Parcerias no Setor Nuclear Brasileiro: Condições de Contorno

Artigo:               

CONDIÇÕES DE CONTORNO PARA
PARCERIAS NO SETOR NUCLEAR BRASILEIRO

Carlos Feu Alvim e Olga Mafra
feu@ecen.com e olga@ecen.com

Resumo

A maior participação do capital privado na área nuclear se inscreve dentro da tentativa geral de levantar os obstáculos para o desenvolvimento na área.

Como se trata de uma área reconhecidamente estratégica, por razões que são enumeradas no trabalho, tem-se que definir os limites do que é estratégico e até onde vai a participação do Estado

Palavras Chave

Angra 3, balanço de pagamento, contas nacionais, monopólio nuclear, parcerias,  RMB, radiofármacos, setor nuclear, área estratégica.

_______________________________

 

 1.   Introdução

O tema Modelos de Parcerias no Setor Nuclear Brasileiro foi sugerido aos autores pelos organizadores do SIEN 2018[1] onde foi feita uma apresentação a respeito. A proposta deste artigo foi abordar o assunto através das condições de contorno existentes para essas parcerias no Brasil atual.

As parcerias surgem como uma maneira de renovar o ambiente institucional, no quadro atualmente existente no Brasil, onde existe o monopólio estatal sobre a maior parte das atividades nucleares. Esse monopólio pode ser, desde já, considerado uma das condições de contorno a ser discutida.

A consideração inicial que se faz é que essa abertura a parcerias pode ser encarada positivamente como uma oportunidade de suavizar o monopólio para mantê-lo em seus aspectos essenciais ou, negativamente, como uma forma de enfraquecer o monopólio e até mesmo para eliminar o uso energético nuclear no País como já fizeram alguns países.

Parte-se aqui do princípio de que o domínio da tecnologia nuclear tem um caráter estratégico e é propósito nacional manter a atividade existente e preservar os desenvolvimentos já alcançados. Para que um país alcance sucesso, em qualquer atividade de importância estratégica de longo prazo, é necessário uma Política de Estado.

Na área nuclear, isto é evidente porque os projetos nucleares de qualquer natureza forçosamente ultrapassam os períodos de um ou dois mandatos presidenciais. São exemplos a construção de reatores para geração de energia, construção de submarinos nucleares, construção de instalações de qualquer etapa do ciclo do combustível nuclear e a construção de reator de teste de materiais e produção de radioisótopos.

Uma Política Nuclear precisa ter durabilidade e isto só é possível se ela for um reflexo da vontade nacional, portanto ela necessita de um consenso nacional o que significa uma aprovação ampla, embora não obrigatoriamente uma unanimidade. Um significativo progresso foi realizado, no final desse governo através do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro – CDPNB (Brasil, GSI/PR, 2018) que aprovou uma Política Nuclear Brasileira que esta à espera de aprovação do Presidente da República.

No Brasil, a presença do Estado nas atividades nucleares é indispensável pela própria natureza dessas atividades. Tomando o caso mais evidente, seria impossível de se imaginar, por exemplo, transferir instalações de enriquecimento usando um processo de privatização por licitação, por mais que existam interessados.

Não que isso não seja possível em outras sociedades; os EUA optaram por ter instalações de enriquecimento por ultra -centrifugação, construídas através de capitais externos, em seu território. Lá isto é possível pelo amplo Domínio do Estado sobre toda a atividade privada na área.

No Brasil Isto significaria transmitir para particulares uma tecnologia cujo derivativo pode estar associado à produção de uma arma nuclear. No caso da venda para outros países isso significaria abrir mão do esforço realizado para vencer dificuldades, dos mais variados tipos, para desenvolver o ciclo do combustível nuclear. Vale lembrar que a transferência de tecnologia nessa área nos foi vetada e o esforço teve que ser realizado com tecnologia própria.

Um progresso na área de desestatização ocorreu através da Emenda Constitucional nº 49, de 2006 (Brasil , 2016) que autorizou a iniciativa privada, sob o regime de permissão, a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas para uso médico.

Está em discussão, entre outros assuntos, no âmbito da CDPNB a maior flexibilização da comercialização e utilização de radioisótopos de maior vida média em pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais (Anexo 1).

Portanto, dependendo da área do setor nuclear em questão, pode haver ou não, interesse do País em estabelecer parcerias internas ou externas com empresas ou instituições, publicas ou privadas, sempre que mantido o controle e supervisão governamental.

2.   O Caráter Estratégico da Energia Nuclear

A questão nuclear lida com macro-objetivos nacionais. Por essa razão, esse assunto é considerado como estratégico no Brasil e em todos os grandes países do mundo sem exceção. Ou seja, a primeira “condição de contorno” da questão nuclear é que este é um assunto estreitamente ligado aos macro-objetivos nacionais.

2.1 Macro-objetivos Nacionais Ligados ao Setor Nuclear

Deve-se lembrar, primeiramente, que os objetivos que levaram ao Monopólio Nuclear (no início da década de 60 e que aos poucos foi sendo modificado) não são mais os mesmos da época do estabelecimento do monopólio. (Artigo 177 da Constituição de 88 e Art. 21 Competência).

Na época, o Brasil ainda não renunciara à posse de explosivos nucleares bélicos o que só veio a fazer por dispositivo constitucional de 1988. Também somente em 1992, com o Acordo Bilateral com a Argentina, os países renunciaram de uma forma abrangente aos explosivos nucleares, mesmo pacíficos, aceitando, em seguida, através do Acordo Quadripartito, as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica em conjunto com a ABACC.

Por outro lado, a defesa do país frente a uma ameaça de agressão nuclear segue sendo premissa de todas as nações, mas ela só se efetiva formalmente quando claramente configurada a ameaça. Defesa nuclear própria ou através de aliados são os recursos genericamente utilizados nas regiões onde a ameaça é bem definida. Há um consenso muito amplo de que nossa região (América Latina e Caribe) não esteve nem está diretamente ameaçada por armas nucleares. A estratégia regional para manter afastada a ameaça nuclear, é não desenvolver nem admitir a presença de armas nucleares na Zona Livre de Armas Nucleares, estabelecida pelo Tratado de Talatelolco.

Explicitando, Nuclear é estratégico por duas razões principais: ser fonte de energia usada para fins de defesa e ser importante na autodeterminação energética e tecnológica.

O Brasil optou por não desenvolver armas nucleares, mas considera necessário desenvolver a propulsão nuclear e usá-la em embarcações militares, como o facultam todos os tratados até aqui firmados pelo País. Acertadamente, nossa Política de Defesa inclui como tecnologias estratégicas a nuclear, a espacial e a cibernética.

Não se pode também esquecer que existem restrições tecnológicas em várias áreas, com motivação alegadamente de proliferação nuclear, que terminam por atingir muitas outras atividades econômicas. Grupos como o NSG (sigla em inglês para Grupo dos Supridores Nucleares) denominam essas tecnologias como “duais” e controlam o acesso a elas. A única maneira efetiva de se livrar definitivamente dessas restrições é ter essas tecnologias disponíveis no País. Isso é muitas vezes necessário até para não usá-la em uma atividade e adquirir os equipamentos do exterior. A autodeterminação exige, portanto, a posse de várias tecnologias nucleares ou de tecnologias a elas relacionadas.

As discussões sobre parcerias dependem do posicionamento da sociedade sobre esses itens, porque implicam em atrair capitais privados para os empreendimentos, o que pressupõe existência de segurança jurídica e institucional.

Pode-se assinalar as principais linhas de ação relacionada a três Macro-objetivos, assinalados nos parênteses:

1. Desenvolvimento Nuclear (Defesa Nacional)

  • Acompanhar o desenvolvimento da tecnologia nuclear;
  • Desenvolver e construir um submarino com propulsão nuclear;
  • Alcançar independência em todas as fases do ciclo nuclear na fabricação de combustíveis;
  • Desenvolver o Reator Multipropósito Brasileiro, RMB para teste de materiais, produção de radioisótopos e para desenvolvimento científico;
  • Alcançar o domínio de tecnologias que possam impedir outras aplicações pacíficas.

2. Geração de eletricidade (Segurança Energética e Ambiental)

  • Desenvolver a geração de eletricidade e ser capaz de participar da indústria nuclear;
  • Terminar Angra 3 e definir um programa de centrais elétricas para atender parte da necessidade de energia firme no País e para limitar a emissão de gases de efeito estufa.

3. Maior uso de radioisótopos, sobretudo na Medicina (Segurança na Saúde)

  • Maior disponibilidade de radioisótopos, principalmente para usos medicinais;
  • Reator Multipropósito.

No que se refere ao Macro-objetivo de Segurança Institucional e Jurídica existem também providências a serem tomadas na área nuclear, no entanto, as linhas de ação ainda não estão definidas e devem se subordinar à Política Nacional Nuclear que foi aprovada pelo CDPNB e aguarda ser oficializada. Elas não envolvem diretamente o tema parcerias, mas são importantes para criar o ambiente adequado para que se desenvolvam.

Dentro desse macro-objetivo, é importante definir uma estrutura de comando do Setor Nuclear, ligada ao mais alto nível do Governo. A ativação do CDPNB com sua Secretaria Executiva localizada no Gabinete de Segurança da Presidência da República – GSI-PR é parte disto. Também é necessário equacionar a função regulatória, levando em conta as características de cada um dos macro-objetivos. Isso já foi feito para o caso do submarino nuclear com criação de agência específica para licenciamento do submarino nuclear (Marinha do Brasil, 2018) a Agência Naval de Segurança Nuclear e Qualidade.

Igualmente, para a produção, comercialização e aplicação de radioisótopos, uma estrutura mais ágil e descentralizada é necessária para a regulação. Finalmente, as funções executiva e regulatória da CNEN devem ser feitas por entidades distintas. O licenciamento de grandes instalações precisa ter um processo unificado, de preferência de uma única agência, certamente que com consulta às demais. Atualmente, existem posições divergentes das agências que chegam a impor exigências contraditórias. Há países que progrediram na unificação do processo decisório e isso é crucial para grandes empreendimentos.

2.2  Nuclear sendo Estratégico: É Necessária a Presença do Estado?       

Admitindo-se que o Setor Nuclear é estratégico, ainda resta a questão se é necessário um efetivo controle do Estado sobre suas atividades. Um forte indicador disto é aquilo que é feito, na maioria dos grandes países. Eles exercem o monopólio sobre o Setor. Pode ser um monopólio direto, como o da França, Coreia do Sul, Rússia, China e Argentina ou um forte domínio do Estado sobre o Setor como exercem os EUA através do Departamento de Energia e dos Laboratórios Nacionais e o Japão pela simbiose existente Governo/Indústria. Isto para ficar nos atores importantes na indústria nuclear mundial e em nossa vizinha Argentina, muito ativa na indústria de reatores de investigação.

Deve-se notar que mesmo em países que renunciaram ao uso energético nuclear na área civil, como a Itália, ou estão renunciando, como a Alemanha, a decisão foi de Estado. Assim como o foi a decisão de, contraditoriamente, continuar compartilhando (com os EUA, via OTAN) armas nucleares de destruição em massa, estacionadas em seu território.

No Brasil, a decisão pelo uso somente pacífico da energia nuclear é uma decisão constitucional, portanto estratégica, assim como o é a de estatizar grande parte da atividade nuclear. Trata-se, portanto, de decisões tomadas no maior nível hierárquico do País cuja essência deve, em princípio, ser mantida.

O que a Constituição estabelece para o monopólio é resumido abaixo referido ao Artigo 177 da Constituição de 88 sobre o Monopólio da União e Art. 21 da Competência:

Art. 177 § V “Explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre: pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados”, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas, sob-regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.” (Redação dada pela Emenda Constitucional № 49, de 2006). Sob Permissão são autorizadas: Comercialização e a utilização de pesquisas e usos médicos, agrícolas e industriais de radioisótopos (de modo geral), bem como, produzir isótopos meia vida igual ou superior a 2 horas. 

Ao se pensar em parcerias, pensa-se, logicamente em participação da iniciativa privada nas atividades ainda sujeitas ao monopólio. Como ponto de partida, é bom lembrar que o monopólio não exclui automaticamente essa participação. Existem vários exemplos históricos de participação de empresas, inclusive estrangeiras, em plena vigência do monopólio, anteriores, no entanto, à atual formulação constitucional. É preciso levar em conta que permanecem válidas as razões maiores que determinaram a atual redação constitucional: o uso da energia nuclear é para fins pacíficos e objeto de decisões de Estado. As modificações, se necessárias, devem preservar esses princípios inscritos na Lei Magna.

A seguir, procura-se especificar dentro dos três macro objetivos identificados, porque são necessárias parcerias, dando destaque à geração de eletricidade, preocupação maior do assunto parcerias no momento atual.

2.3 Estatizar é sempre Bom para a Autonomia Tecnógica?

Na contramão dos que consideram que somente entidades estatais podem atuar em áreas estratégicas, há o exemplo da atuação da Orquima S. A. da época de Krumholz na área de terras raras (de Souza Filho, et al., 2014). Nas décadas de 1940 e 1950, por meio da iniciativa privada (ORQUIMA S.A.), sob liderança de Pawel Krumholz, o país dominou o processo de extração, separação e obtenção de óxidos de terras raras de elevada pureza (chegando a 99,99%).

A empresa processava cerca de duas mil toneladas de monazita por ano, chegando, por exemplo, a fornecer Eu2O3 para a fabricação de barras metálicas destinadas ao controle, por absorção de nêutrons, do reator do primeiro submarino nuclear do mundo, o Nautilus. Em 1962, juntamente com Krumholz, o Brasil chegou a produzir cerca de 10 g de Lu2O3 de alta pureza
(> 99,9%); era a maior quantidade desse composto já produzida no mundo.

Neste caso, a estatização da Orquima, através da Nuclemon (subsidiária da Nuclebras) não resultou em progresso na área e o Brasil passou a mero exportador de matéria prima deixando de produzir e exportar terras raras. É verdade também que decorreu da atividade da Orquima, um reconhecido passivo ambiental, consubstanciado na chamada “torta II” um “rejeito” rico em tório, mas também contendo seus descendentes radioativos que ficou nas mãos da INB.

Como conclusão, as parcerias do capital privado na energia nuclear podem ser úteis na ajuda do financiamento daquelas áreas que já são economicamente viáveis como aconteceu com as aplicações de radiofármacos de vida curta na medicina nuclear.

Sobre a participação do capital externo, no entanto, sempre se deve ter em conta em que medida a possível desnacionalização estaria na contramão do reconhecido caráter estratégico da atividade e se isso não fragiliza a própria segurança energética. Feita esta análise, não há porque se rejeitar essa participação, se submetida às razões de Estado.

3.   As Parcerias Possíveis

3.1 Parcerias no Objetivo um:
Desenvolvimento Nuclear e Submarino

No Objetivo Desenvolvimento Tecnológico e Submarino busca-se parceria com quem está disposto a colaborar com a fabricação de submarinos, mantida a independência nas atividades tecnológicas relacionadas ao ciclo do combustível nuclear. Conforme já foi citado, a transferências de tecnologia externa é, de modo geral, bem-vinda, mas existem limitações s que temos que superar com nossos próprios recursos.

No que concerne à construção da parte convencional de submarinos foi criada a Itaguaí Construções Navais, parceria da estatal francesa Naval Group com a Odebrecht (goldenshare Marinha através de Emgepron) na construção de submarinos e que prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um submarino nuclear sendo a parte nuclear de desenvolvimento próprio. Essa associação é uma prova cabal de que é possível uma parceria, inclusive com praticamente o total das ações privadas e com forte participação externa (Poder Naval, 2009).

A parceria interna entre o setor civil e militar deveria ser reforçada no País e é uma oportunidade importante de desenvolvimento do ciclo do combustível e no aproveitamento de seus spin-offs. A Parceria entre a Marinha e a CNEN foi muito profícua no passado, com destaque na participação do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN. Seria desejável que essa parceria interna do setor civil e militar fosse mantida de uma maneira institucional. O IPEN-SP dispõe já atualmente de toda a tecnologia para fabricação de elementos combustíveis tanto do reator IEAR1 como da crítica MB01, e do Reator Multipropósito Brasileiro, mas quem dispõe da etapa de enriquecimento a 19,99% e está desenvolvendo a etapa de conversão em escala semi- industrial é o Laboratório de Aramar que pertence à Marinha.

No projeto do Reator Multipropósito a cargo do IPEN/CNEN, que será localizado no município de Iperó no Estado de São Paulo, existem as parcerias com a INVAP, empresa Argentina, e com a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S. A. – AMAZUL. Além da produção de radioisótopos, o RMB também tem como funções básicas a realização de testes de irradiação de combustíveis nucleares e materiais estruturais utilizados em reatores de potência, bem como a realização de pesquisas científicas com feixes de nêutrons. Para este fim serão necessárias parcerias com universidades e centros de pesquisa que ora já se iniciam.

A ampliação da Usina de Enriquecimento Isotópico de Urânio na INB, para produção de material que será utilizado nos reatores de potencia continua sendo feita em cooperação com a Marinha do Brasil e esse desenvolvimento se dá com tecnologia autônoma.

Por sua vez, as parcerias com empresas privadas para o fornecimento de componentes dos elementos combustíveis devem ser facilitadas e desburocratizadas.

Existe a possibilidade de uma possível abertura no caso particular da mineração. Na área de mineração é possível a formação de associações minoritárias e isto já ocorreu no passado dentro do monopólio. A Nuclam era uma companhia mista formada na época com 51% da Nuclebras e 49% da Urangeselschaft, com compra de minério associado e compra de serviço de mineração.

A flexibilização do monopólio pode ser benéfica na área de mineração e beneficiamento de urânio, mantendo-se a comercialização no monopólio. Um ponto muito importante a ser considerado é que um estoque estratégico para atender usinas nucleares nacionais (atuais e futuras), os reatores de pesquisa e o submarino deveria estar sob ativa supervisão estatal.

3.2  Parcerias no Objetivo dois:
Construção e Operação de Usinas Nucleares (Geração de Eletricidade)

Vale lembrar que dentro do monopólio, não há restrições à contratação de terceiros, em uma ampla faixa de atividades, como ilustram os exemplos:

  • Angra 1 praticamente “chave na mão”, teve a supervisão da NUCON (empresa do grupo Nuclebras), sendo a proprietária Furnas;
  • Existe a participação tradicional de empresas privadas (nacionais e estrangeiras) na construção, montagem e fabricação de alguns componentes das usinas nucleares;
  • Durante a época da vigência do Programa Nuclear com a Alemanha, empresas mistas, muitas vezes com predomínio técnico dos alemães, participavam nas diversas etapas do ciclo nuclear.

Outros tipos de participação são ainda possíveis dentro do atual monopólio:

  • Parceria na operação da NUCLEP, área não sujeita ao monopólio;
  • Fornecimento de grandes equipamentos e serviços;
  • Participação financeira externa na Eletronuclear, sempre com caráter acionário minoritário.

Ou seja, a participação acionária na Eletronuclear, chave no processo de parcerias, não é impedida pela Constituição. No estabelecimento das condições de funcionamento dessa parceria podem surgir obstáculos legais que podem vir a necessitar de ajustes legislativos e, eventualmente, modificações constitucionais pontuais que preservem os princípios nela consagrados.

Do ponto de vista do cumprimento dos objetivos, é essencial que se observem três pontos essenciais:

  • Transferência tecnológica deve ser determinante na escolha do parceiro;
  • Devem ser consideradas as limitações de endividamento externo, essas considerações são ainda mais importantes em áreas onde possa ser rompido o monopólio.

Sobre a questão do endividamento, ou de maneira mais abrangente, do passivo externo considera-se necessário destacar alguns pontos que serão abordados no item quatro. São questões fundamentais também na abordagem das privatizações a definição e o significado de empresas “não residentes” e “residentes”.

3.3 Parcerias no Objetivo três:
Uso de Radioisótopos

Desde a década de 60, a CNEN, por meio dos seus Institutos de Pesquisa, evoluiu dos trabalhos pioneiros feitos no IPEN, para uma verdadeira indústria, fornecendo rotineiramente 38 produtos a muitos hospitais, clínicas e indústrias. Esses radioisótopos são tanto produzidos em reatores nucleares de pesquisa quanto em cíclotrons, e essenciais ao abastecimento das atividades de aplicações de radioisótopos no país.

Com a flexibilização do monopólio (Emenda Constitucional – EC, № 49/2006), que alterou dispositivos da Constituição de 1988, esse panorama foi modificado e é crescente a presença de empresas privadas na área de aplicações de radioisótopos na medicina e diagnósticos, o que mostra o acerto da medida. O setor privado teve permissão de investir nessa atividade (fabricação, comercialização e uso), podendo produzir radiofármacos com meia-vida de até duas horas, como é o caso da fluordesoxiglicose (18F-FDG), radiofármaco amplamente utilizado em diagnósticos.

Após a aprovação dessa Emenda, o número de cíclotrons produtores do 18F-FDG e, consequentemente, a quantidade de clínicas de medicina nuclear que os utilizam cresceram muito.

Na área de meias vidas mais longas, a comercialização e uso se dão mediante permissão. Deve-se considerar que a maior parte do uso de radioisótopos nessa área se dá com Molibdênio importado, gerando Tecnécio. O gerador de Tecnécio é feito no Brasil unicamente no IPEN, por constituir monopólio da união uma vez que seu precursor (Molibdênio-99) é subproduto da fissão de “minério nuclear”.

A separação é simples por passagem de um solvente, não deveria ser considerada “fabricação” e poderia ser feita por empresas particulares. A limitação a uma maior participação da iniciativa privada está vinculada à interpretação do termo fabricação que está incluído no monopólio. O grupo de trabalho GT-3 criado pelo GSI/PR esteve tratando do assunto já emitiu uma primeira proposta de ações.

Deve-se assinalar que a produção de Mo-99 a partir da fissão, envolve irradiação de urânio, separação de produtos de fissão, portanto é tecnologia sensível, próxima do reprocessamento, e faz parte do monopólio. O RMB que deverá produzir isótopos o fará por essa tecnologia.

4.   As novas regras das Contas Nacionais e do Balanço de Pagamentos

Sem muito alarde, regras do FMI para o Balanço de Pagamentos e mudanças no Sistema de Contas Nacionais, capitaneadas pelo Banco Mundial (E&E № 96) alteraram profundamente as Contabilidades Externa e Nacional do Brasil, tendo como resultado:

Investimentos e reinvestimentos de empresas não residentes no Brasil em suas filiais passaram a fazer parte da Dívida Externa do País. Recentemente os investimentos diretos em fundos de renda fixa de não residentes, também passaram a integrar a dívida externa.

A produção de empresas sobre controle de não residentes passou a ser considerada integrada ao PIB dos países dos acionistas residentes; isso se aplica especificamente à eletricidade, ou seja, a eletricidade produzida no País por empresa não residente entrará no rol das importações se consumida no Brasil, ainda que produzida com a energia hídrica (ou nuclear) brasileira.

De acordo com as regras do Balanço de Pagamentos, qualquer investimento externo realizado no país entra para o passivo externo brasileiro, registrado na Posição Internacional de Investimentos, não importando, se ostenta a classificação de investimento de risco ou aplicação de capital.

Para quem acha que isto não é importante, é útil lembrar que foi apenas uma opção contábil, o registro desse passivo como dívida externa. Isso aconteceu recentemente (2014) quando 120 bilhões de “investimentos diretos” em renda fixa foram integrados à dívida externa brasileira.

A classificação de empresas, nas Contas Nacionais e Externas (normas FMI), passou a ser de Residente e Não Residente.

Empresa Residente é a empresa que têm efetivo controle de indivíduos residentes no País. Está classificação ainda não foi inteiramente implantado e sua vigência dependerá de mudanças na contabilidade das empresas. Normas internacionais, implantadas no Brasil de forma praticamente automática pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, com predominância das associações empresariais, se encarrega dessas mudanças. No caso do Setor Elétrico, a ANEEL, na prática, simplesmente homologa o “Pronunciamento” do CPC.

Como já assinalado, investimentos e reinvestimentos externos em empresas residentes, com participação de capital de não residentes, são incorporados à divida externa.

Desta forma, a produção de eletricidade por empresas de capital externo no Brasil ou terá seu investimento e reinvestimentos registrados na dívida externa (empresas consideradas residentes) ou será classificada como produção externa (empresa não residente) e considerada importada se consumida no Brasil.

Esse é um fato não discutido atualmente no açodado processo de privatização. Por isso, faz uma enorme diferença quando privatização significa uma desnacionalização, entre a venda para não residentes ou uma venda para residentes no País.

A venda para não residentes implica em aumento imediato da dívida externa ou na desnacionalização definitiva (mudança de nacionalidade) do seu produto. Se isso se faz a preços aviltados pela crise, a consequência pode ser a perda definitiva das reservas naturais, sujeitando-se o País a importar seus próprios recursos.

Notar ainda que a determinação da pátria do capital não se dá mais por nacionalidade, mas, por residência[2]. Portanto, não basta assegurar que os setores privatizados continuem em mãos de nacionais, mas assegurar que continuem em mãos de residentes no País.

Para os que acreditaram que a dívida externa desapareceu, porque estaria anulada por nossas reservas internacionais, é bom lembrar que existem para elas dois valores:

  • O que aparece nas Notas à Imprensa do Banco Central (comparado às reservas) é a dívida externa “sem as operações intercompanhia e títulos de Renda Fixa negociados no mercado doméstico” cujo total, em dezembro de 2017 era de 321 bilhões de dólares;
  • O que incorpora os valores considerados pelo FMI que consta nas planilhas anexas do próprio Boletim que é mais do dobro da tradicional. Esta é a que será divulgada pelo Banco Mundial e considerada nas análises de risco que é de 684 bilhões de dólares.

A Tabela 4.1 mostra os valores da dívida externa no seu conceito tradicional e considerando os adicionais recomendados pelo FMI, indicados por um asterisco. São indicados ainda os percentuais do PIB envolvidos e do total das exportações bem como a dívida líquida nas duas hipóteses.

Tabela 4.1: Componentes do Passivo e da Dívida Externos

 ExternosUS$ bilhões% PIB% Export.
Dívida Externa Bruta
(conceito tradicional)
32118% 
Operações Intercompanhia (*)23613%112%
Títulos de Renda Fixa detidos
por não residentes (*)
1277%60%
Dívida Externa Bruta
(normas FMI)
68438%326%
Reserva 38621%184%
Dívida Externa Líquida “Tradicional”-65-4%-31%
Dívida Externa Líquida29817%142%
Passivo Bruto da PII158088%752%
Ativo da PII85848%408%
PII Líquido72240%344%
PIB estimado1800100%857%
Exportações21012%100%

(*) Acréscimos à Dívida resultantes de modificações introduzidas nas Contas Nacionais

A Figura 4.1 mostra estes valores para 2017 e realça o tamanho da Dívida Externa com a inclusão dos novos componentes e compara o resultado com o montante das reservas internacionais.

A dívida externa líquida, não considerando os aditivos do FMI é negativa (321 – 386 = -65 US$ bi). Na contabilidade do FMI, a dívida externa líquida brasileira é de cerca de 300 bilhões de dólares, equivalente a 17% do PIB e 142% das exportações de do ano de 2017. Chama a atenção o valor do Passivo Bruto apurado na PII que já atinge a 88% do PIB e cerca de 750% do valor das exportações. Já ficou demonstrado, que não existe barreira sólida entre o Passivo e a Dívida e não será nenhuma surpresa que novas transferências se verifiquem.

Figura 4.1: Comparação da dívida externa e reservas ao final de 2017
(*) Parcelas acrescidas por recomendação do FMI.

A Figura 4.2 mostra o processo de formação do Passivo Externo Bruto, apurado pela Posição Internacional de Investimentos, para o final de 2017. São resultados da contabilidade externa do Brasil, orientada pela Sexta Edição do Manual do Balanço de Pagamentos e Posição Internacional de Investimentos do FMI, conhecido pela sigla em inglês BPM6 (International Monetary Fund, 2009).

Aplicações em ações e outras de renda variável, outros investimentos financeiros e em bens reais são lançados no passivo externo da PII. Os rendimentos auferidos realimentam o passivo quando não são remetidos ao exterior. No caso das aplicações de renda fixa, elas foram inicialmente lançadas como investimento de risco e transferidas recentemente (2014) do “outros passivo” para a dívida externa. Os investimentos intercompanhia (matriz x filial) entram na dívida externa; os reinvestimentos também são nela lançados. Finalmente, os empréstimos, realimentados pelos juros, formam a dívida externa tradicional.

Figura 4.2: Formação do Passivo Externo na apuração da Posição Internacional de Investimento, usando a metodologia do Manual do FMI.

O Brasil e muitos outros países ditos “em desenvolvimento” passaram pelo trauma causado pela dívida externa dos anos oitenta, resultante de créditos baratos (petrodólares) dos anos setenta. A partir deste e outros traumas sucessivos passou-se a considerar os empréstimos externos como causadores da dívida externa e das crises.

Este trauma tem certa razão já que a dívida externa é considerada uma responsabilidade dos países que devem garanti-la frente aos bancos internacionais e demais fontes de financiamento. Também os credores passaram por traumas e isto motivou o FMI e o Banco Mundial a adotar o Consenso de Washington nos anos oitenta e, nos anos noventa, foram modificados, com a liderança dessas duas entidades, as Contas Nacionais, o Balanço de Pagamentos e criada a contabilidade de estoques de capital que é a Posição Internacional de Investimentos. Vários mecanismos de defesa dos credores tradicionais (de empréstimos) e dos novos credores de investimentos externos foram instalados através das modificações na contabilidade que fazem parte, portanto, do Pós-Consenso de Washington (E&E 96).

Foi por esta razão, que o Brasil providenciou uma reserva internacional que funciona como garantia da dívida. Por isso, é altamente conveniente para o governo comparar nossa dívida externa com os empréstimos de curto prazo ou com a dívida no conceito tradicional. Ao final do ano de 2017, tínhamos, neste conceito, uma dívida externa líquida negativa. Em 2010, o governo havia declarado á população o “fim da dívida externa”[3]. O que não foi esclarecido é qual o conceito da dívida externa estava em discussão.

Foi vendida aos países em desenvolvimento, dentro do pós-Conseçnso de Washington a ideia que eles deviam se abrir aos investimentos externos, considerados como fator de progresso o que não afetariam a dívida externa. Essa á ainda a linguagem usada nos países periféricos para uso interno quando se quer justificar a abertura a investimentos externos. Por essa razão, segue sendo conveniente a ambiguidade em relação ao montante da dívida externa.

O que a contabilidade externa do FMI, adotada pelo Brasil, mostra agora é uma visão que tem um viés do que é conveniente para os países credores, mas ao mesmo tempo, é realista quando assinala a pressão exercida pelo Passivo Externo sobre as economias receptadoras do capital. Essa pressão cria uma dependência que ameaça essas economias, mas ainda não foi incorporada nas discussões econômicas.

A dívida externa tradicional é apenas a ponta do iceberg e as duas dimensões da dívida externa já foram temas da presente campanha eleitoral, com contestações sobre se ela havia desaparecido ou não em 2010.

O Passivo Externo Bruto no final de 2017 já era 88% do PIB e 752% de nossas exportações anuais. Cada vez que vendemos nossas empresas ou jazidas para os não residentes, o passivo externo aumenta e, na melhor das hipóteses, também aumenta a dívida externa. Na pior, a jazida e o PIB futuro a ela associado deixam de ser nossos.

O FMI está nos prevenindo disto.

5.   A Possibilidade de Autofinanciamento de Angra 3

A tarifa de 2018 para Angra 1 e 2 é 240,8 R$/MW com uma geração média de 1572 MW que corresponde a 3,31 R$ bi por ano. Se aplicada a tarifa que se espera conseguir para Angra 3 (suposta 400 R$/MWh) para Angra 1 e 2 e se isto constituísse um fundo específico ter-se-ia um adicional de cerca de 2,2 bilhões de reais por ano que seriam praticamente suficientes para terminar Angra 3 em 6 anos.

Pode-se ainda pensar em uma tarifa comum para a energia nuclear que poderia ser um pouco menor que essa e com isso haveria condições para financiar parte de Angra 3 e facilidades para créditos adicionais.

Como isso pode ser criado como fundo, nele não incidiriam praticamente taxas e o País estaria  livre de juros sobre a nova parte.

Isso significaria um aumento de 67% sobre 2,5% da produção de eletricidade ou 1,67% sobre o custo total de produção e menos de 1% sobre a tarifa do consumidor (só seria afetado o custo sem impostos).

É claro que seria necessário aprofundar as avaliações e encontrar o caminho legal para chegar a esta decisão e trabalhar junto à sociedade para a aceitação da energia nuclear como estratégica e levar em conta suas contribuições (energia limpa) para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a estabilidade do Sistema.

6.   Conclusão

Como conclusão, as parcerias do capital privado na energia nuclear podem ser úteis na ajuda do financiamento daquelas áreas que já são economicamente viáveis como aconteceu com as aplicações de radiofármacos de vida curta na medicina nuclear.

Ao se fazer parceria de uma área específica com a participação de capital externo, deve-se ter em conta se isso não está na contramão de seu reconhecido caráter estratégico e se não fragiliza a própria segurança energética ou o domínio do ciclo do combustível nuclear. Também devem ser levadas em conta as limitações provocadas pelo endividamento externo.

No caso da participação externa, a meta principal seria obter a tecnologia e capacitar a indústria nacional em troca da participação do parceiro no mercado interno. Para estar em melhores condições de barganha é preciso contar com o capital interno, ainda que parcialmente.

_______________________

 

Anexo 1: Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro – CDPNB

O Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB) foi criado pelo Decreto de 2 de julho de 2008 e alterado pelo Decreto de 22 de junho de 2017. O CDPNB é coordenado pelo GSI/PR e tem como missão assessorar diretamente o Chefe do Poder Executivo, por meio de um colegiado de alto nível, no estabelecimento de diretrizes e metas para o desenvolvimento e acompanhamento do Programa Nuclear Brasileiro, a fim de contribuir para o desenvolvimento nacional e para a promoção do bem estar da Sociedade Brasileira.

Na primeira reunião plenária do CDPNB nesta nova fase, dia 18 de outubro de 2017, além do Regimento Interno foi aprovada a criação de quatro grupos técnicos, para tratar de temas relevantes para o setor nuclear brasileiro:

  • GT-1: elaborar a proposta de Política Nuclear Brasileira – Coordenado pelo GSI;
  • GT-2: analisar a conveniência da flexibilização do monopólio da União na pesquisa e na lavra de minérios nucleares – Coordenado pelo MME;
  • GT-3: analisar a conveniência de ampliar a flexibilização do monopólio da União na produção de radiofármacos – Coordenado pelo MCTIC e Ministério da Saúde;
  • GT-4: propor termo de cooperação entre as partes envolvidas no desenvolvimento e operação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) – Coordenado pelo MCTIC.

Outros Grupos Técnicos estão organizados ou em organização para atender outras áreas específicas, mas não tiveram ainda sua constituição divulgada oficialmente.

Isto significaria transmitir para particulares uma tecnologia cujo derivativo pode estar associado à produção de uma arma nuclear.

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Notas:

[1] Seminário Internacional de Energia Nuclear, realizado no Rio de Janeiro entre 25 e 26 de julho de 2018 no Espaço Furnas.

[2] Se os irmãos Batista da Free Boi houvessem decidido por fixar residência nos EUA, como aparentemente tentaram, boa parte da carne brasileira poderia passar a ser americana.

[3] Em Julho de 2007 o site das Organizações Globo anunciava (sempre procurando assinalar o viés negativo ) “Dívida externa brasileira sobe para US$ 225 bilhões em junho,  para colocar na segunda manchete: Em maio, o BC estimava a dívida em US$ 218,329 bilhões.  Reservas internacionais cresceram e atingiram US$ 253 bilhões. http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/07/divida-externa-brasileira-sobe-para-us-225-bilhoes-em-junho.html

Bibliografia

Brasil . 2016. Emenda Constitucional nº 49 de 08/02/2016. Presidência da República – Casa Civil. [Online] 08 de fev de 2016. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc49.htm.

Brasil, GSI/PR. 2018. Resolução GSI/PR nº 2, de 11.01.2018. MCTIC. [Online] 11 de janeiro de 2018. http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/legislacao/outros_atos/resolucoes/Resolucao_GSI_PR_n_2_de_11012018.html.

de Souza Filho, Paulo C. e Serra, Osvaldo A. 2014. TERRAS RARAS NO BRASIL: HISTÓRICO, PRODUÇÃO E PERSPECTIVAS. Quim. Nova. 2014, Vol. 37, Nº 4, pp. 753-760.

International Monetary Fund. 2009. Balance of payments and international investment position manua- 6th ed. Washingon D.C. : IMF Multimedia Services Division, 2009. ISBN 978-1-58906-812-4.

Marinha do Brasil. 2018. Marinha do Brasil cria a Agência Naval de Segurança Nuclear e Qualidade. Portal Orbis Defense. [Online] 09 de fev de 2018. https://www.marinha.mil.br/sinopse/marinha-do-brasil-cria-agencia-naval-de-seguranca-nuclear-e-qualidade.

Poder Naval. 2009. Itaguaí Construções Navais. Odebrecht fica com 59% do capital. Poder Naval. [Online] 10 de set de 2009. https://www.naval.com.br/blog/2009/09/10/itaguai-construcoes-navais-odebrecht-fica-com-59-do-capital/.

 

                       

Atualização do Padrão Técnico e de Segurança de Angra 3


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Relatório Técnico Externo:

Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3

Sumário executivo de documento preparado pela Superintendência de Engenharia de Projetos – SET da Eletronuclear

Responsável: Jorge Mendes
Gerente de Sistemas e
Instrumentação do Reator

Resumo:

A Eletronuclear divulgou em fevereiro deste ano um estudo intitulado “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” (finalizado em 2017) sobre as atualizações técnicas e de segurança acrescentadas ao projeto de Angra 3 com relação à segurança do empreendimento. Apesar de Angra 3 ter sido planejada nos anos 1970, ao longo do tempo, mudanças foram feitas na concepção original para incorporar modernizações tecnológicas, a experiência operacional do setor nuclear e as exigências das normas nacionais e internacionais, que foram revisadas no período. Isto permite que Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões internacionais atuais. Apresenta-se aqui o sumário executivo, o Relatório Completo está disponível no site da Eletronuclear[1].

Palavras Chave:

Eletronuclear, Angra 3, programa nuclear, geração de eletricidade, crise financeira, segurança, normas internacionais, desempenho de usina nuclear.

1. Introdução

Este Sumário Executivo apresenta os pontos principais do processo utilizado pela Eletronuclear para fazer com que o projeto da usina Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões atuais, são os seguintes:

O tipo de reator adotado em Angra 3, como nas demais unidades da CNAAA, o PWR – Reator a Água Pressurizada, permanece como o modelo internacionalmente predominante (277 de 438 reatores), tanto entre as unidades em operação como nas novas unidades em construção (50 de 60 reatores).

No processo evolutivo da tecnologia dos sistemas de segurança, 42 das 50 usinas em construção utilizando reatores PWR dispõe de sistemas de segurança de concepção similar aos de Angra 3 e apenas 8 têm sua segurança baseada extensivamente em sistemas passivos.

A usina de Angra 3 pertence ao padrão PWR 1.300 MW da Siemens, que se caracteriza por um elevado padrão de segurança e desempenho operacional, em função de suas características de projeto, dentre elas, o elevado grau de automação e o nível de redundância e diversidade adotados no projeto dos sistemas de segurança, e dos elevados requisitos de qualidade aplicados ao projeto e à fabricação dos equipamentos.

O projeto de Angra 3 utiliza Angra 2 como usina de referência, incorporando todas as modificações nela introduzidas com o objetivo de melhoria de segurança e desempenho. Um empreendimento testado e comprovado com altos índices de segurança e performance.

O projeto de Angra 3 incorpora as lições aprendidas com os acidentes já verificados em usinas nucleares de potência, a experiência internacional das últimas décadas, as alterações na base normativa nacional e internacional, além da evolução da base normativa e tecnológica de componentes e sistemas como se resume nos itens abaixo.

2. Atualização da Base Normativa

O projeto de Angra 3 foi atualizado com base nas normas alemãs válidas em 2003 quando foi solicitada a licença de construção ao órgão licenciador CNEN. No caso de componentes do circuito primário, já fornecidos com base em normas anteriores, avaliou-se que as versões mais recentes das normas não traziam alterações relevantes, permitindo validar a adequação dos mesmos para suas respectivas funções. O alto grau de requisitos técnicos das normas alemãs utilizadas em Angra 2 e 3, garante um padrão de segurança de alto nível. A base normativa e os critérios de projeto foram submetidos à CNEN, que os avaliou e concedeu a licença de construção para Angra 3 em 2010.

3. Atualização da Proteção contra Eventos Externos

No projeto de Angra 3, todos os carregamentos atuantes sobre as estruturas foram revisados e atualizados, em especial, no que diz respeito àqueles gerados pelos eventos externos. Foi realizado um estudo sobre a ocorrência de ventos extremos, com um levantamento dos registros de tornados no Brasil e adotou-se um tornado de categoria 3 na escala Fujita, correspondente aos maiores eventos já registrados no país. Foram realizadas análises detalhadas de ameaça sísmica em bases probabilísticas, por um grupo de consultores formado por geólogos, sismólogos e engenheiros estruturais renomados do Brasil e do exterior, utilizando-se a metodologia mais avançada. Estes resultados já estão sendo utilizados na Análise Probabilística de Segurança (APS) das usinas. Os primeiros resultados indicam que o risco sísmico das usinas está em níveis compatíveis com os índices de segurança internacionais. Além disso, a APS permitirá investigar os pontos mais críticos nos quais será possível atuar para aumentar ainda mais as margens de segurança já existentes.

4. Atualização de Sistemas e Equipamentos

Angra 3 terá equipamentos de Instrumentação e Controle digital no mesmo padrão dos projetos mais recentes de usinas nucleares, que deve contribuir para um melhor desempenho e segurança da planta. A sala de controle de Angra 3 é projetada com tecnologia digital e reflete o estado da arte em projetos de sala de controle. As atuações de componentes e monitoração de processos e alarmes são realizadas através de telas digitais em computadores. Em caso de perda da interface homem/máquina digital, estará ainda disponível um painel de segurança convencional para a operação da usina.

O aumento da capacidade de geração de Angra 3 (de 1350 para 1405 MWe) e a adequação às novas exigências das normas, inclui um novo disjuntor do gerador elétrico, equipamento fundamental para a conexão e desconexão com segurança da Usina ao sistema elétrico interligado nacional, considerando os 1405 MWe previstos.

O conjunto turbo-gerador foi fabricado em meados da década de 1980 pelas empresas SIEMENS AG/KWU tanto para Angra 2 como para Angra 3. Para atender ao aumento de potência de Angra 3, estão sendo promovidas mudanças indicadas pelo fabricante, incluindo a instalação de um Sistema Digital de Controle e Proteção da Turbina.

5. Atualização devido a experiência internacional

Com base nas lições aprendidas com as experiências resultantes dos acidentes relevantes acontecidos em outras usinas nucleares, o impacto em Angra 2 e 3 foi o seguinte:

  • O projeto das usinas alemãs, referência para Angra 2 e 3, foi verificado conforme a experiência e recomendações resultantes do acidente de Three Mile Island – TMI 2 (1979, EUA) e as modificações recomendadas pelo órgão licenciador US-NRC (United States – Nuclear Regulatory Commission) já haviam sido implementadas em Angra 2. Em 2010, para a licença de construção de Angra 3, foi emitido um documento para o órgão licenciador CNEN, registrando a verificação formal da aplicação de todas as recomendações da US-NRC devidas ao acidente de TMI-2.
  • Devido à experiência com o acidente de Chernobyl (1986, Ucrânia), as recomendações pertinentes foram consideradas em Angra 2 e 3, apesar da tecnologia de Chernobyl ser diferente da tecnologia de Angra 2 e 3.
  • Devido ao acidente de Fukushima Daiichi (2011, Japão), os princípios básicos de projeto, que levaram ao acidente, foram reavaliados para Angra 2 e 3 pela equipe técnica da Eletronuclear. Este trabalho é registrado em relatórios periódicos enviados e acompanhados pela CNEN. Os relatórios apresentam os resultados dos estudos e as modificações efetuadas nas usinas devidas ao acidente de Fukushima.
  • Eventos significantes ocorridos em usinas nucleares são analisados para Angra 2 e 3 através das informações obtidas por meio de convênios existentes entre a Eletronuclear e diversos órgãos como WANO (World Association of Nuclear Operators), IAEA (International Atomic Energy Agency), EPRI (Electric Power Research Institute) que nos pemitem demonstrar a adequação da segurança de Angra 2 e 3.

6. Atualização para acidentes severos

Em relação ao projeto robusto para fazer frente a eventos além da base de projeto incluindo acidentes severos com fusão do núcleo, foram introduzidas, ou já estão planejadas modificações em Angra 2, sendo introduzidas modificações no projeto de Angra 3. Por exemplo, foram projetados recombinadores passivos de Hidrogênio, dimensionados para a concentração máxima admissível de Hidrogênio no interior do edifício da Contenção do reator, de tal maneira que explosões possam ser evitadas. Adicionalmente será instalado um sistema de alívio filtrado da contenção que impede que a pressão interna supere a base de projeto. Todas as provisões para eventos além da base de projeto introduzidas em Angra 3, são similares às provisões incluídas em projetos atuais de usinas nucleares em construção.

7. Conclusões

O desempenho operacional de Angra 2 é compatível com a tecnologia atual e com os melhores desempenhos das usinas em operação. Angra 3 terá um desempenho similar e, em alguns casos superior, devido às melhorias da instrumentação e controle digital e de novos equipamentos. As melhorias introduzidas em Angra 3, para possíveis acidentes além da base de projeto, são similares às soluções implantadas recentemente nas usinas existentes e em projetos atuais de concepção similar a Angra 3. Estas características do projeto mostram que Angra 3 será uma usina moderna e com um padrão de segurança compatível com as usinas atualmente em construção.


Neste Número:

É a Contabilidade, Estúpido! | Crise na Geração NuclearA Continuidade de Angra 3 | Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3  | O Poder da Contabilidade | E&E 98 Tudo |


Relatório Completo:

[1] http://www.eletronuclear.gov.br/LinkClick.aspx?fileticket=tcCBiUp1yAw%3D&tabid=69


A Continuidade de Angra 3


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

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A CONTINUIDADE DE ANGRA 3

Opinião:

Mais uma vez coloca-se a questão sobre dar prosseguimento ou não de Angra 3. Tem sido lembrado que Angra 3 é importante para o futuro da energia nuclear no Brasil. Uma boa contribuição para o debate foi dada pelo professor Aquilino Senra em recente artigo “Desmonte do setor nuclear exclui Brasil do jogo no mercado global”. Justamente porque Angra 3 tem essa relevância, deve-se cuidar que o arranjo institucional e financeiro, a ser encontrado, não sacrifique esse futuro.

Várias questões estão sendo (re) colocadas, a predominante é sobre sua viabilidade econômica. Como primeiro passo, é útil admitir que, aplicando juros de 7% ou 5% ao ano, não é possível pagar o custo total histórico de uma obra, com duração superior a 40 anos[1]. Por isso, as decisões sobre reiniciar as obras de Angra 2 (1996) e Angra 3 (2001 a 2007) foram tomadas baseadas em seu custo incremental. A novidade é que, desta vez, os custos de parar Angra 3, após a interrupção de 2015, já estão atropelando a Eletronuclear e terão que ser levados em conta. Análises econômicas foram realizadas para a decisão anterior de retomada. Como houve um considerável avanço na obra, é muito provável que a resposta continue positiva apesar do custo maior constatado.

Quanto às necessidades energéticas vale lembrar que Angra 2 foi terminada justo quando se configurou o “apagão” de 2001. A situação dos reservatórios nos últimos anos mostrou que estivemos muito perto de uma outra crise de abastecimento e que a energia firme de Angra é necessária. Não será talvez surpresa que Angra 3 venha, justamente, ajudar a remediar o próximo apagão.

Outra questão fundamental é o da segurança da energia nuclear no que se refere a possíveis acidentes nas usinas de geração de energia elétrica. É um assunto cuja resposta definitiva pertence ao futuro.

Depois de muita discussão sobre o acidente de Fukushima, a resposta pragmática dos países a essa questão é indicada por sua atitude frente a energia nuclear. De uma maneira esquemática, o uso para geração nuclear elétrica continua crescendo em países emergentes (China, Rússia e índia principalmente), outros (França, EUA e Reino Unido) estão retomando lentamente a construção de usinas (UK ainda não iniciou a construão), com grandes problemas econômicos que não diferem muito dos de Angra 3, e, finalmente, no grupo de países (Itália, Alemanha e Japão), cada país (nessa ordem), ou já abandonou, ou está em processo de abandonar, ou está com sérias dúvidas sobre a continuidade da geração nuclear elétrica. É interessante observar que todos esses grandes países, inclusive o último grupo (de perdedores da Segunda Guerra Mundial), não abriram mão de possuir, de compartir ou desfrutar da proteção das armas nucleares para sua defesa[2].

Outra questão importante é se Angra 3, considerando seu projeto (anos setenta) e alguns equipamentos (anos oitenta) não estaria obsoleta ou insegura. É a questão abordada no abrangente relatório “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” divulgado pela Eletronuclear recentemente e cujo sumário está aqui publicado. O trabalho confronta as exigências técnicas e de segurança, expressa em padrões e normas adaptadas às novas exigências, com a realidade de Angra 3 e aponta as modificações realizadas para atender essas exigências que evoluíram em função da experiência mundial acumulada, incluindo os acidentes.

Quanto aos equipamentos, fundamentalmente deve-se considerar que os adquiridos são equipamentos estruturais, de muito lenta obsolescência, ou que mereceram cuidadoso esquema de manutenção, orientado pelo fabricante e ainda receberam algum tipo de atualização como é o caso do turbogerador. Outros equipamentos, como a mesa de controle e os equipamentos eletrônicos, ainda não haviam sido adquiridos e são atuais.


 Neste Número:

| É a Contabilidade, Estúpido! | Crise Econômico-Financeira na Geração Nuclear | Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017| A Continuidade de Angra 3 |Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra | O Poder da Contabilidade|’


[1] Início das obras civis em 1984, interrompidas em 1986, reiniciadas em 2007 e novamente interrompidas em 2015, primeiros equipamentos encomendados em 1975.

[2] Nesse resumo, faltam as duas Coreias: ambas consideram, a seu modo, a energia nuclear fundamental (geração ou bombas). Nas potências nucleares, uma corrida trilionária de modernização das armas nucleares está em curso; isso responde a questão (não colocada) da importância estratégica da energia nuclear.

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Neste Número:

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E&E 98 Tudo


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Palavra do Editor

É A CONTABILIDADE, ESTÚPIDO!

Foi uma surpresa constatar que convergiam os dois principais temas deste número da E&E: a Crise na Eletronuclear e o Poder da Contabilidade. Isso inspirou o título desse editorial que busca chamar a atenção da importância da Contabilidade. Parafraseamos o “É a Economia, estúpido!” do publicitário James Carville, cuja contundente frase foi considerada a chave da surpreendente vitória do até então pouco conhecido Governador de Arkansas, Bill Clinton, na eleição americana de 1992 sobre o Presidente Bush (pai) que vinha simplesmente de vitória na Guerra do Iraque e do desmonte da União Soviética, consagrado pela queda do muro de Berlin.  

A construção de Angra 3 colocou a Eletronuclear, proprietária de duas usinas em funcionamento, em situação de patrimônio negativo já em 2015. Isso aconteceu porque a tarifa futura negociada não era suficiente para cobrir os custos da usina. O patrimônio negativo resulta do impairment que é calculado projetando o déficit tarifário por toda a vida da usina.  

Esta situação (que ainda persiste), aliada às intervenções da Justiça e Polícia Federal no âmbito das operações Lava-Jato, levaram a interrupção das obras em 2015. Essa interrupção gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores de 55 milhões de reais que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2, e inviabilizariam (ou estão inviabilizando) a continuidade da geração elétrica nuclear de forma segura. Chamamos a atenção neste número para essa grave Crise na Eletronuclear 

O Brasil encontra-se mais uma vez em uma encruzilhada em relação à Angra 3. No pressuposto de que se resolva o problema operacional da Eletronuclear, caberá tomar uma decisão sensata sobre terminar ou não Angra 3. Alguma decisão talvez ainda seja possível nesse ano eleitoral de 2018 e o fórum de decisão seria o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE. 

Um aspecto fundamental nessa decisão é responder a questão se essa usina, por seu longo período de construção, não estaria defasada do ponto de vista técnico e de segurança. A questão não é trivial uma vez que existem equipamentos fabricados há 30 anos e projetados há 40 anos. Um bom estudo sobre a questão foi realizado pela Eletronuclear; seu resumo executivo é publicado nesta edição.  

Apresentamos também mais um artigo, O Poder da Contabilidade que faz parte da série de problemas levantados no Número 96 dessa revista. Chama-se a atenção para o poder dos órgãos de arrecadação sobre a economia das empresas. Este poder é exercido via emissão de normas contábeis que empresas (e também cidadãos) devem cumprir e é apoiado por um arsenal informático crescente que amplia seu alcance. A Lei 11.638 de 2007, que modificou a Lei 6.385 de 1976, facilitou o processo de assimilação das normas internacionais. No caso das empresas de capital aberto isto já está sendo feito via Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Isto desloca parte do poder sobre a contabilidade das empresas para os órgãos internacionais. 

As normas que regem a contabilidade do País (Contabilidade Nacional) e do comércio exterior (Balanço de Pagamentos) já são diretamente derivadas das internacionais. No primeiro caso, o processo de elaboração e discussão é liderado pelo Banco Mundial e, no segundo, as normas são estabelecidas pelo FMI. A internacionalização das normas aplicadas na contabilidade empresarial brasileira facilita o objetivo de estabelecer um conjunto normativo contábil para todos os países.  

Nas análises realizadas nesta revista (E&E Nos 96 e 97), foi mostrado como as normas contábeis internacionais adotadas no País já apresentam impactos sobre a contabilidade nacional e sobre o balanço de pagamentos de centenas de bilhões de dólares. O exame da crise da Eletronuclear mostrou que sua origem está vinculada a uma norma internacional contábil de recente introdução no Brasil. O valor do impairment é cerca de 9 bilhões de reais negativos, cancela o valor de Angra 1 e 2. 

Com efeito, a apuração do impairment (que deu origem à paralisação de Angra 3) é prevista na norma internacional IAS 36 (de 2004); o Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC “traduziu” a norma internacional para os padrões locais em seu primeiro pronunciamento CPC 01 (em 06/08/2010). A CVM (Deliberação 639 de 07/10/2010) aprovou e tornou obrigatória a adoção do CPC 01 para as companhias de capital aberto. Igualmente a ANEEL (na Resolução normativa 605 de 19/02/2014 de aprovação de Manual de Contabilidade do Setor Elétrico – MCSE) adotou o CPC 01. Uma inesperada relação surgiu entre os dois temas abordados que leva a nos dizer:
É a Contabilidade, estúpido!
  


Sumário


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

Artigo:                

Crise Econômico-Financeira na Geração Nuclear

José Israel Vargas,
Carlos Feu Alvim e
Olga Mafra

 Resumo

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocaria virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. No presente o Brasil encontra-se novamente em uma encruzilhada em relação à Angra 3A interrupção das obras em 2015 gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores em valores de 55 milhões de R$ que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2. A desestruturação do Setor Nuclear Brasileiro, considerado estratégico para a Segurança Nacional, terá graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional. Também terá fortes impactos na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear, do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas também a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado. 

Palavras Chave:

Eletronuclear, programa nuclear, geração de eletricidade, Central de Angra, Angra 3, INB, crise financeira, segurança do sistema, Segurança Nacional. 

Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017

Em 13 de Novembro do ano passado as direções da Eletronuclear e da INB reuniram-se com o Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para chamar a atenção sobre a grave situação econômico-financeira da área da geração de energia eletronuclear (1). O Diretor Presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães confirma que esta situação é fundamentalmente devida aos dispêndios induzidos pelo estado em que se encontra o projeto de construção de Angra 3. 

Os gastos com a interrupção de Angra 3 absorvem as tarifas geradas por Angra 1 e 2, já reduzidas em valor real de 14%, pela ação ANEEL. Embora os recursos gerados sejam suficientes para manter as duas usinas, em pleno funcionamento, a inadimplência das responsáveis contratuais pela construção de Angra 3 quais sejam a Eletrobras e os financiamentos dos bancos BNDES e Caixa Econômica Federal, com a transferência dos encargos assumidos, tornou insustentável a situação da empresa. 

De fato o não cumprimento pela Eletrobrás dos encargos, tanto o inicialmente acordado (de 20%), como o ampliado posteriormente (de 40%), bem como daqueles de responsabilidade dos referidos bancos, em decorrência da mencionada interrupção do projeto Angra 3, agravou-se mais ainda pelo início de cobrança pelos bancos de juros sobre os passados investimentos, atualmente em 30 milhões de reais mensais (do BNDES) e que alcançariam mensalmente 55 milhões de reais com a prevista incorporação dos pagamentos devidos à CEF. 

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocara virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. Com efeito, a declaração de impairment (redução do valor de recuperação de um ativo) de 3,4 bilhões de reais reduziu a zero, naquele ano, o patrimônio líquido da Empresa. Além disso, a impossibilidade da controladora Eletrobrás de aportar, como apontado acima, recursos próprios conforme previsto em contrato tanto inicial como o posterior já tornara o empreendimento problemático. A situação do impairment  poderia ter sido, em princípio, resolvida com a repactuação da tarifa de Angra 3, persistindo, no entanto, o problema do aporte de recursos próprios cujo equacionamento estava em estudo. 

Isso se tornou politicamente inviável quando as operações da Polícia Federal e Justiça Brasileira com as operações “Lava Jato” e “Pripyat” atingiram membros da alta direção da Empresa. 

Foi nesse quadro que se decidiu suspender a construção de Angra 3, no entanto não motivada diretamente por essas operações, mas, pela incapacidade política de equacionar os problemas já existentes. 

A paralisação da construção de Angra 3 (2) agravou a situação como esclarece o Presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., fazendo cessar o fluxo financeiro dos empréstimos assumidos e naturalmente, acrescentadas despesas com o adiantamento do vencimento de juros já referidos e exorbitantes na conjuntura, que seriam normalmente pagos após a conclusão do empreendimento, pela geração de recursos resultantes do funcionamento de Angra 3. 

Além disto, a Empresa deve arcar com a manutenção do canteiro de obras que é uma obrigação que envolve a preservação do investimento já realizado com a construção de Angra 3 e os requerimentos de segurança das centrais em operação. Com a paralisação das obras, foram geradas obrigações vencidas com fornecedores, que atualmente alcançam 50 milhões de reais. 

A crise atual envolve, em virtude dos encargos referidos, a própria produção de combustível nuclear pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil – INB com a qual a Eletronuclear já reduziu seus compromissos de pagamento de combustíveis, a partir de outubro deste ano, face à previsível  indisponibilidade de recursos. A situação da INB ficou crítica, além disto, em virtude dos cortes lineares realizados no orçamento limitarem seus gastos anuais, afetando, inclusive, a utilização dos recursos próprios gerados pela venda de combustíveis, mesmo os decorrentes de exportação. 

Concretamente, embora o combustível para 2018 já esteja assegurado (3) (4), a ser mantida a atual situação, a energia elétrica de origem nuclear poderia ter seu fornecimento suspenso a partir de 2019. Este atraso pode configurar-se irreversível pela antecedência necessária para a fabricação do combustível. 

A produção de energia nuclear é um assunto da mais alta sensibilidade internacional e não pode estar sujeita a restrições que limitem a segurança do sistema, inclusive no que concerne a segurança da população. Ressalte-se enfaticamente que problemas de fluxo de recursos nessa indústria podem provocar tragédias humanas e ambientais de consequências imprevisíveis. O Brasil corre o risco de vir a violar (ou já estar fazendo) o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear da qual é signatário e onde se compromete, entre outras obrigações a: 

  • Assegurar que os recursos financeiros adequados estejam disponíveis para apoiar a segurança de cada instalação nuclear ao longo de sua vida; 
  • Assegurar que número suficiente de pessoal qualificado esteja disponível, para todas as atividades relacionadas com segurança para cada instalação, ao longo de sua vida. 

A nomeação e o afastamento de sucessivos diretores-presidentes interinos claramente não ajudou o processo de recuperação da Empresa. A clara exposição da grave situação que vem fazendo, em diversos fora, o atual diretor-presidente Leonam Guimaraes e sua recente efetivação no cargo (5) criaram as condições para que o Governo Federal assuma sua responsabilidade para a urgente solução do problema. 

Não fazê-lo implica desestruturar o estratégico Setor Nuclear brasileiro resultante de mais de 60 anos de esforços, com fortes impactos na Segurança Nacional, na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado, com graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional, inclusive no que diz respeito os compromissos assumidos em Acordos Internacionais, e à saúde da população brasileira. 

Claramente é necessário equacionar separadamente a situação de Angra 3, já que praticamente a totalidade dos agentes envolvidos está diretamente vinculada ao Governo Federal. Isso permitiria dar continuidade a geração segura de energia nuclear através das usinas Angra 1 e 2 com os recursos provenientes da tarifa assim auferidas. 

O Setor Nuclear necessita de urgente reestruturação que o fortaleça para garantir o cumprimento das atividades de sua responsabilidade, inclusive constitucionais. A geração de energia nuclear elétrica é seu principal eixo econômico e esta reestruturação deve levar em conta este amplo papel. 

Recorde-se ainda que o Setor Nuclear, em todos os países onde essa atividade é relevante, vincula-se diretamente à alta esfera do Governo Central que assume também toda responsabilidade por sua estratégia. 

No Brasil, a responsabilidade pela proteção das atividades do Programa Nuclear, bem como, da Secretaria Executiva do Comitê Interministerial que cuida do assunto está concentrada no Gabinete de Segurança Institucional, na Presidência da República. 

Pode-se resumir assim as medidas urgentes necessárias: 

  • Equacionar separadamente a situação de Angra 3 da produção de energia por Angra 1 e 2 possibilitando a utilização integral da tarifa à destinação prevista, 
  • Complementar o orçamento da INB de maneira a possibilitar, pelo menos, o uso dos recursos da venda de combustível para assegurar a geração nuclear em 2019, 
  • Cuidar para que sejam mantidas as condições técnicas, pessoais e financeiras para operação com mínimo risco das centrais existentes e do canteiro de obras, 
  • Adicionalmente é necessário tomar medidas para equacionar problemas emergentes, 
  • Encaminhar a decisão sobre o prosseguimento da construção de Angra 3 através de decisão do Conselho Nacional de Política Energética CNPE, 
  • Iniciar a reestruturação do Setor Nuclear para impedir sua deterioração administrativa e técnica e aproveitar suas potencialidades e oportunidades comerciais, facilitando a participação do setor privado e a operação dos organismos do Estado nas tarefas de sua responsabilidade, 
  • Reunir os elementos para a formulação de uma política nuclear de longo prazo, coerente com a importância estratégica dos assuntos do Setor. 

Bibliografia

  1. Petronotícias. A grave crise da Eletronuclear e INB é levada ao Presidente da Câmara que promete ajuda para uma solução . Petronotícias. [Online] 13 de novembro de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/105361.
  2. Pamplona, Nicola. Parada, Angra 3 dá prejuízo adicional de R$ 30 milhões por mês à Eletrobras. UOl Folha de São Paulo. [Online] 14 de novembro de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1935328-parada-angra-3-da-prejuizo-adicional-de-r-30-milhoes-por-mes-a-eletrobras.shtml.
  3. Petronoticias. INB recebe aporte de R$ 190 milhões que garante o abastecimento de combustível para Angra 1 e Angra 2. Petronoticias. [Online] 04 de janeiro de 2018. https://petronoticias.com.br/archives/107162.
  4. Luna, Denise. Governo faz aporte de R$ 190 mi para garantir abastecimento de usinas de Angra em 2018. Estadão. [Online] 04 de janeiro de 2018. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-faz-aporte-de-r-190-mi-para-garantir-abastecimento-de-usinas-de-angra-em-2018,70002138572 .
  5. Petronotícias. Governo acaba a interinidade e confirma Leonam Guimarães como presidente da Eletronuclear. Petronoticias.[Online] dezembro de 20 de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/106678.

Neste Número:

| É a Contabilidade, Estúpido! | Crise Econômico-Financeira na Geração Nuclear | Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017| A Continuidade de Angra 3 |Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra | O Poder da Contabilidade|’



Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

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Opinião:

A Continuidade de Angra 3

Mais uma vez coloca-se a questão sobre dar prosseguimento ou não de Angra 3. Tem sido lembrado que Angra 3 é importante para o futuro da energia nuclear no Brasil. Uma boa contribuição para o debate foi dada pelo professor Aquilino Senra em recente artigo “Desmonte do setor nuclear exclui Brasil do jogo no mercado global”. Justamente porque Angra 3 tem essa relevância, deve-se cuidar que o arranjo institucional e financeiro, a ser encontrado, não sacrifique esse futuro.

Várias questões estão sendo (re)colocadas, a predominante é sobre sua viabilidade econômica. Como primeiro passo, é útil admitir que, aplicando juros de 7% ou 5% ao ano, não é possível pagar o custo total histórico de uma obra, com duração superior a 40 anos1. Por isso, as decisões sobre reiniciar as obras de Angra 2 (1996) e Angra 3 (2001 a 2007) foram tomadas baseadas em seu custo incremental. A novidade é que, desta vez, os custos de parar Angra 3, após a interrupção de 2015, já estão atropelando a Eletronuclear e terão que ser levados em conta. Análises econômicas foram realizadas para a decisão anterior de retomada. Como houve um considerável avanço na obra, é muito provável que a resposta continue positiva apesar do custo maior constatado. 

Quanto às necessidades energéticas vale lembrar que Angra 2 foi terminada justo quando se configurou o “apagão” de 2001. A situação dos reservatórios nos últimos anos mostrou que estivemos muito perto de uma outra crise de abastecimento e que a energia firme de Angra é necessária. Não será talvez surpresa que Angra 3 venha, justamente, ajudar a remediar o próximo apagão.  

Outra questão fundamental é o da segurança da energia nuclear no que se refere a possíveis acidentes nas usinas de geração de energia elétrica. É um assunto cuja resposta definitiva pertence ao futuro.  

Depois de muita discussão sobre o acidente de Fukushima, a resposta pragmática dos países a essa questão é indicada por sua atitude frente a energia nuclear. De uma maneira esquemática, o uso para geração nuclear elétrica continua crescendo em países emergentes (China, Rússia e índia principalmente), outros (França, EUA e Reino Unido) estão retomando lentamente a construção de usinas (UK ainda não iniciou a construção), com grandes problemas econômicos que não diferem muito dos de Angra 3, e, finalmente, no grupo de países (Itália, Alemanha e Japão), cada país (nessa ordem), ou já abandonou, ou está em processo de abandonar, ou está com sérias dúvidas sobre a continuidade da geração nuclear elétrica. É interessante observar que todos esses grandes países, inclusive o último grupo (de perdedores da Segunda Guerra Mundial), não abriram mão de possuir, de compartir ou desfrutar da proteção das armas nucleares para sua defesa2 

Outra questão importante é se Angra 3, considerando seu projeto (anos setenta) e alguns equipamentos (anos oitenta) não estaria obsoleta ou insegura. É a questão abordada no abrangente relatório “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” divulgado pela Eletronuclear recentemente e cujo sumário está aqui publicado. O trabalho confronta as exigências técnicas e de segurança, expressa em padrões e normas adaptadas às novas exigências, com a realidade de Angra 3 e aponta as modificações realizadas para atender essas exigências que evoluíram em função da experiência mundial acumulada, incluindo os acidentes. 

Quanto aos equipamentos, fundamentalmente deve-se considerar que os adquiridos são equipamentos estruturais, de muito lenta obsolescência, ou que mereceram cuidadoso esquema de manutenção, orientado pelo fabricante e ainda receberam algum tipo de atualização como é o caso do turbogerador. Outros equipamentos, como a mesa de controle e os equipamentos eletrônicos, ainda não haviam sido adquiridos e são atuais. 

     


[1] Início das obras civis em 1984, interrompidas em 1986, reiniciadas em 2007 e novamente interrompidas em 2015, primeiros equipamentos encomendados em 1975.

[2] Nesse resumo, faltam as duas Coreias: ambas consideram, a seu modo, a energia nuclear fundamental (geração ou bombas). Nas potências nucleares, uma corrida trilionária de modernização das armas nucleares está em curso; isso responde a questão (não colocada) da importância estratégica da energia nuclear.


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Relatório Técnico Externo:

Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3

Sumário executivo de documento preparado pela Superintendência de Engenharia de Projetos – SET da Eletronuclear

Responsável: Jorge Mendes
Gerente de Sistemas e Instrumentação do Reator

Resumo

A Eletronuclear divulgou em fevereiro deste ano um estudo intitulado “Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3” (finalizado em 2017) sobre as atualizações técnicas e de segurança acrescentadas ao projeto de Angra 3 com relação à segurança do empreendimento. Apesar de Angra 3 ter sido planejada nos anos 1970, ao longo do tempo, mudanças foram feitas na concepção original para incorporar modernizações tecnológicas, a experiência operacional do setor nuclear e as exigências das normas nacionais e internacionais, que foram revisadas no período. Isto permite que Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões internacionais atuais. Apresenta-se aqui o sumário executivo, o Relatório Completo está disponível no site da Eletronuclear[3].

Palavras Chave:

Eletronuclear, Angra 3, programa nuclear, geração de eletricidade, crise financeira, segurança, normas internacionais, desempenho de usina nuclear.

1. Introdução

Este Sumário Executivo apresenta os pontos principais do processo utilizado pela Eletronuclear para fazer com que o projeto da usina Angra 3 mantenha a segurança e o desempenho adequados aos padrões atuais, são os seguintes:

O tipo de reator adotado em Angra 3, como nas demais unidades da CNAAA, o PWR – Reator a Água Pressurizada, permanece como o modelo internacionalmente predominante (277 de 438 reatores), tanto entre as unidades em operação como nas novas unidades em construção (50 de 60 reatores).

No processo evolutivo da tecnologia dos sistemas de segurança, 42 das 50 usinas em construção utilizando reatores PWR dispõe de sistemas de segurança de concepção similar aos de Angra 3 e apenas 8 têm sua segurança baseada extensivamente em sistemas passivos.

A usina de Angra 3 pertence ao padrão PWR 1.300 MW da Siemens, que se caracteriza por um elevado padrão de segurança e desempenho operacional, em função de suas características de projeto, dentre elas, o elevado grau de automação e o nível de redundância e diversidade adotados no projeto dos sistemas de segurança, e dos elevados requisitos de qualidade aplicados ao projeto e à fabricação dos equipamentos.

O projeto de Angra 3 utiliza Angra 2 como usina de referência, incorporando todas as modificações nela introduzidas com o objetivo de melhoria de segurança e desempenho. Um empreendimento testado e comprovado com altos índices de segurança e performance.

O projeto de Angra 3 incorpora as lições aprendidas com os acidentes já verificados em usinas nucleares de potência, a experiência internacional das últimas décadas, as alterações na base normativa nacional e internacional, além da evolução da base normativa e tecnológica de componentes e sistemas como se resume nos itens abaixo.

2. Atualização da Base Normativa

O projeto de Angra 3 foi atualizado com base nas normas alemãs válidas em 2003 quando foi solicitada a licença de construção ao órgão licenciador CNEN. No caso de componentes do circuito primário, já fornecidos com base em normas anteriores, avaliou-se que as versões mais recentes das normas não traziam alterações relevantes, permitindo validar a adequação dos mesmos para suas respectivas funções. O alto grau de requisitos técnicos das normas alemãs utilizadas em Angra 2 e 3, garante um padrão de segurança de alto nível. A base normativa e os critérios de projeto foram submetidos à CNEN, que os avaliou e concedeu a licença de construção para Angra 3 em 2010.

3. Atualização da Proteção contra Eventos Externos

No projeto de Angra 3, todos os carregamentos atuantes sobre as estruturas foram revisados e atualizados, em especial, no que diz respeito àqueles gerados pelos eventos externos. Foi realizado um estudo sobre a ocorrência de ventos extremos, com um levantamento dos registros de tornados no Brasil e adotou-se um tornado de categoria 3 na escala Fujita, correspondente aos maiores eventos já registrados no país. Foram realizadas análises detalhadas de ameaça sísmica em bases probabilísticas, por um grupo de consultores formado por geólogos, sismólogos e engenheiros estruturais renomados do Brasil e do exterior, utilizando-se a metodologia mais avançada. Estes resultados já estão sendo utilizados na Análise Probabilística de Segurança (APS) das usinas. Os primeiros resultados indicam que o risco sísmico das usinas está em níveis compatíveis com os índices de segurança internacionais. Além disso, a APS permitirá investigar os pontos mais críticos nos quais será possível atuar para aumentar ainda mais as margens de segurança já existentes.

4. Atualização de Sistemas e Equipamentos

Angra 3 terá equipamentos de Instrumentação e Controle digital no mesmo padrão dos projetos mais recentes de usinas nucleares, que deve contribuir para um melhor desempenho e segurança da planta. A sala de controle de Angra 3 é projetada com tecnologia digital e reflete o estado da arte em projetos de sala de controle. As atuações de componentes e monitoração de processos e alarmes são realizadas através de telas digitais em computadores. Em caso de perda da interface homem/máquina digital, estará ainda disponível um painel de segurança convencional para a operação da usina.

O aumento da capacidade de geração de Angra 3 (de 1350 para 1405 MWe) e a adequação às novas exigências das normas, inclui um novo disjuntor do gerador elétrico, equipamento fundamental para a conexão e desconexão com segurança da Usina ao sistema elétrico interligado nacional, considerando os 1405 MWe previstos.

O conjunto turbo-gerador foi fabricado em meados da década de 1980 pelas empresas SIEMENS AG/KWU tanto para Angra 2 como para Angra 3. Para atender ao aumento de potência de Angra 3, estão sendo promovidas mudanças indicadas pelo fabricante, incluindo a instalação de um Sistema Digital de Controle e Proteção da Turbina.

5. Atualização devido a experiência internacional

Com base nas lições aprendidas com as experiências resultantes dos acidentes relevantes acontecidos em outras usinas nucleares, o impacto em Angra 2 e 3 foi o seguinte:

  • O projeto das usinas alemãs, referência para Angra 2 e 3, foi verificado conforme a experiência e recomendações resultantes do acidente de Three Mile Island – TMI 2 (1979, EUA) e as modificações recomendadas pelo órgão licenciador US-NRC (United States – Nuclear Regulatory Commission) já haviam sido implementadas em Angra 2. Em 2010, para a licença de construção de Angra 3, foi emitido um documento para o órgão licenciador CNEN, registrando a verificação formal da aplicação de todas as recomendações da US-NRC devidas ao acidente de TMI-2.
  • Devido à experiência com o acidente de Chernobyl (1986, Ucrânia), as recomendações pertinentes foram consideradas em Angra 2 e 3, apesar da tecnologia de Chernobyl ser diferente da tecnologia de Angra 2 e 3.
  • Devido ao acidente de Fukushima Daiichi (2011, Japão), os princípios básicos de projeto, que levaram ao acidente, foram reavaliados para Angra 2 e 3 pela equipe técnica da Eletronuclear. Este trabalho é registrado em relatórios periódicos enviados e acompanhados pela CNEN. Os relatórios apresentam os resultados dos estudos e as modificações efetuadas nas usinas devidas ao acidente de Fukushima.
  • Eventos significantes ocorridos em usinas nucleares são analisados para Angra 2 e 3 através das informações obtidas por meio de convênios existentes entre a Eletronuclear e diversos órgãos como WANO (World Association of Nuclear Operators), IAEA (International Atomic Energy Agency), EPRI (Electric Power Research Institute) que nos pemitem demonstrar a adequação da segurança de Angra 2 e 3.

6. Atualização para acidentes severos

Em relação ao projeto robusto para fazer frente a eventos além da base de projeto incluindo acidentes severos com fusão do núcleo, foram introduzidas, ou já estão planejadas modificações em Angra 2, sendo introduzidas modificações no projeto de Angra 3. Por exemplo, foram projetados recombinadores passivos de Hidrogênio, dimensionados para a concentração máxima admissível de Hidrogênio no interior do edifício da Contenção do reator, de tal maneira que explosões possam ser evitadas. Adicionalmente será instalado um sistema de alívio filtrado da contenção que impede que a pressão interna supere a base de projeto. Todas as provisões para eventos além da base de projeto introduzidas em Angra 3, são similares às provisões incluídas em projetos atuais de usinas nucleares em construção.

7. Conclusões

O desempenho operacional de Angra 2 é compatível com a tecnologia atual e com os melhores desempenhos das usinas em operação. Angra 3 terá um desempenho similar e, em alguns casos superior, devido às melhorias da instrumentação e controle digital e de novos equipamentos. As melhorias introduzidas em Angra 3, para possíveis acidentes além da base de projeto, são similares às soluções implantadas recentemente nas usinas existentes e em projetos atuais de concepção similar a Angra 3. Estas características do projeto mostram que Angra 3 será uma usina moderna e com um padrão de segurança compatível com as usinas atualmente em construção.

[3] http://www.eletronuclear.gov.br/LinkClick.aspx?fileticket=tcCBiUp1yAw%3D&tabid=69


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Artigo:

O Poder da Contabilidade

Patrícia Sena,
Carlos Feu Alvim e
Leonam Guimarães

Resumo

O poder da Contabilidade está também presente em nossas contas externas (Balanço de Pagamentos) e nas Contas Nacionais. A mais recente mudança de critério do FMI acarretou um acréscimo na dívida externa brasileira de mais de 120 bilhões de dólares. O Conceito tradicional da Contabilidade Nacional é que ela referia-se a contabilidade dentro das fronteiras físicas de um país, ou seja, no Território Nacional, dentro de seus limites geográficos. A contabilidade externa se ocupava das trocas entre territórios, ou seja, através das fronteiras dos países.

Sem muito alarde, este conceito foi mudado por norma do FMI. No novo conceito, que rege essas contabilidades: as transações externas não são mais entre países, mas entre residentes e não residentes. As normas do FMI explicitam que isso é válido mesmo que o produto seja um recurso natural como a água, petróleo ou gás natural e que as transações tenham sido feitas em reais.

Palavras Chave:

Contabilidade, Receita Federal, Balanço de Pagamentos, Contas Nacionais, Contas externas, Lei 11.638, poder da contabilidade, Banco Central, FMI, BPM6.

1. Objetivo do Trabalho

A contabilidade está inevitavelmente associada ao exercício do poder em suas diversas esferas. É através dela que o cidadão e, sobretudo, o empresário brasileiro sente o peso da Receita Federal, Estadual ou Municipal. O poder da Contabilidade está também presente em nossas contas externas (Balanço de Pagamentos) e nas Contas Nacionais. A mais recente mudança de critério do FMI acarretou um acréscimo na dívida externa brasileira de mais de 120 bilhões de dólares. Foi ainda uma diferença contábil o motivo formal do impeachment da Presidente do Brasil. A contabilidade também se estende as áreas não monetárias onde é utilizada como instrumento de conhecimento e de tomada de decisão gerencial e política.

É interessante notar que este poder passa diretamente pelos profissionais da área, os contadores, mas que normalmente aparecem apenas como produtores das informações intermediárias. E é até curioso que não se tenha dado destaque a opinião de autoridades do conhecimento contábil no caso do impeachment presidencial. No caso das profundas mudanças ocorridas nas Contas Nacionais e no Balanço de Pagamentos, não consta que tenham sido ouvidos os conselhos da classe contábil.

As mudanças ocorridas nas Contas Nacionais e no Balanço de Pagamentos foram tão significativas quanto às mudanças ocorridas na contabilidade empresarial a partir de Dezembro de 2007, com a sanção da Lei 11.638 (1) (para alteração da Lei 6.404), momento que marcou a maior revolução contábil no Brasil dos últimos 30 anos. E nesse momento, os profissionais da Contabilidade aprofundaram seus conhecimentos acerca das mudanças introduzidas para adequar, ao padrão internacional, as demonstrações Financeiras.

A Lei 11.638 usou a estrutura já existente do CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), que havia sido criado em 2005 pelo CFC (Conselho Federal de Contabilidade). Este órgão ficou responsável por traduzir os padrões internacionais para o português e, também, por adaptá-los à realidade brasileira, emitindo Pronunciamentos, Interpretações e Orientações técnicas convergentes com as normas internacionais.

Este artigo tem como objetivo chamar a atenção para o a importância dessas contabilidades (nacional e externa) e da necessidade da contribuição do conhecimento dos profissionais da Ciência Contábil na análise das profundas mudanças que estão sendo introduzidas. Também busca chamar a atenção sobre a oportunidade aberta aos profissionais da Ciência Contábil no Brasil de assumirem um papel mais ativo na discussão dos problemas apresentados, hoje enfatizado e discutido por economistas.

2. A Contabilidade e as Influências da Matemática em seus Primórdios na Europa

A Contabilidade é a ciência que estuda, interpreta e registra os fenômenos que afetam o patrimônio de uma entidade (2). As primeiras manifestações contábeis datam de 2000 a. C. com os sumérios. A própria Bíblia, cujos primeiros relatos são considerados a partir de (1800 a. C.) apresenta várias referências à contabilidade (3) inclusive a de ovelhas, associada à origem das técnicas contábeis. Igualmente são atribuídas à necessidades da Contabilidade, o próprio desenvolvimento da numeração e da escrita e muitos progressos na Matemática.

Não é, pois, uma coincidência que tenha sido o matemático Leonardo Fibonacci quem introduziu na cultura europeia tanto os algarismos arábicos como as técnicas contábeis. Seu livro Liber Abaci trata da Aritmética Comercial e de vários problemas ligados ao comércio. A partir do século XV coube ao Frei Luca Pacioli a divulgação do método das partidas dobradas, encerrando a fase menos organizada da contabilidade. O método consta de um capítulo de seu livro “Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalità”. Luca Pacioli é considerado o pai da contabilidade Moderna (4).

Apesar da influência matemática, a Contabilidade não é considerada uma ciência exata. Ela é uma ciência social, pois é a ação humana que gera e modifica o fenômeno patrimonial. Todavia, a contabilidade utiliza os métodos quantitativos como sua principal ferramenta, pois eles mostram o valor do patrimônio da empresa. Seu campo de atuação é bastante vasto e aplica-se a todos os aspectos socioeconômicos de uma sociedade (5). De acordo com a doutrina oficial brasileira (6) (organizada pelo CFC – Conselho Federall de Contabilidade) a contabilidade é uma ciência social, assim como, a economia e a administração.

A contabilidade como ciência social se reflete na vida de toda sociedade seja por meios da obrigatoriedade da contabilidade para as empresas (hoje imposta pelo Novo Código Civil), seja na utilização para arrecadação de impostos pelos governos. Porém o objetivo principal da contabilidade é o patrimônio, seja ele de pessoas físicas jurídicas, Estado ou Nação, visando seu controle.

3. A Contabilidade e o Poder da Informação

O registro das transações de uma companhia é de suma importância para sua sobrevivência no mercado; é por meio dessas informações que portas para negócios e oportunidades, se abrem ou se fecham. Pode-se assim dizer que, a Contabilidade é Informação expressa em números, e é por meio dessas informações que a Contabilidade produz em seus relatórios financeiros, que o real patrimônio da organização é revelado. Senão vejamos:

  1. – As mutações decorrentes das operações empresariais constituem o único veículo que um investidor nacional ou estrangeiro tem de diagnosticar a qualidade de vida e a saúde financeira de uma empresa;
  2. – É um meio também, pelo qual toda a empresa fica registrada de modo a ser avaliada no passado, presente e futuro, para que se tenha conhecimento do seu progresso, estagnação financeira ou retrocesso;
  3. – A contabilidade fornece o máximo de informações úteis para a tomada de decisões dentro e fora da empresa. É onde se enquadra o papel do contador, o qual deverá estar interagindo com os gestores de modo que, essas informações, sejam as mais objetivas e precisas possíveis, levando para a entidade os relatórios mais fidedignos da realidade empresarial e ser, assim, o melhor instrumento para a tomada de decisão;
  4. – É por meio de balanços contábeis que a organização tem ou não acesso a uma linha de crédito de instituições financeiras, seja ela pública ou privada, e até mesmo a processos licitatórios;
  5. – A contabilidade deve atender a necessidade de cada segmento, vise ele o lucro ou não. Ela permite a busca constante de respostas no mundo dos negócios, possibilitando não só que investidores se beneficiem de suas informações na corrida constante pelo lucro, como os demais cidadãos as usem na busca de melhores condições sociais. As empresas, como as organizações sem fim lucrativo, são parte integrante da sociedade e, por sua vez, exercem influência sobre ela com suas decisões. Torna-se assim a contabilidade uma ciência envolvida no contexto geral da sociedade, sendo, como já foi aqui lembrado, uma ciência social.

A contabilidade, aliada à informação, que é produzida por meio de seus relatórios e instrumentos financeiros, principalmente nos pontos citados, reforça seu poder com o da informação. O poder da contabilidade não se restringe somente em orientar onde decidir investir, ou meramente, liberar linhas de créditos, vai além atingindo a decisão de importar ou exportar, bem como, de permitir a participação em processos licitatórios. O poder de fazer provas judiciais, por exemplo, pode inclusive restringir a liberdade, entre outros. Fica claro que o poder da informação contábil, expressa em relatórios fidedignos, pode muito por seus efeitos.

4. A contabilidade ampliou seus Poderes com a Informática

Os estreitos laços com a ciência dos números são responsáveis, também, pelo grande impacto que tem o progresso da informática sobre a prática contábil moderna. Hoje não são mais os contadores “cientistas de números e cálculos”. Aqueles profissionais, especializados em contabilidade simples e pura, partidas dobradas, pesquisadores do estudo do patrimônio, estão em extinção. As vertentes da tecnologia e a busca contínua pelo aumento da arrecadação dos governos transformaram esses profissionais em verdadeiros “infomaníacos”, guardando pouca relação com os aspectos científicos de sua disciplina.

Este domínio das atividades dos contadores visando atender a normatizações, no caso do Brasil, emanadas principalmente da Receita Federal e do Banco Central, pode ser descrito como o poder da Receita submetendo cidadãos, empresários e contadores a seu controle (4). Com efeito, o poder arrecadador acrescentou à Receita Federal uma nova ferramenta o T-Rex, um supercomputador que leva o nome do “Tiranossauro Rex”, e o software Harpia, ave de rapina, que teria até a capacidade de aprender com o “comportamento” dos contribuintes para detectar irregularidades. A isso se soma um poderoso computador do Banco Central, que já está sendo chamado Hal. A partir da estreia do Hal, com um simples clique, COAF, Ministério Público, Polícia Federal e qualquer juiz têm acesso a todas as contas que um cidadão ou uma empresa mantêm no Brasil.

Este quadro mostra como a contabilidade, aliada à informática, transformou-se em uma nova forma de exercício do poder que é muito mais amplo e atinge a um número pouco conhecido de atividades. O exercício deste poder tem escapado aos profissionais da área, o que renova a importância do aperfeiçoamento das ciências contábeis e dos seus profissionais. O novo poder da Contabilidade é um desafio aos profissionais da área. É também um desafio ao exercício da Democracia, uma vez que resoluções que afetam profundamente as vidas dos cidadãos têm sido tomadas fora do seu conhecimento e quase sem nenhum controle da Sociedade.

5. A Contabilidade é mais Ampla que a do Dinheiro

Ao abordar o poder associado à Contabilidade, devemos começar por lembrar que ela não envolve apenas valores monetários, nem se restringe a pessoas físicas e empresas ou outras entidades jurídicas, públicas e/ou privadas. Existe a Contabilidade Nacional que envolve todas as atividades de um país e a Contabilidade Externa ou Balanço de Pagamentos que se refere (ou se referia) às transações entre países cujos conceitos estão em fase de mudança.

Além disso, a contabilidade, que parece ter nascido para avaliar rebanhos, continua a ser usada para isso. Entretanto, ela se aplica também a frota de veículos, estradas, movimento aéreo, cargas transportadas, população, residências, doenças, pragas e a um sem número de assuntos que se enquadram ou não na contabilidade de valores monetários.

Com ligeiras adaptações, as técnicas contábeis aplicam-se, por exemplo, à avaliação das emissões de gases causadores de efeito estufa, de imensa importância, para o futuro do planeta. A contribuição de cada país para a emissão dos diversos gases é contabilizada. Para cada gás se atribui um valor (como o preço na contabilidade monetária) em unidades de equivalente a gás carbônico. Fluxo e estoque desses gases são avaliados para se deduzir o esperado efeito sobre o aquecimento global. Este controle também está sendo feito a nível empresarial.

Também se aplica o mesmo conceito ao controle de materiais nucleares para evitar que eles sejam desviados para a fabricação de armas nucleares. Para monitorar essas atividades existem órgãos da ONU, nacionais e regionais que controlam essas atividades “contábeis”. Por exemplo, o Brasil é parte da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). Na área energética, cada país elabora seu Balanço Energético anual onde toda a energia produzida, transformada e consumida nas empresas, unidades residenciais e locais públicos é igualmente monitorada por processos contábeis.

Essas contabilidades também se prestam ao exercício do poder. O controle de materiais nucleares derivou diretamente do desejo de conter a proliferação das armas nucleares, entretanto essa ação decorre do desejo dos países dominantes de manterem a exclusividade no uso dessas armas. O inventário de gases de efeito estufa serve para que países se submetam a limitações que, se não cumpridas, podem resultar em punições ou perdas de vantagens políticas e econômicas.

6. A Contabilidade Nacional e Externa e suas Recentes Mudanças

O ponto nevrálgico deste artigo é, no entanto, chamar a atenção para duas contabilidades que afetam diretamente a economia dos países. É a chamada Contabilidade Nacional e o Balanço de Pagamentos que corresponde (ou correspondia) à contabilidade entre países. Os líderes da formulação da metodologia que rege essas contabilidades são respectivamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI. Um resumo de como as normas internacionais são internalizada no Brasil é mostrado no Anexo.

O Conceito tradicional da Contabilidade Nacional é que ela referia-se a contabilidade dentro das fronteiras físicas de um país, ou seja, no Território Nacional, dentro de seus limites físico-geográficos. A contabilidade externa se ocupava das trocas entre territórios, ou seja, através das fronteiras dos países.

Sem muito alarde, conforme exposto na referência (7), este conceito foi mudado por norma do FMI. No novo conceito, que rege essas contabilidades: as transações externas não são mais entre países, mas entre residentes e não residentes.

Esta definição poderia levar a conclusão que não existe mais comércio entre países, mas, entre pessoas. Ou então, poderia ser considerada uma “nação virtual” composta por não residentes com a qual seria registrado o comércio dos residentes, com os não residentes no país.

Mas não foi esta a solução adotada pelo FMI: quando um residente nacional negocia com um “não residente” ele está negociando com o país onde este “não residente” efetivamente reside. Ou seja, se uma empresa de brasileiros vende um produto para outra empresa cujo capital é de um residente tailandês está havendo uma exportação do Brasil para a Tailândia. Isto é válido, mesmo se o produto permanecer no Brasil e o comércio for realizado em reais. Nota-se que o residente tailandês pode ser, inclusive, de nacionalidade brasileira. Os critérios de residência permanente do possuidor do capital são cuidadosamente definidos no Manual de Balanço de Pagamentos do FMI, agora em sua sexta edição – PBM6 (8). Nada impede também que o possuidor do capital que fixa a nacionalidade do importador esteja temporariamente residindo no Brasil.

O raciocínio também funciona no sentido inverso: Se a empresa do residente tailandês instalada no Brasil vende seu produto para uma empresa brasileira (propriedade de residente no Brasil) está havendo uma exportação da Tailândia para o Brasil e, consequentemente, o Brasil está importando um produto feito no próprio Brasil. As normas do FMI explicitam que isso é válido mesmo que o produto seja um recurso natural como a água, petróleo ou gás natural e que as transações tenham sido feitas em reais.

Quem lida com contabilidade, pode claramente compreender, as dificuldades que isto gera no sistema das contas nacionais. O FMI pensou no assunto e tratou, em associação com o Banco Mundial que lidera a metodologia das Contas Nacionais, de como equacionar o problema. Para que as contas nacionais possam “fechar” é necessário que o produto da empresa tailandesa, fabricado no Brasil, seja retirado da produção brasileira e passe a ser registrado como produto tailandês. Assim, não haveria dupla contagem quando ele fosse “importado” da Tailândia para o Brasil.

Para completar o quadro, foi criado o conceito de extensão do “território econômico” de um país sobre as fronteiras físicas do outro. Na nova sistemática, a empresa tailandesa no Brasil passa a fazer parte do “território econômico” da Tailândia. A produção tailandesa em território físico brasileiro (que poderia ser água extraída dos mananciais brasileiros) seria considerada como produzida no território econômico tailandês e, naturalmente, seu consumo no Brasil só é possível contabilmente através de sua “importação” da Tailândia. Naturalmente as Contas Nacionais da Tailândia registrarão a produção, no caso suposto, de água da fonte brasileira.

O Banco Central que cuida do Balanço de Pagamentos do Brasil adotou a Metodologia PBM6 do FMI em 2016 e a aplicou aos dados de 2015 e, retroativamente, aos de 2010 a 2014. Comparou os resultados obtidos com o resultante da aplicação da versão anterior (BPM5) (9). Mesmo sem nenhuma mudança metodológica substancial, apenas variando os critérios de sua aplicação, isto resultou numa redução das exportações brasileiras e um aumento das importações com impacto acumulado de 10,4 bilhões de dólares no período.

Mudança ainda mais importante ocorreu em relação às transações correntes. Na nova metodologia do FMI, mesmo com os critérios do BPM5, os reinvestimentos das companhias de capital estrangeiro (de não residentes) no Brasil passaram a ser considerados como investimentos externos. Notar que essas empresas, na maioria, são consideradas pelas leis brasileiras como empresas nacionais, desde que sejam registradas no Brasil. Esses reinvestimentos resultam, portanto, de lucros auferidos em reais no Brasil de empresas consideradas nacionais. O Balanço de Pagamentos foi concebido para dar, como resultado, as necessidades de financiamento em moeda estrangeira. Para transformar esses reinvestimentos em investimentos externos foi preciso registrá-los no que se chamou de “hiato financeiro”. Para fechar as contas externas, ao invés de utilizar-se o déficit das transações correntes apurado pela metodologia FMI, utiliza-se o valor do déficit menos o do “hiato financeiro”[1].

Nele também passou a figurar os juros pagos por títulos de renda fixa no Brasil (novidade no BPM6), abatidas despesas com as reservas. No período de 2010 a 2014 isso resultou, conforme a avaliação do próprio BC, em um agravamento do déficit de 73,1 bilhões de dólares. Houve ainda um ganho no setor serviços de 3,9 bilhões de dólares sendo o resultado global sobre as transações correntes de –79,6 bilhões de dólares. Além disto, a mudança de critérios entre as duas revisões metodológicas (incorporação dos títulos de renda fixa de não residentes) fez crescer a dívida externa em 127 bilhões de dólares (dados de 2017).

7. O Poder da Contabilidade e os Desafios ao Contador

Os exemplos apontados mostram claramente o poder que vem sendo exercido através da contabilidade nas mais diversas esferas de atuação tanto no nível nacional como no nível internacional. A Contabilidade permeia muitas outras áreas do conhecimento humano e certamente a contribuição dos profissionais da contabilidade é sempre bem-vinda. Eugênio Staub afirma que a Capacidade de adaptação é uma das virtudes exigidas dos candidatos à sobrevivência na economia globalizada”.

No atendimento dos clientes habituais, o contador enfrenta hoje um arsenal tecnológico dos entes Federais, Estaduais e Municipais, que já trabalham integrados, desenvolvido e custeado pelos próprios contribuintes. E, em certa medida, consideram válido que “todos são culpados até que provem o contrário”.

As empresas contábeis são obrigadas a investir pesado para conseguir acompanhar o ritmo frenético e alucinante em inovações tecnológicas. Tudo para cumprir os ritos e obrigações impostas pelos órgãos da Receita que se apoiam em um imenso poderio tecnológico.

Mais e mais melhorias em infraestrutura são necessárias para atender, com e eficácia, os exigentes relatórios demandados pelos diferentes órgãos públicos. Se no século XV o contador era necessário, no século XXI ele é primordial para a existência, sobrevivência e continuidade das empresas.

Como no passado, a superação profissional, mais uma vez, abre caminho para as oportunidades de mercado para os profissionais da Contabilidade. A base fundamental, do trabalho dos contadores atuais junto aos clientes, é de aconselhamento e consultoria como medidas preventivas contra irregularidades.

O profissional da contabilidade tem um duplo desafio:

  • Por um lado, tem que se preparar para apoiar o cliente. Nesse novo tempo, os contadores cumprem todos os prazos, aconselham seus clientes e oferecem consultoria preventiva. As multas são altas, sendo a base das autuações o faturamento do governo. Investem em suas empresas contábeis, compram softwares de altas tecnologias, legalizados e bem integrados. A contabilidade do futuro tem regras editadas pela Receita Federal. A ciência social entrou no campo da ciência da tecnologia aplicada às Leis. O versátil profissional da contabilidade, além de dominar as mais modernas ferramentas tecnológicas, deve ainda procurar atualização constante e aprofundada de estudos legais nos ramos em que atuam.
  • Por outro lado, a contabilidade passou a ser instrumento de poder na área internacional tanto no que se refere a valores monetários como em outras áreas de atividade. Os profissionais da contabilidade devem estar preparados para grandes desafios, que podem incluir colaboração para enfrentar regras internacionais que podem atingir a saúde econômico-financeira do País. Complementarmente, a extensão da aplicação das técnicas contábeis a outras áreas também é uma oportunidade a eles aberta.

A valorização da Classe Contábil passa certamente por alcançar a capacidade para enfrentar os grandes desafios que lhe estão sendo impostos por tantas novidades políticas, econômicas e tecnológicas. Esses profissionais que já merecem o reconhecimento da sociedade, por contribuírem para o desenvolvimento do País em suas múltiplas funções, tem agora a oportunidade de enfrentar as novas frentes de trabalho que se apresentam.

Referências

  1. LEI Nº 11.638 de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei no 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e estende às sociedades de grande porte disposições relativas à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras. [Online] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11638.htm.
  2. FEA – USP. O que é Contabilidade. FEAUSP. [Online] https://www.fea.usp.br/contabilidade/pos-graduacao.
  3. Accounting in the Bible. HAGERMAN, ROBERT L. 2, Birminghan, Alabama : The Birmingham Publishing Company, 1980, Vol. 7.
  4. Só Contabilidade. Biografias. socontabilidade. [Online] http://www.socontabilidade.com.br/conteudo/biografia_autores.php
  5. Sena, Patrícia. Contabilidade – seu Valor “do passado ao futuro”. Linqued in. [Online] fevereiro de 2016. https://pt.linkedin.com/pulse/contabilidade-seu-valor-do-passado-ao-futuro-patr%C3%ADcia-sena.
  6. Conselho Federal de Contabilidade. RESOLUÇÃO CFC N.º 774/94. . Apêndice à Resolução sobre os Princípios Fundamentais de. Contabilidade. [Online] 16 de dezembro de 1994. http://app.senar.org.br/legislacao/setor_cont/res_cfc_774.pdf.
  7. Carlos Feu-Alvim, Andreza Starling, Olga Mafra. Mudanças no Balanço de Pagamentos. Economia e Energia. 96, julho-setembro de 2017. http://ecen.com.br/?page_id=661.
  8. International Monetary Fund. Sixth Edition of the IMF’s Balance of Payments and International Investment Position Manual (BPM6). IMF. [Online] november de 2013. http://www.imf.org/external/pubs/ft/bop/2007/bopman6.htm.
  9. Banco Central do Brasil. Série histórica do Balanço de Pagamentos – 5ª edição do Manual de Balanço de Pagamentos e Posição de Investimento Internacional (BPM5). BCB. [Online] http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/Seriehist_bpm5.asp.

ANEXO: Os Caminhos das Normas Contábeis

As Figuras 1 a 3 mostram as trajetórias das normas internacionais para as brasileiras, no Balanço de Pagamentos, nas Contas Nacionais e para a contabilidade de grandes empresas.

Figura 1: Manual BPM6 e Notas Metodológicas do Banco Central

Figura 2: Sistema de Contas Nacionais e Notas Metodológicas IBGE

Normas Empresariais

Figura 3: As normas internacionais ISA (International Accounting Standard) são aprovadas pelo Comitê Diretor do IASB International Accounting Standard Board e são divulgadas e difundidas pela Fundação IFRS. Estas normas são traduzidas e adaptadas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, órgão privado criado pela Resolução CFC n° CFC 1055/05 e composto pelas organizações (ABRASCA, APIMEC NACIONAL, BOVESPA, Conselho Federal de Contabilidade, FIPECAFI e IBRACON). O caso exemplo mostrado é da IAS 36 sobre impairment “traduzida” (sempre são necessárias adaptações) pelo “pronunciamento” CPC 01. A CVM, na Deliberação 639 de 07/10/2010, aprovou e tornou obrigatória a adoção do CPC 01 para as companhias de capital aberto. Igualmente a ANEEL, na Resolução normativa 605 de 19/02/2014, aprovou o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico – MCSE (não mostrado na figura) que também adotou o CPC 01.

[1] Uma “pedalada” que deve fazer corar os profissionais da Contabilidade.


Neste Número:

É a Contabilidade, Estúpido! | Crise na Geração NuclearA Continuidade de Angra 3 | Atualização do Padrão Técnico e de Segurança do Projeto de Angra 3  | O Poder da Contabilidade | E&E 98 Tudo |


Crise na Geração Nuclear


Economia e Energia – E&E    Nº 98,  janeiro a março 2018

ISSN 1518-2932

CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA NA GERAÇÃO NUCLEAR

José Israel Vargas,
Carlos Feu Alvim e
Olga Mafra

 Resumo:

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocaria virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. No presente o Brasil encontra-se novamente em uma encruzilhada em relação à Angra 3. A interrupção das obras em 2015 gerou o vencimento de compromissos com os bancos financiadores em valores de 55 milhões de R$ que absorveriam cerca de 20% de sua receita, advinda da geração de Angra 1 e 2. A desestruturação do Setor Nuclear Brasileiro, considerado estratégico para a Segurança Nacional, terá graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional. Também terá fortes impactos na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear, do qual depende não só o abastecimento de energia da Região Sudeste, mas também a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado.

Palavras Chave:

Eletronuclear, programa nuclear, geração de eletricidade, Central de Angra, Angra 3, INB, crise financeira, segurança do sistema, Segurança Nacional.

Resumo da situação da Geração Elétrica Nuclear no Brasil em dezembro de 2017

Em 13 de Novembro do ano passado as direções da Eletronuclear e da INB reuniram-se com o Presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para chamar a atenção sobre a grave situação econômico-financeira da área da geração de energia eletronuclear (1). O Diretor Presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães confirma que esta situação é fundamentalmente devida aos dispêndios induzidos pelo estado em que se encontra o projeto de construção de Angra 3.

Os gastos com a interrupção de Angra 3 absorvem as tarifas geradas por Angra 1 e 2, já reduzidas em valor real de 14%, pela ação ANEEL. Embora os recursos gerados sejam suficientes para manter as duas usinas, em pleno funcionamento, a inadimplência das responsáveis contratuais pela construção de Angra 3 quais sejam a Eletrobras e os financiamentos dos bancos BNDES e Caixa Econômica Federal, com a transferência dos encargos assumidos, tornou insustentável a situação da empresa.

De fato o não cumprimento pela Eletrobrás dos encargos, tanto o inicialmente acordado (de 20%), como o ampliado posteriormente (de 40%), bem como daqueles de responsabilidade dos referidos bancos, em decorrência da mencionada interrupção do projeto Angra 3, agravou-se mais ainda pelo início de cobrança pelos bancos de juros sobre os passados investimentos, atualmente em 30 milhões de reais mensais (do BNDES) e que alcançariam mensalmente 55 milhões de reais com a prevista incorporação dos pagamentos devidos à CEF.

A situação financeira da Eletronuclear já vinha apresentando problemas, desde 2015, com a crescente transferência de responsabilidade pelo investimento na construção de Angra 3. Este conjunto inicial de eventos provocara virtual insustentabilidade da empresa no ano de 2015. Com efeito, a declaração de impairment (redução do valor de recuperação de um ativo) de 3,4 bilhões de reais reduziu a zero, naquele ano, o patrimônio líquido da Empresa. Além disso, a impossibilidade da controladora Eletrobrás de aportar, como apontado acima, recursos próprios conforme previsto em contrato tanto inicial como o posterior já tornara o empreendimento problemático. A situação do impairment  poderia ter sido, em princípio, resolvida com a repactuação da tarifa de Angra 3, persistindo, no entanto, o problema do aporte de recursos próprios cujo equacionamento estava em estudo.

Isso se tornou politicamente inviável quando as operações da Polícia Federal e Justiça Brasileira com as operações “Lava Jato” e “Pripyat” atingiram membros da alta direção da Empresa.

Foi nesse quadro que se decidiu suspender a construção de Angra 3, no entanto não motivada diretamente por essas operações, mas, pela incapacidade política de equacionar os problemas já existentes.

A paralisação da construção de Angra 3 (2) agravou a situação como esclarece o Presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., fazendo cessar o fluxo financeiro dos empréstimos assumidos e naturalmente, acrescentadas despesas com o adiantamento do vencimento de juros já referidos e exorbitantes na conjuntura, que seriam normalmente pagos após a conclusão do empreendimento, pela geração de recursos resultantes do funcionamento de Angra 3.

Além disto, a Empresa deve arcar com a manutenção do canteiro de obras que é uma obrigação que envolve a preservação do investimento já realizado com a construção de Angra 3 e os requerimentos de segurança das centrais em operação. Com a paralisação das obras, foram geradas obrigações vencidas com fornecedores, que atualmente alcançam 50 milhões de reais.

A crise atual envolve, em virtude dos encargos referidos, a própria produção de combustível nuclear pela empresa Indústrias Nucleares do Brasil – INB com a qual a Eletronuclear já reduziu seus compromissos de pagamento de combustíveis, a partir de outubro deste ano, face à previsível  indisponibilidade de recursos. A situação da INB ficou crítica, além disto, em virtude dos cortes lineares realizados no orçamento limitarem seus gastos anuais, afetando, inclusive, a utilização dos recursos próprios gerados pela venda de combustíveis, mesmo os decorrentes de exportação.

Concretamente, embora o combustível para 2018 já esteja assegurado (3) (4), a ser mantida a atual situação, a energia elétrica de origem nuclear poderia ter seu fornecimento suspenso a partir de 2019. Este atraso pode configurar-se irreversível pela antecedência necessária para a fabricação do combustível.

A produção de energia nuclear é um assunto da mais alta sensibilidade internacional e não pode estar sujeita a restrições que limitem a segurança do sistema, inclusive no que concerne a segurança da população. Ressalte-se enfaticamente que problemas de fluxo de recursos nessa indústria podem provocar tragédias humanas e ambientais de consequências imprevisíveis. O Brasil corre o risco de vir a violar (ou já estar fazendo) o Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear da qual é signatário e onde se compromete, entre outras obrigações a:

  • Assegurar que os recursos financeiros adequados estejam disponíveis para apoiar a segurança de cada instalação nuclear ao longo de sua vida;
  • Assegurar que número suficiente de pessoal qualificado esteja disponível, para todas as atividades relacionadas com segurança para cada instalação, ao longo de sua vida.

A nomeação e o afastamento de sucessivos diretores-presidentes interinos claramente não ajudou o processo de recuperação da Empresa. A clara exposição da grave situação que vem fazendo, em diversos fora, o atual diretor-presidente Leonam Guimaraes e sua recente efetivação no cargo (5) criaram as condições para que o Governo Federal assuma sua responsabilidade para a urgente solução do problema.

Não fazê-lo implica desestruturar o estratégico Setor Nuclear brasileiro resultante de mais de 60 anos de esforços, com fortes impactos na Segurança Nacional, na independência e sustentabilidade de todo o complexo nuclear do qual depende não só abastecimento de energia da Região Sudeste, mas a estabilidade do Sistema Elétrico Interligado, com graves implicações na estabilidade de atividades ligadas à defesa nacional, inclusive no que diz respeito os compromissos assumidos em Acordos Internacionais, e à saúde da população brasileira.

Claramente é necessário equacionar separadamente a situação de Angra 3, já que praticamente a totalidade dos agentes envolvidos está diretamente vinculada ao Governo Federal. Isso permitiria dar continuidade a geração segura de energia nuclear através das usinas Angra 1 e 2 com os recursos provenientes da tarifa assim auferidas.

O Setor Nuclear necessita de urgente reestruturação que o fortaleça para garantir o cumprimento das atividades de sua responsabilidade, inclusive constitucionais. A geração de energia nuclear elétrica é seu principal eixo econômico e esta reestruturação deve levar em conta este amplo papel.

Recorde-se ainda que o Setor Nuclear, em todos os países onde essa atividade é relevante, vincula-se diretamente à alta esfera do Governo Central que assume também toda responsabilidade por sua estratégia.

No Brasil, a responsabilidade pela proteção das atividades do Programa Nuclear, bem como, da Secretaria Executiva do Comitê Interministerial que cuida do assunto está concentrada no Gabinete de Segurança Institucional, na Presidência da República.

Pode-se resumir assim as medidas urgentes necessárias:

  • Equacionar separadamente a situação de Angra 3 da produção de energia por Angra 1 e 2 possibilitando a utilização integral da tarifa à destinação prevista,
  • Complementar o orçamento da INB de maneira a possibilitar, pelo menos, o uso dos recursos da venda de combustível para assegurar a geração nuclear em 2019,
  • Cuidar para que sejam mantidas as condições técnicas, pessoais e financeiras para operação com mínimo risco das centrais existentes e do canteiro de obras,
  • Adicionalmente é necessário tomar medidas para equacionar problemas emergentes,
  • Encaminhar a decisão sobre o prosseguimento da construção de Angra 3 através de decisão do Conselho Nacional de Política Energética CNPE,
  • Iniciar a reestruturação do Setor Nuclear para impedir sua deterioração administrativa e técnica e aproveitar suas potencialidades e oportunidades comerciais, facilitando a participação do setor privado e a operação dos organismos do Estado nas tarefas de sua responsabilidade,
  • Reunir os elementos para a formulação de uma política nuclear de longo prazo, coerente com a importância estratégica dos assuntos do Setor.

Bibliografia

  1. Petronotícias. A grave crise da Eletronuclear e INB é levada ao Presidente da Câmara que promete ajuda para uma solução . Petronotícias. [Online] 13 de novembro de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/105361.
  2. Pamplona, Nicola. Parada, Angra 3 dá prejuízo adicional de R$ 30 milhões por mês à Eletrobras. UOl Folha de São Paulo. [Online] 14 de novembro de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1935328-parada-angra-3-da-prejuizo-adicional-de-r-30-milhoes-por-mes-a-eletrobras.shtml.
  3. Petronoticias. INB recebe aporte de R$ 190 milhões que garante o abastecimento de combustível para Angra e Angra 2. Petronoticias. [Online] 04 de janeiro de 2018. https://petronoticias.com.br/archives/107162.
  4. Luna, Denise. Governo faz aporte de R$ 190 mi para garantir abastecimento de usinas de Angra em 2018. Estadão. [Online] 04 de janeiro de 2018. http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-faz-aporte-de-r-190-mi-para-garantir-abastecimento-de-usinas-de-angra-em-2018,70002138572 .
  5. Petronotícias. Governo acaba a interinidade e confirma Leonam Guimarães como presidente da Eletronuclear. Petronoticias.[Online] dezembro de 20 de 2017. https://petronoticias.com.br/archives/106678.

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