consultoria, E-Tech Brasil Inovações Tecnológicas e do GROUP ADB Inc., CO-Founder do GROUP ADB International, LLC., Conselheira do CRC-RJ; Diretora na ADESG-RJ e AED-RJ.           patricia.sena@analiticadobrasil.com.br

Mirian Assunção de S. Lepsch

Miriam Assunção de Souza Lepesch

Doutora em Ciências Empresariais-Universidad del Museo Argentino-UMSA-AR, Especialista-GQT-ênfase Administração Pública-Universidade Federal Fluminense-UFF, graduada em Ciências Contábeis – Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Professora Adjunta da UFF. Foi Vice-Diretora-Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Diretora-Presidente-Fundação Euclides da Cunha de Apoio à UFF, Pró-Reitora de Planejamento e Diretora de Contabilidade e Finanças. maslepsch@id.uff.br

Olga Mafra

Olga Yajgunovitch Mafra Guidicini
Doutora e Mestre pela EPUSP, Bacharel e Licenciada pelo IFUSP, Assistente Doutor concursada do IFUSP, Pesquisadora e Professora do IPEN, IFUSP, IME, CNEN (Programa Autônomo e área de Segurança Nuclear). Oficial de Operações e de Apoio Técnico da ABACC, autora de livros e artigos, na área nuclear, de emissões causadoras de efeito estufa, planejamento energética e desenvolvimento econômico. Atualmente, sócia da ECEN Consultoria, e participante da equipe da revista Economia e Energia – E&E e da Diretoria da ABEN. olga@ecen.com

Carlos Feu Alvim

Carlos Augusto Feu Alvim da Silva
Doutor de Estado em Física pela Universidade de Grenoble França; Mestre e Bacharel pela UFMG. É Diretor da ECEN Consultoria e da Revista Economia e Energia – E&E e membro do CEMBRA e ADESG. Foi Secretário e Adjunto da ABACC, Sub Secretário da STI/MIC, Pesquisador do CDTN, IEN, ICEX, CETEC, consultor da COPPETEC, ocupou posições técnicas e diretivas na Comissão Nacional de Energia e Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da República, professor dos cursos de Graduação e Mestrado da UFMG e orientador de monografias; autor de livros, trabalhos técnicos nas áreas de planejamento energético, crescimento econômico, produtividade de capital e efeito estufa. carlos.feu@ecen.com

Acompanhamento e Projeção de óbitos pela Covid 19 no Brasil

 

Economia e Energia  

Nº 106, janeiro a junho de 2020
ISSN 1518-2932 Disponível em: http://ecen.com  
(números anteriores) http://ecen.com

ACOMPANHAMENTO E PROJEÇÃO DE ÓBITOS PELA COVID NO BRASIL 
Redação Preliminar em Discussão E&E 106

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Palavra do Editor

Razões para a divulgação desse Acompanhamento

Um conhecimento só é realmente útil quando possibilita uma “previsão” do futuro.

Prever o futuro no curto e médio prazo é uma tarefa ingrata porque os pretensos profetas serão punidos também no curto e médio prazo.

Cientes desse risco, resolvemos, mesmo assim, ir divulgando os resultados parciais de nossas projeções e questões na esperança que eles possam ser úteis.

Na realidade, como não se sabe o comportamento que será adotado por governos e cidadãos quanto ao isolamento social, não podemos ter uma ideia precisa do que acontecerá. O que a metodologia realmente fornece é uma ideia para onde estamos indo. Para onde realmente vamos é uma questão onde todos somos os protagonistas, conscientes ou não disto.

Ou seja, os autores deste trabalho já temos a desculpa padrão para nossas prováveis falhas.

Acreditamos que o exame dos dados por diferentes ângulos, mesmo por pessoas treinadas no uso das estatísticas, mas sem conhecimento específico do problema médicos, pode ser útil aos especialistas e a população interessada para compreender as possibilidades e os riscos envolvidos. 

Estamos apresentando, nessa versão preliminar, os resultados comentados para o Rio de Janeiro e Brasil. Temos os mesmos dados disponíveis para as 5 Macrorregiões e para os estados.  Nosso objetivo é de irmos aprofundando e corrigindo dados e observações ao longo da pandemia. Estamos naturalmente abertos a colaborações externas e ao debate,

Carlos Feu Alvim

Texto e dados em discussão, redação preliminar de 12/06/2020

COVID 19

Abordagem logística da propagação do Novo Coronavirus

Carlos Feu Alvim, Olga Mafra e José Israel Vargas

O tratamento logístico foi aplicado por Cesare Marchetti[1] a inúmeros sistemas sociais e econômicos e tecnológicos. No Brasil, o professor José Israel Vargas o aplicou também a diversos sistemas, com ênfase em casos brasileiros.

Aqui mesmo, já aplicamos esse ajuste para vários casos e o assunto já foi tratado no número zero dessa revista,[2] em artigo de Omar Campos Ferreira, e uma visão completa sobre a metodologia está no exemplar de número 45 da E&E, em artigo de José Israel Vargas “Prospectiva Tecnológica, Previsão com um Simples Modelo Matemático”[3].

A metodologia, que nasceu na análise de Volterra e Lotka de sistemas de competição biológica, pode ser aplicada à Covid 19 que está se colocando como a maior pandemia desde a gripe espanhola, ocorrida há praticamente um século (1918 a 1920).

Fundamentalmente, essa metodologia se baseia em um modelo no qual a taxa de infecção em uma população depende do número de infectados N e do número dos que restam a infectar (N*-N) sendo N* o número final de atingidos, denominado de nicho. Matematicamente isso se traduz na equação na qual, ao longo do tempo o número de contaminados será proporcional ao produto de um termo crescente N e outro decrescente
N*-N.

T = dN/dt = a.N.(N*-N) ou

T = a.N*.N – a.N2       (1)

Onde dN/dt pode ser associado ao número de novos infectados (variação de N) por unidade de tempo (tomada aqui como um dia).  É fácil mostrar que o valor máximo da taxa de contaminações acontecerá quando N = N*/2. Na equação de T reconhecemos a equação de uma curva de segundo grau do tipo  
               [y = a1.x – a2.x2],     
mais precisamente, uma parábola. Um ajuste pelo método de mínimos quadrados nos permite estimar o número final de infectados N*; ao atingir metade desse nicho estaremos no máximo de contaminações por dia.

Supondo que o número de óbitos seja uma fração fixa do número de atingidos, o mesmo tipo de equação pode ser usado nos dois casos, tomando dados parciais disponíveis para estimar a quantidade de infeções ou de óbitos finais. Como o número de óbitos tende a ser mais bem avaliado, procuramos nos concentrar aqui nesses dados.

Um problema prático, no caso, é que as políticas de distanciamento social reduzem o tamanho deste nicho. Se essa política é mudada, o nicho também muda de tamanho. Outro problema, no caso do Brasil que tem dimensões continentais, é que a epidemia vai se difundindo aos poucos pelo País e alcança cada município e até cada bairro em diferentes datas. Outro problema prático é a necessidade de uma população relativamente grande para que o tratamento estatístico faça sentido. Nossa escolha foi tratar os dados em três níveis: país região e estados.

Da resolução da equação diferencial dN/dt = a.N.(N-N*) resulta a equação:

F = N/N* = 1/(1+ e(-at-b))                    (2)

Onde F é a fração do “nicho” ocupado e a função encontrada é da chamada curva em S, denominada de logística.

Tomando-se o logaritmo neperiano da equação encontra-se

Ln(F/(1-F)) = a.t + b              (3)

Essa equação facilita estimar os coeficientes a e b da função logística ajustando uma reta nos valores de Ln(F/(1-F))

Aplicação da metodologia aos números do Estado do Rio de Janeiro

Os dados, fornecidos pelo MS – Ministério da Saúde, para o Rio de Janeiro são aqui apresentados como exemplo de aplicação da metodologia. Eles se referem ao número de pessoas infectadas e no de óbitos registrados, em consequência da Covid 19. Como já mencionamos, preferimos concentrar a análise nos dados de óbitos, não obstante o retardo implícito das ocorrências e seu registro em relação à data de contaminação.

Ver e baixar arquivo E&E 106 parcial

Aplicação da metodologia aos números do Brasil

A aplicação da metodologia tem suas limitações em um país das dimensões do Brasil onde existem, vários sistemas em ambientes diferentes com uma grande variação de latitude, clima e ocupação do espaço físico.

Ver e baixar arquivo E&E 106 parcial

[1] Cesare Marchetti. Society as a learning system. Technological Forecasting and Social Change, 18:267-282, 1980

[2] https://ecen.com/eee0/eeezero.pdf

[3] http://w.ecen.com/eee45/eee45p/prospeccao_tecnologica.htm

[4] Média quadrática dos desvios relativos

[5] Naturalmente, os últimos três dados ainda estariam sujeitos às variações semanais porque média é centrada (o próprio dia e três anteriores e três posteriores); assim os três últimos dados é feita a correção da “semanalidade” .

[6] O Ministério da Saúde – MS tem divulgados os dados por 100 mil habitantes. No caso, preferimos adotar as mortes por milhão de habitantes que favorecem a comparação diária e não dificultam a acumulada.

[7] J.C. Fisher and R.H. Pry. A simple substitution model of technological change; Technological Forecasting and Social Change, 3:75-88, 1971. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0040162571800057

É CEM

É CEM

Este é o centésimo exemplar da revista Economia e Energia – E&E. Em dezembro de 1996, lançamos na internet nosso número zero[1] da fase internet que foi transcrita na forma impressa posteriormente adotada. Nossa proposta foi “trazer para o debate dos temas vinculados a seu título (Economia e Energia) uma visão de médio prazo, ancorada no comportamento histórico de variáveis, mas atenta às novas tendências globais. Ousaremos apresentar, a cada número, projeções sobre o comportamento futuro de algumas variáveis”. Isto é, basicamente, o que continuamos a fazer.

Nosso primeiro número apresentava os seguintes temas e autores: Apresentação: e&e o que é e a que veio, A Produtividade do Capital: Carlos Feu Alvim;  Brasil e a Mudança do Clima: José D. G. Miguez; Exaustão do Petróleo: Omar Campos Ferreira; Equilíbrio Instável: Genserico Encarnação Jr; O Capital Nacional: Carlos Feu Alvim.

Omar Campos Ferreira (1931-2013) e Frida Eidelman (1941-2016), já nos deixaram e deram uma preciosa contribuição à Revista que, no que se refere a artigos, está preservada em sua íntegra na internet.

 Nossa colega e amiga Frida Eidelman que integrou a equipe desde o início, possibilitou a publicação em inglês de todos os artigos durante muitos anos. Na ocasião de seu falecimento, estávamos no único período em que foi interrompida a edição da Revista. Reflexo, em parte, da falta que ela já estava fazendo. Com isso ficamos devendo a ela uma homenagem a exemplo da que pudemos fazer com o Omar.

Frida Eidelman aliava um profundo conhecimento de humanidades, que incluía um apurado conhecimento de línguas, a uma formação sólida em matemática e em ciências nucleares. Foi exemplo para nós de atitude construtiva e de cordialidade, qualidades que contribuíram muito para cativar toda a equipe.

Nos últimos anos, foi exemplo de coragem e otimismo frente a terríveis dificuldades de saúde. Depois de uma complicada cirurgia, que permitiu a consciência da gravidade do seu caso, encontrou ânimo para ainda viajar ao exterior com um grupo de amigos que ela sempre soube cultivar.  Amigos que soube manter, em várias partes do mundo.

Levava muito a sério os assuntos religiosos, mas era capaz de conversar e compreender as posições de outras religiões e dos que não as tinham. Conseguiu com isso, certamente contando com a reciprocidade da tolerância que ela inspirava, sendo israelita, ter afilhado cristão.

Neste número cem, prestamos a ela essa singela homenagem. Sua natureza radiante, cotidianamente relembrada, segue iluminando sua falta.

[1] Número Zero: http://ecen.com/eee0/eeezero.pdf
Número Um: http://ecen.com/content/eee1/frprinci.htm

 

Agentes Envolvidos na Construção de uma Usina Nuclear

Ensaio:

Agentes Envolvidos na Construção de uma Usina Nuclear

Leonam dos Santos Guimarães

Resumo

A retomada de Angra 3 e a expansão futura do parque nuclear brasileiro possivelmente serão concretizadas com parceria externa. Para descrever os potenciais modelos de negócio para usinas nucleares, é útil aclarar a terminologia usada, pela  indústria nucleoelétrica.  Apresentam-se, resumidamente, os termos utilizados para descrever   os vários agentes importantes no processo de implantação de uma nova usina nuclear, que são: Proprietário, Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E), Construtor, Fornecedor do Sistema Nuclear de Geração de Vapor, Fornecedor do Turbo-Gerador elétrico, Operador, Regulador e Financiador.

Palavras Chave:

Angra 3,  indústria nuclear,   geração de eletricidade , Eletronuclear,  energia nuclear, Central de Angra


1. Introdução

As discussões sobre a retomada de Angra 3 e expansão futura do parque nuclear brasileiro muitas vezes não são muito claras quando se trata da terminologia usada para descrever os potenciais modelos de negócio para usinas nucleares. Tentando preencher esta lacuna, apresentaremos aqui resumidamente os termos utilizados pela indústria nucleoelétrica para descrever os vários agentes importantes no processo de implantação de uma nova usina nuclear, que são:

  • Proprietário
  • Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E)
  • Construtor
  • Fornecedor do Sistema Nuclear de Geração de Vapor
  • Fornecedor do Turbo-Gerador elétrico
  • Operador
  • Regulador
  • Financiador

Figura 1: Central Nuclear de Krsko, Eslovênia – 1 única unidade

Esta seria uma usina nuclear (Nuclear Power Plant – NPP ou Nuclear Power Station – NPS), com uma única unidade (no caso Krsko, na Eslovênia, “gêmea” de Angra 1). Em algumas partes do mundo, o termo “bloco de energia” (Power Block) ou simplesmente “bloco” (block) é sinônimo da palavra “unidade”, ou seja, uma combinação de “Sistema Nuclear de Geração de Vapor” (Nuclear Steam Supply System – NSSS ou N3S), do qual um reator nuclear é a fonte de calor, e seu Sistema de Geração Termelétrica, centrado no turbo-gerador (Balance of Plant – BoP). Uma central nuclear é um conjunto de usinas nucleares. No mundo hoje temos centrais de uma a oito unidades (Figuras 1 e 2).

Figura 2: Central Nuclear de Kashiwazaki Kariwa, Japão – 8 unidades.

2. O Triângulo da Construção

Podemos chamar de “triângulo da construção” à tríade de organizações composta pelo proprietário (Owner) da usina nuclear, por seu Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer – A&E) e pelo seu Construtor (Constructor).

Proprietário (Owner): Esta parte do triângulo da construção é óbvia, sendo a empresa de serviços públicos (utility) que está comprando a usina nuclear. Esta empresa tem que fornecer o terreno para localização da usina, pagar para tê-la construída, operá-la e conectá-la à rede elétrica nacional. Os proprietários de centrais nucleares podem ser empresas individuais ou grupos de empresas que atuem em conjunto, seja como sócios, seja como empresas separadas e autônomas com propriedade conjunta (em qualquer um dos acordos, distribuem-se os custos). Os proprietários geralmente tomam a decisão de que precisam de mais capacidade de geração, em primeiro lugar, e então realizam estudos para determinar qual a melhor alternativa para obter essa energia nova. Se os estudos mostram que uma usina nuclear é a melhor opção, então um processo é iniciado envolvendo outros agentes.

No caso de Angra 1 e início da construção de Angra 2, o Proprietário foi FURNAS. No caso da conclusão de Angra 2, o Proprietário foi a ELETRONUCLEAR, nascida da fusão da parte nuclear de FURNAS com a NUCLEN, empresa criada dentro da controladora NUCLEBRÁS para exercer o segundo lado do triângulo, o do Arquiteto – Projetista.

Arquiteto – Projetista (Architect – Engineer A&E): Esta é a empresa responsável pelo projeto da usina na sua totalidade. Na maioria dos casos, uma vez que um proprietário tomou a decisão de construir uma usina nuclear, ele contrata um A&E para conduzir o projeto. O A&E pode ou não ajudar o Proprietário na seleção de uma determinada tecnologia nuclear. Uma vez que o Sistema Nuclear de Geração de Vapor (Nuclear Steam Supply System – NSSS ou N3S) e outros detalhes foram especificados, o A&E projeta a usina como um todo. Isto incluirá, inevitavelmente, milhares de páginas de documentação técnica. Essa documentação corresponderá às especificações fornecidas tanto pelo fornecedor do N3S quanto pelo Proprietário para o projeto da usina em particular. O A&E precisa analisar, por exemplo, se um projeto em particular incluiria uma torre de resfriamento, ou seria o caso de usar diretamente um rio ou mesmo o mar. O trabalho do A&E está também associado ao gerenciamento da construção, terceiro lado do triângulo.

No caso de Angra 1, o A&E foi a empresa americana Gibbs & Hill. No caso de Angra 2, o A&E foi a NUCLEN. O gerenciamento da construção ficou ao cargo da NUCON, outra empresa controlada pela NUCLEBRÁS, extinta em 1988. Ambas foram sucedidas pela ELETRONUCLEAR. No caso de Angra 3, o A&E atualmente é a ELETRONUCLEAR.

Construtor: Esta é a empresa que constrói ou supervisiona a construção da usina nuclear. Normalmente, o construtor contrata dezenas de subcontratados para executar os trabalhos de lançamento de concreto, montagem de tubulações, instalação do cabeamento elétrico e de instrumentação e controle, etc. O Construtor constrói de acordo com a documentação técnica fornecida pelo A&E e age com base na paulatina disponibilidade dos componentes necessários para a instalação. Grandes problemas podem ser causados por um construtor que trabalha antes de receber a documentação final de projeto, apenas para verificar, depois que os desenhos finais chegam, que parte do trabalho foi feito de forma não conforme. Isso leva a ter que desfazer e refazer o trabalho. Em outras vezes, o próprio trabalho em si pode ter sido feito de forma errônea e isso ser identificado pelo controle de qualidade, o que leva também a desfazer e refazer o trabalho. Naturalmente, a entrega tardia de desenhos e especificações do A&E também levará a um atraso significativo.

No caso de Angra 2, e também de Angra 3, a ELETRONUCLEAR também desempenha o papel de Construtor, pois as obras civis e a montagem eletromecânica são contratadas em separado. 

3. Outros agentes importantes

Fornecedor do N3S: Esse em geral é o mais conhecido: Westinghouse – Toshiba, Framatome (ex-AREVA), GE – Hitachi, Rosatom, Mitsubishi, ATMEA, CNNC, etc. É a empresa que realmente projeta e fabrica o próprio reator nuclear e od demais componentes do Sistema Nuclear de Geração de Vapor – N3S a ele ligados. O N3S é montado dentro do edifício de contenção e tem muitas interfaces com o restante da usina. As duas interfaces mais importantes são o vapor que ele envia através de tubulações, que é utilizado para acionamento do turbo-gerador, e a água condensada que volta para o N3S para ser novamente transformada em vapor. Por mais importante que seja o N3S, seu fornecedor não é a entidade que define o projeto geral da usina, pois isso é da responsabilidade do A&E e do proprietário. Ao longo do tempo, tem havido uma tendência crescente para padronizar e multiplicar usinas de um local para o outro. Esta é a norma hoje em dia, de modo que é apropriado falar sobre um projeto particular em termos do próprio projeto do reator. No entanto, nos “velhos tempos”, o discurso geral não era de que uma usina fosse uma “Usina Westinghouse”, mas sim uma “Usina Bechtel” ou uma “Usina Stone & Webster”, para citar exemplos americanos, porque estas empresas de A&E definiam o projeto geral da usina em que um N3S e muitos outros componentes a ele integrados.

Em Angra 1 o fornecedor do N3S foi a Westinghouse. Em Angra 2 foi a Siemens – KWU. Em Angra 3 é a FRAMATOME (ex-AREVA), que adquiriu a Siemens – KWU.

Fornecedor do Turbo-Gerador: Poucos fornecedores no mundo são capazes de fabricar os turbo-geradores de grande porte associados às usinas nucleares, com potência superior a 1.000 MW. É uma lista curta, que inclui Alston, Mitsubishi, Siemens, GE, além de empresas russas e chinesas. Como cada equipamento deste tipo é feito sob encomenda, é possível combinar-se diferentes fornecedores de turbo-geradores com diferentes fornecedores de N3S.

O fornecedor do turbo-gerador de Angra 1 foi a Westinghouse e o de Angra 2 foi a Siemens. O turbo-gerador de Angra 3 também é Siemens.

Operador: Em geral, o Proprietário se confunde com o Operador. Entretanto, existem modelos modernos em que esses dois atores podem ser distintos. Por exemplo, na Espanha, as grandes empresas de geração elétrica, IBERDROLA e ENDESA, criaram empresas exclusivamente para operação de suas usinas nucleares com as quais mantêm contratos de gestão associados a transferências orçamentárias (caso da ANAV, que opera três usinas: Ascó 1 e 2 e Vandellós 2). Neste caso, o Operador tem a obrigação de entregar toda eletricidade gerada ao Proprietário, que se incumbe de sua comercialização. O Operador é uma empresa que não gera lucro e funciona com base num orçamento transferido pelo Proprietário. Note-se ainda que o Operador é o requerente das licenças nuclear e ambiental da usina, sendo responsável pela segurança operacional da mesma.

Regulador: O regulador é o órgão oficial de uma nação encarregado de garantir a segurança das usinas nucleares. Muitas palavras foram escritas sobre os reguladores, mas para o propósito desta discussão apenas diremos que as inspeções do regulador no projeto e construção de uma usina nuclear são frequentes e que ele tem autoridade para interromper os trabalhos e impor mudanças no projeto e construção. Alterações na regulamentação técnica enquanto uma usina está em construção podem contribuir com um atraso significativo, se o regulador exigir mudanças em trabalhos já concluídos.

Financiador: Obviamente, para que os agentes envolvidos na construção da usina executem as tarefas sob sua responsabilidade torna-se necessário um financiamento. Normalmente, o tomador desse financiamento é o Proprietário, que também aporta uma parcela de recursos como equity. O pagamento do serviço da dívida e da amortização do principal financiado como debt é feito com parte da receita auferida com a venda de energia, cujo preço deverá ser compatível com essa obrigação, a qual se adiciona aos custos operacionais propriamente ditos. No arranjo convencional, o Proprietário é uma única empresa elétrica (utility), que obtem o financiamento junto a instituições de crédito. Como a construção de uma usina nuclear é um empreendimento intensivo em capital e de longo prazo de maturação, novos arranjos de financiamento têm sido propostos e alguns deles efetivamente praticados.

A Tabela 1 resume a atuação dos diversos agentes para as usinas de Angra 1, Angra 2 (duas fases) e a Angra 3 na primeira fase.

Tabela 1: Agentes envolvidos na construção das usinas nucleares brasileiras:

 

ANGRA 1

ANGRA 2
(INÍCIO)

ANGRA 2
(CONCLU-SÃO)

ANGRA 3
(INÍCIO)

Proprietário

FURNAS

FURNAS

ETN*

ETN

A&E

GIBBS & HILL

NUCLEN

ETN

ETN

Construtor

FURNAS

NUCON

ETN

ETN

Fornecedor do NSSS

WESTING-HOUSE

KWU

KWU

AREVA

Fornecedor do TG

WESTING-HOUSE

SIEMENS

SIEMENS

SIEMENS

Operador

FURNAS

FURNAS

ETN

ETN

Regulador

CNEN

CNEN

CNEN / IBAMA

CNEN / IBAMA

(*) ETN: Eletrobras Eletronuclear

Informativo do Cembra 2017

O Centro de Excelência para o Mar Brasileiro – Cembra é referência em assuntos relacionados ao chamado Território Marítimo Brasileiro também referido como o Mar Brasileiro que diz respeito à região oceânica onde o Brasil detém direitos de soberania ou jurisdição, conforme estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. A Marinha do Brasil tem se referido a esse espaço como “Amazônia Azul” que relembra sua grandeza e importância estratégica. O termo tem também o mérito de nos chamar a atenção para  sua vulnerabilidade e necessidade de defesa.

O propósito essencial do Cembra é o de atender a anseios do País e da sociedade brasileira ligados ao seu desenvolvimento sócio-econômico e científico-tecnológico, alcançando e mantendo a vanguarda em campos escolhidos do conhecimento e da exploração ligados ao Mar Brasileiro.

Dentro desse propósito lançou a segunda edição do Livro O Brasil e o Mar no Século XXI que vem sendo atualizada em sua versão virtual

Esse trabalho se complementa com a edição periódica do Informativo do Cembra que passa a ser uma referência dessa importante parte de nosso Território Econômico.

O conceito de Território Econômico, vem sendo discutido nos últimos números de nossa revista e inclui, na metodologia atual das Contas Nacionais e do Balanço de Pagamentos, nosso território físico, nosso mar (o Mar Brasileiro), nosso espaço aéreo, menos “enclaves” econômicos de diversas naturezas.

O informativo do Cembra é um instrumento importante para os aspectos tecnológico-científicos relacionados com nossas águas territoriais que é também de grande importância econômica sendo, por exemplo, o depositário da quase totalidade do petróleo e gás natural brasileiros. O quinto número, bem como os anteriores estão disponíveis no site cembra.org.br  .

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Esta é a Edição no Brasil da Revista Economia e Energia. Já trouxemos para este site todos os exemplares na forma pdf que estão disponíveis na aba Números Anteriores. As antigas edições e matérias complementares estão disponíveis, bem como números anteriores  em Inglês (vários números), em http://ecen.com

A Revista E&E vem sendo editada há mais de 20 anos e busca apresentar estudos e reflexões sobre os temas Energia e Economia e, sobretudo, sobre a estreita ligação entre essas duas áreas de conhecimento. Na fase anterior, foram editados mais de noventa números na internet e na forma impressa.

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Carlos Feu Alvim

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