Economia e Energia Nº 95, Abril a Junho de 2017 – Ano XXI
ISSN 1518-2932
As Metas Brasileiras de Emissões de Gases de Efeito Estufa e a Contribuição Nacionalmente Determinada – CND do Brasil
Carlos Feu Alvim, Olga Mafra
Resumo:
O Brasil apresentou suas metas para emissões de gases de efeito estufa através da Contribuição Nacionalmente Determinada. As metas são apresentadas pelos principais itens que compõem o Inventário Nacional.
O expressivo resultado alcançado no desflorestamento criou a falsa impressão de que se pode conciliar facilmente a queda das emissões com o crescimento econômico. Nos outros itens, a emissão continuou a crescer. Aborda-se o problema da falta de discussão dos setores interessados na fixação de metas que podem travar o desenvolvimento.
Palavras Chave:
Efeito estufa, GES, gases de efeito estufa, desflorestamento, desmatamento, emissões, desenvolvimento econômico
1 As Emissões de GEE de 1990 a 2014
O Brasil apresentou em sua (pretendida) Contribuição Nacionalmente Determinada – CND uma perspectiva de redução das emissões ambiciosa conforme solicitada para os Países para a Conferência de Paris. Neste documento, mais conhecido pela sigla em inglês iNDC (Intended Nationally Determined Contribution), cada país apresentou as medidas pretendidas para contribuir com o objetivo de de limitar em 2°C o aumento da temperatura atmosférica mundial. O Brasil apresentou em sua Declaração as metas e medidas pretendidas nos horizontes de tempo 2025 e 2030. [1]
Os resultados apresentados para as emissões (até 2014) estavam em bom acordo com o também ambicioso esforço prometido na Conferência do Clima de Copenhagen em 2009. O Ministério de Meio Ambiente MMA, no pós-Conferência de Paris, eliminou o termo “pretendida” sob a alegação de que, após a retificação, as ações e medidas propostas passaram a ser um compromisso. A interpretação é discutível uma vez que a contribuição brasileira só se tornará efetiva quando for concretizada. Em todo caso, tem o mérito de evitar o termo “pretendida” que sempre exigia explicações sobre seu significado e guarda um incômodo duplo sentido”[2].
A Figura 1 mostra o resultado alcançado relativo às emissões com destaque ao êxito na contenção do desflorestamento, principalmente na Região Amazônica, abordado nesta edição da E&E.
É fácil perceber que as emissões atribuídas ao item Floresta e Usos da Terra parecem de natureza bem diferente que as demais representadas pelo item “Outros”. Enquanto as demais têm um ritmo de crescimento que pode-se supor diretamente ligado à atividade econômica, as emissões fundamentalmente ligadas ao desflorestamento tem outra dinâmica.
Figura 1: Emissões de Gases de Efeito Estufa – GEE de Florestas e Usos da Terra e das demais atividades (Outros)
O desflorestamento, como foi tratado no artigo específico incluído neste número, poderia guardar alguma relação com a atividade econômica através da taxa de seu crescimento do PIB. Foi apontado na E&E 86[i] que, em alguns anos, o crescimento da atividade econômica parecia associado aos picos de crescimento observados no desflorestamento. Se a supressão da floresta se dá por pressão da expansão de atividades econômicas como a extração de madeira, a mineração, a agricultura e a pecuária, o desflorestamento poderia estar ligado a movimentos de expansão do PIB fazendo parte do “investimento” para a expansão dessas atividades. Não foi possível, no entanto, encontrar correlação significativa entre o crescimento do PIB do país e o desflorestamento, mesmo considerado alguma defasagem entre as duas variáveis. Como as emissões relativas a florestas e uso da terra seguem de perto o desmatamento da Amazônia, não foi também identificada uma relação direta entre o crescimento do PIB e das emissões. Essas duas grandezas estão representadas na Figura 2.
Figura 2: Crescimento anual do PIB e emissões de GEE relativas a 2005
O inventário nacional apresenta as emissões na classificação:
- Agropecuária
- Energia
- Processos Industriais
- Tratamento de Resíduos
- Uso da terra, Mudança do Uso da Terra e Florestas
Os quatro primeiros itens correspondem ao “Outros” e a participação na emissão dos itens (ou setores) é indicada na Figura 3 ao longo do período;
Figura 3::Emissões de setores não diretamente ligados às florestas e uso do da terra
Os setores representados na Figura 2 têm um comportamento crescente e é interessante estuda-los referidos ao PIB. O desacoplamento entre as emissões e o PIB é o resultado desejado das políticas relativas às emissões. Se esse desacoplamento não for alcançado e se forem fixadas metas rígidas absolutas para as emissões isso significaria limitar o crescimento e o bem-estar da população. Em países onde o nível de renda é ainda considerado insuficiente como o Brasil isto não seria aceitável.
2 Emissões de GEE e o PIB
Uma boa maneira de verificar o desejado desacoplamento entre emissões e PIB é estudar o comportamento das emissões de GEE / PIB.
Na Figura 3 estão representados os valores de emissões de gases de efeito estufa por PIB (medido em paridade de poder de compra PPP em US$ de 2010). O comportamento Emissões de GEE / PIB PPP atenua as oscilações anuais quando comparado com o dos valores absolutos, mostrada na Figura 1 e mostra os quatro primeiros itens com ums intensidade de emissões bastante estável ao longo do tempo..
Figura 4: Emissões de GEE em equivalente a CO2 por unidade de PIB (intensidade de emissões)
Os dados das emissões de gases de efeito estufa, convertidos para equivalente de CO2 são os do sistema Sirene do MCTIC[ii] e os dados do PIB em PPP (sigla inglesa de paridade de poder de compra) foram obtidos da base de dados do Banco Mundial[iii], os publicados no portal do IPEADATA[iv],; para os últimos anos, tomam-se os valores do crescimento real do PIB anual ou inferido a partir dos dados quadrimestrais publicados pelo IBGE, disponíveis no mesmo portal.
O que diz o comportamento da intensidade de emissões, mostrada na Figura 4, é que não houve, o propalado desacoplamento das emissões e o PIB no Brasil, quando se exclui o desflorestamento.
A queda da intensidade das emissões de GEE vem ocorrendo em muitos países desenvolvidos por um conjunto de razões que incluem, as energias renováveis, os avanços tecnológicos e a melhor gestão energética (principalmente conservação). Existe um lado menos salientado na divulgação desse sucesso relativo a mudança da composição do PIB (maior participação de serviços), a mudança do perfil de consumo de combustíveis fósseis em favor do gás natural, matriz dos energéticos (substituição de carvão e derivados de petróleo por gás natural) e o deslocamento de parte da produção para países menos desenvolvidos embutida na globalização.
No Brasil, esgotados os ganhos no desflorestamento, também é difícil avançar em uma matriz energética que já é das mais limpas do mundo. A redução de intensidade de emissões terá que ser feita atuando sobre a eficiência já que não se estima um grande avanço na participação dos serviços que já está próxima da dos países desenvolvidos. Na agricultura e sobretudo na pecuária há margens para redução da emissão de metano.
A Figura 5 mostra ainda que o ponto de referência adotados para as metas (2005), é de uma intensidade elevada para as emissões totais e as ligadas a florestas e uso da terra mas que nas outras atividades é muito próximo aos níveis atuais para as outras atividades.
Figura 5: Intensidade de emissões relativa ao PIB e ponto de referência para as metas estabelecidas
3 As Metas para Emissões de GEE para 1025 e 2030
A métrica proposta para a iNDC brasileira foi baseada na equivalência em CO2 Global Warming Potential para o período de 100 anos (GWP-100). Os valores do Inventário, elaborado pelo MTCIC, usam os valores do 5º Relatório de Avaliação do IPCC (AR-5) as vezes referido como GWP-1995. Os gráficos das Figuras 1 e 2 foram expressos na equivalência adotada pelo MCTIC.
As metas estão resumidas na Tabela 1, conforme documento do MMA Bases para a Elaboração da iNDC Brasileira[v]. As metas da iNDC apresentadas na Conferência de Paris são concordantes com os dados do MMA.
Tabela 1: Emissões por Setor em mil t CO2e/ano e Metas Brasil
1990 | 2005 | 2005* | 2025 | 2030 | |
Energia | 194 | 332 | 313 | 598 | 688 |
Agropecuária | 356 | 484 | 392 | 470 | 489 |
Floresta e Uso da Terra | |||||
Emissão | 826 | 1.398 | 1.905 | 392 | 143 |
Remoção | 211 | 274 | 274 | ||
Líquido | 1.187 | 118 | -131 | ||
Processos Industriais | 48 | 77 | 81 | 98 | 99 |
Tratamento de Resíduos | 12 | 54 | 45 | 61 | 63 |
Total | 1.436 | 2.134 | 2.736 | 1.345 | 1.208 |
Total sem remoção | 1.436 | 2.345 | 2.736 | 1.619 | 1.482 |
Redução Emissões GEE** | 37% | 43% | |||
Redução Emiss./ PIB** | 66% | 75% | |||
Crescimento do PIB** | 85% | 126% |
Valores MMA em mil t CO2e/ano Equivalência GWP 100 (AR5)
(*) Valores do MCTIC em Equiv CO2 GWP 1995 (SAR)
(**)Valores Relativos a 2005
Podem-se observar diferenças entre os valores das duas equivalências nas duas colunas relativas a 2005. Também o documento final da iNDC brasileira adotou os valores propostos pelo MMA e adotado na iNDC brasileira Inclui remoção em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Para se ter uma ideia de como as metas propostas alteram a tendência observada, considerou-se neste trabalho que a variação relativa das emissões em GWP 1995 (dados do MCTIC) seria a mesma da considerada na Tabela 1 para os dados em GWP 100, sem considerar a remoção das Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Os valores do crescimento do PIB foram inferidos dos percentuais de redução das emissões por PIB e das emissões assinaladas na Tabela 1.
Os valores dos anos de referência e os projetados são mostrados na Tabela 2 na equivalência GWP.1995 usada no inventário. Os valores das metas são proporcionais às assinaladas para a equivalência GWP 100 (AR5) usada na iNDC
Tabela 2::Valores do Inventário e projetados em GWP 1995
Agropecuária | Energia | Pr. Industriais | Tr. Resíduos | Floresta e Uso da Terra | Total | |
Intensidades de Emissões kg de CO2 equiv; / US$ 2010 PPP | ||||||
2005 | 0,221 | 0,176 | 0,046 | 0,026 | 1,073 | 1,542 |
2014 | 0,176 | 0,195 | 0,039 | 0,026 | 0,097 | 0,533 |
2025 | 0,116 | 0,171 | 0,031 | 0,016 | 0,162 | 0,496 |
2030 | 0,099 | 0,161 | 0,026 | 0,013 | 0,048 | 0,348 |
Metas de Redução de Intensidade relativas a 2005 | ||||||
2025 | -48% | -3% | -31% | -39% | -85% | -68% |
2030 | -55% | -8% | -43% | -48% | -95% | -77% |
Metas de Redução de Intensidade relativas a 2014 | ||||||
2025 | -34% | -12% | -20% | -40% | 68% | -7% |
2030 | -44% | -17% | -34% | -49% | -50% | -35% |
Os valore históricos e os das metas para Florestas e Uso da Terra, “Outros” e Total são mostrados na Figura 6. A Figura 7 mostra o comportamento dessas variáveis para os componentes do “Outros”.
Figura 6: Emissões de GEE por PIB para o Total, Florestas e Uso da Terra e “Outros” e metas para 2025 e 2030.
Figura 7: Emissões/PIB Total para os diversos setores e metas para 2025 e 2030.
Existem dois trabalhos que buscam equacionar as mudanças a serem realizadas para alcançar os objetivos do que é hoje um compromisso internacional assumido. As promessas relativas ao conjunto do País encontram respaldo no esforço feito até 2014 sem chamar a atenção que quase toda a redução das emissões se deram na área onde era maior a contribuição brasileira que era o desflorestamento. Uma análise dos diversos setores envolvidos, inclusive com tentativas de quantificar investimentos foi feita pelo MMA e também pelo MCTIC.
A Tabela 2 e as Figuras 6 e 7 indicam esforços radicais, principalmente na Agropecuária onde se acredita que a maior produtividade associada ao confinamento do gado e suplementação alimentar adequada poderão reduzir as emissões de metano.
A intensidade de emissões (relativas ao PIB) no Brasil já se encontra em um patamar muito baixo em razão da presença dos renováveis. Manter os atuais coeficientes já é um desafio para muitos setores. Não parece racional a passividade nos setores produtivos na aceitação da redução de emissões adicionais em alguns destes itens. Talvez muitos acreditam que recursos externos ou do próprio governo resolverão os problemas: isto é certamente uma ilusão.
As metas que se transformaram em compromisso, são ambiciosas como solicitadas aos países. As metas Emissões/PIB setoriais podem se revelar incompatíveis com o crescimento. A recente tentativa de modificação da legislação sobre o uso da terra na Amazônia é talvez a primeira reação organizada de setores econômicos contra medidas associadas às emissões de GEE. Seria melhor para o conceito do País que as metas merecessem uma discussão mais profunda antes de serem assumidas.
Referências:
[1] “O Brasil apresentou em 2015 sua pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC) ao Acordo de Paris. Com o depósito do instrumento de ratificação do acordo pelo País, em setembro de 2016, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil deixou de ser “pretendida”. O Brasil assumiu, pelo acordo, o qual entrou em vigor no plano internacional em 4 de novembro de 2016, o compromisso de implantar ações e medidas que apoiem o cumprimento das metas estabelecidas na NDC http://www.mma.gov.br/clima/ndc-do-brasil em 29/06/2017
[2] Entre as significações da palavre registrada no Dicionário Aurélio está: “Afirmar, sustentar ou asseverar (sem fundamento)” https://dicionariodoaurelio.com/pretendida em 29/09/2017
[i] Vargas J. I. e Gorgozinho, P. M. Modelagem Matemática Simples do Desmatamento da Amazônia 2012 em http://ecen.com.br/wp-content/uploads/2017/02/eee86p.pdf
[ii] Governo Federal Sistema Sirene MCTIC, consultado 27/05/2017 em
[iii] Banco Mundial, World Development Indicators em http://data.worldbank.org/data-catalog/world-development-indicators
[iv] http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx
[v] Governo Brasileiro MMA 2016 Fundamentos para a elaboração da Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC) do Brasil no contexto do Acordo de Paris sob a UNFCCC.
http://www.mma.gov.br/images/arquivos/clima/convencao/indc/Bases_elaboracao_iNDC.pdf